Direção: Santiago Mitre
Paulina, a jovem advogada argentina, é intrigante desde
o início do filme, numa discussão com o pai, o juiz Fernando (Oscar Martinez).
Ele não se conforma com a ideia da filha (a excelente Dolores Fonzi), de
interromper seu doutorado, com a expectativa de uma carreira brilhante à sua
frente, para ser professora rural, perto do lugar onde nasceu, no norte da
Argentina, fronteira com Brasil e Paraguai.
Mais do que irritar profundamente o pai, homem de
esquerda que ela tacha de reacionário, parece que Paulina é movida por um
idealismo político e crê que a ação pessoal vale mais do que o trabalho através
de instituições, como os tribunais, na realização da
justiça.
Ela namora, há muito tempo, Alberto (Esteban Lamothe) e
ele também não entende por que ela quer ir trabalhar numa região pobre, outrora
uma zona de florestas, hoje dizimadas pelas serrarias.
Lá chegando, frente à classe de adolescentes, ela logo
perde uma autoridade que não tentou conquistar, colocando-se como “empregada dos
alunos” tal como “os políticos são empregados dos cidadãos e não o
contrário”.
Claro que a classe aproveita para ter a liberdade de ir
embora, dispensando os ensinamentos políticos que a professora tenta passar de
maneira infeliz.
Ela parece não compreender o nível de educação de seus
alunos, assim como não entende quando falam em guarani entre
si.
E a tragédia vai acontecer através de um equívoco.
Paulina é vítima de algo terrível. E, como em todos os casos de estupro, é mais
humilhada que ajudada no interrogatório policial e exames
médicos.
Mas o que mais surpreende a todos é a decisão que
Paulina toma frente às consequências desse estupro, mesmo que o pai e as
próprias colegas dela, não concordem.
O filme “La Patota” de 1961, que inspirou esse segundo
longa de Santiago Mitre, 35 anos, tinha o perdão como o motivo religioso que
impedia a vingança.
Com Paulina é diferente. Ela não quer vingar-se mesmo
conhecendo os autores do estupro. Ela não perdoa mas tenta entender, já que
acredita que a polícia procura culpados, não a justiça. E pensa que a violência
que sofreu já basta.
Paulina suscita muitas perguntas já que foge do padrão
que encontramos em vítimas desse tipo de crime.
É na entrevista, que se passa durante todo o filme em
“flashback”, com uma profissional que faz perguntas a ela, que uma hipótese pode
surgir. Nesse mesmo sentido há também uma fala de uma tia de
Paulina sobre sua mãe:
“- Você não se lembra dela mas era um demônio, não a
rainha da bondade!”
E de repente, realizamos que Paulina não tinha mãe. Ora,
suas ações passam a ter algum sentido, se pensarmos que uma poderosa corrente
inconsciente impulsionava seus atos, antes de serem trabalhados num plano
racional.
À luz dessa hipótese, afrontar o pai e fazê-lo sofrer,
com bons argumentos, vingaria a mãe dela, vítima idealizada com quem se
identificava.
Na cena inicial e na final, percebemos que os dois
personagens principais dessa tragédia são a filha e seu pai. Disse Santiago
Mitre numa entrevista:
“- Minha decisão no filme é acompanhá-la e não julgá-la.
Uma vítima deve ser ouvida. Não se pode entender o que se passa pela cabeça ou
mesmo pelo corpo de quem sofreu uma violência dessas. Quis fazer um filme que,
em vez de impor as suas certezas, se movesse em um território difuso, de
perguntas, que convide à reflexão.”
Co-produzido pelo Brasil (Walter Salles), o ganhador do
Grande Prêmio da Semana da Crítica em Cannes 2015 é um filme original em sua
narrativa, bem realizado e com atores fantásticos.
Mas “Paulina” não é para o grande público. É para quem
gosta de mergulhar nas contradições da natureza humana.
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