“Além das Palavras”- “Quiet
Passion”, Reino Unido, Bélgica, 2016
Direção: Terence Davies
Fica claro, desde o início,
que Emily Dickinson (1830-1886) era uma alma rebelde. Na escola, é a única que
enfrenta a pergunta da diretora do “Mount Holyoke Female Seminary” com uma
resposta inesperada mas sincera:
“- O inferno a espera. Vai
aceitar Deus?”
“- Acho que não” responde a
mocinha (Emma Bell).
“- Está sozinha em sua
rebelião Miss Dickinson.”
Quando a família vem
buscá-la, sente falta da mãe:
“- A viagem seria demais para
ela” responde o pai (Keith Carradine).
Emily, Vinnie e Austin são os
filhos da família Dickinson que vive em uma grande casa amarela, de janelas
verdes, com um belo jardim de altas árvores e canteiros bem cuidados, em
Massachusetts.
Tia Elizabeth é velha, rica e
esnobe mas principalmente conservadora como o pai de Emily. No teatro, onde
está toda a família, o pai comenta sobre a soprano:
“- Uma mulher não deveria se
expor assim...”
“- Mas ela é talentosa”,
retruca Emily, que está encantada.
Quando recomeça o canto, ela
exclama:
“- O demônio da música!”
“- Não seja vulgar, Emily”,
censura o pai.
Então, no início, ela era
vivaz e cheia de esperança. Vemos quando pede ao pai sobre sua vontade de
escrever à noite:
“- Não vou aborrecer ninguém.
Prometo.”
Chamada pela tia de
”Robespierre” por causa das ideias que expõe, Emily responde com humor:
“- Tia, no máximo uma
Charlotte Corday!”
Essa rebeldia feminina, vista
com maus olhos pela sociedade calvinista em que vivia, vai custar mais tarde a
Emily uma vida reclusa e nenhum reconhecimento pelos pouquíssimos poemas que
publica.
“- Eu gostaria de ter alguma
aceitação em vida”, lamenta ela a alguém que a consola dizendo que ela escreve
para a posteridade.
Emily admirava a beleza e,
para seu infortúnio, não era bela como a irmã Vinnie (Jennifer Ehle, atriz
maravilhosa) ou sua amiga coquete e esperta Vinyling Buffam (Catherine Bailey).
Uma severa autocrítica e rigidez ficam ainda mais marcantes quando a juventude
passa e não há mais esperança de ser amada e amar.
Uma mãe depressiva e reclusa
(Joanna Bacon) não poderia ter dado à sensível Emily, na infância, o aconchego
que ela nunca iria experimentar. Vinnie, sua irmã mais nova, que também não se
casa, é a pessoa que mais consegue compreender a irmã e suas angústias.
Os poemas daquela que hoje é
considerada uma das maiores poetas da língua inglesa, são lidos em “off” e
acompanham cenas de episódios conhecidos de sua vida.
“ - Meus poemas são o meu
consolo.”
Aos 55 anos morre ela de uma
doença incurável que a faz sofrer muito.
O trabalho de Cynthia Nixon
como Emily é esplêndido, retratando-a como uma mulher inteligente, rebelde, de
personalidade complexa e carente de afeto mas muito rígida para aceitar a
natureza humana e suas imperfeições:
“ - Acabamos nos
transformando naquilo que tememos...” lamenta uma Emily já muito próxima do fim
de sua vida, amarga e solitária.
Terence Davies, 71 anos, diretor
e roteirista, faz um belo trabalho reconstituindo o século XIX por fora, com
sua estética fotografada por Florence Hoffmeister e por dentro das pessoas,
mostrando conflitos e a posição inferior da mulher na sociedade daquela época.
Um filme triste e belo.
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