“A Garota Desconhecida”- “La Fille
Inconnue”, Bélgica, França 2017
Direção: Jean-Pierre e Luc
Dardenne
Já pensaram como a profissão de
médico é parecida com a de um detetive? Para se fazer um bom diagnóstico é
preciso levantar hipóteses, recolher dados, perguntar e ouvir mais do que falar.
Usar a intuição mas ser rigoroso em não deixar nada de lado. Ter
paciência.
A dra Jenny Davin (Adèle Hanel,
excelente) é jovem, bonita mas sem grandes vaidades, séria mas dona de uma
delicadeza amorosa que faz com que seus pacientes confiem nela. Não tem vida
social, namorado, amigos. Não sabemos nada sobre sua família. Só a conhecemos no
consultório, onde substitui um médico que vai se
aposentar.
Julien, seu estagiário, conduz um
exame clínico com a dra Davin. Ela faz perguntas sobre os achados e ele
responde. Parece que ela o aprova.
Mas, de repente, ouvem-se gritos na
sala de espera. Uma criança caída ao solo com uma convulsão. Ela acode
rapidamente e pede um travesseiro a Julien que, estranhamente, está parado, sem
iniciativa. Parece que não ouve o pedido da doutora.
Ela acomoda a cabeça da criança sobre
um casaco e espera que ela desperte.
Por que Julien teve essa reação
estranha? É o que a dra Jenny pergunta a ele:
“- Não consegui me
controlar.”
“- Se você quer ser médico tem que
aprender a controlar suas emoções.”
A campainha da porta soa. Julien
prepara-se para descer a escada e abrir mas a doutora diz que
não:
“- Mas e se for uma
emergência?”retruca Julien.
“ - Se fosse, tocaria duas vezes. Já
passou uma hora do horário do término dos
atendimentos.”
Julien sai aborrecido, sem falar com
ela.
No dia seguinte, a médica vai se
desculpar com o estagiário. Porque ele estava certo. Ela também queria abrir a
porta mas preferiu se impor. Sente-se culpada, porque quem tocou a campainha foi
uma garota negra que foi encontrada morta na construção do outro lado da rua.
Fratura de crânio.
A câmara de segurança mostra seu
rosto assustado, tocando a campainha do consultório.
O que aconteceu? Foi acidente?
Assassinato?
A culpa que a dra Davin sente vai
levá-la a desempenhar a função de um detetive. Ela vai fazer tudo que puder para
investigar quem foi essa mocinha. Sem celular, sem documentos, ninguém veio
reconhecer o corpo e ela é enterrada como indigente.
Ninguém culpa a doutora pelo
acontecido. E a polícia não vê com bons olhos suas investigações. Mas a médica
vai tratar do caso como faz com seus pacientes.
Dedicada, sente-se culpada porque
sabe que se tivesse deixado Julien abrir a porta, a moça não estaria morta. Mas
ela vai por a culpa a serviço da vítima e se empenha em descobrir quem ela é. E
um paciente da dra Jenny é o fio da meada que a leva à solução do
caso.
A dra Jenny Davin é uma pessoa rara.
Generosa com seus pacientes e doce, maternal com eles. Por que não seria assim
com a garota morta?
E a pergunta que fazemos é a
seguinte: ainda existe alguém assim num mundo egoísta como o
nosso?
E os diretores, os premiados irmãos
Dardenne respondem:
“Nosso cinema reflete um pensamento,
uma sensibilidade. Pode parecer piegas mas fazemos cinema para abraçar o
mundo.”
Ainda bem. “A Garota Desconhecida”
trata justamente dessa sensibilidade tão necessária em tempos de individualismo
exacerbado.
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