“Vida Selvagem”- “Vie Sauvage”, França, Bélgica,
2014
Direção: Cédric Kahn
Nora (Céline Sallette) e Paco (Matthieu Kassovitz) se
entendiam bem naquele começo idílico. Jovens, hippies, um por do sol
deslumbrante e ele a vê coroada de luz, cabelos rebeldes e louros, vestida como
uma cigana, bela e feliz. Casam-se uma semana depois, debaixo de uma árvore
centenária. Juram fidelidade para sempre.
E Nora, que trouxe um filho de outro homem para aquela
família, teve dois meninos, criados à maneira que Paco e ela acreditavam ser o
certo. Não iam à escola mas aprendiam em casa. Tinham uma educação igual às
outras crianças, pensavam os pais, mas na liberdade da vida nômade, entre outros
que eram como eles, contrários à sociedade de consumo e às leis dos homens da
cidade.
Mas a vida muda as pessoas. E Nora passou a querer uma
casa. Cansou-se daquilo. Brigavam. Paco irredutível. Viveriam para sempre
naquele trailer, agora seminômades, junto à comunidade alternativa. Fogueiras à
noite, canções, danças e baseados.
E, um belo dia, Nora foge, levando as três crianças.
Aquilo deixa Paco furioso e ele vai atrás, exigindo os filhos de volta. Promete
até uma casa para Nora.
Mas ela, apoiada pelos pais dela, recusa o pedido de
Paco e chama a polícia.
O juiz dá a guarda à mãe mas nas primeiras férias com o
pai, os meninos de 7 e 8 anos de idade escutam seu apelo e vão com ele,
tornando-se fugitivos, procurados pela polícia.
Desesperada, a mãe tenta recuperar os filhos mas é só
Thomas, o mais velho, que fica com ela.
Essa história é real e fez manchetes de jornal na
França, onde o pai conseguiu fugir por onze anos, vivendo com os dois filhos
Tsalit (David Gastou) e Okyesa (Sofrane Neveu). O filme é baseado no livro “Hors
système – onze ans sous l’étoile et la liberté” escrito pelo pai Xavier Fortin e
os filhos.
No começo, os dois meninos gostavam da vida que levavam.
O pai, como professor, ensinava a eles o que as crianças da cidade aprendiam na
escola e passava para eles sua filosofia de vida. Amavam e respeitavam o pai
mas, pelo menos o menor, sentia falta da mãe. Vemos isso numa cena como um
sonho, onde ele procura a mãe que chama seu nome.
Crianças crescem. E os adolescentes (Jules Ritmanic e
Romain Depret), desde sempre, são rebeldes à autoridade. O pai, até então,
entronizado como um deus, tem que ser contestado.
“Vida Selvagem” não julga ninguém nem discute a posição
do pai ou da mãe. Apenas mostra o ponto de vista dos dois meninos, primeiro
crianças que descobriam a natureza com prazer e depois adolescentes, que queriam
ouvir “som” alto, viver numa casa sem animais, receber os amigos e
namorar.
A fotografia de Yves Cape captura a beleza idílica do
campo na neblina, cascatinhas e riachos transparentes. O canto dos pássaros,
sempre presente, é a música que emoldura as imagens.
Os atores respondem com brilho à direção de Cédric Kahn,
destacando-se Matthieu Kassovitz, o diretor do filme “O Ódio-La Haine” de 20
anos atrás, que vive com convicção o Paco de longos cabelos num rabo de cavalo,
duro e apegado às próprias ideias, apesar de amoroso com os
filhos.
Finalmente, “Vida Selvagem” fala menos da natureza, que
da guerra entre os casais que se separam e usam os filhos como reféns, sem se
dar conta do que fazem, com muito egoísmo. Grande
verdade.
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