Direção: Lucie Borleteau
Quando o filme começa, vemos Alice nua, nadando no mar
azul transparente. Ela passa um sentimento de liberdade e naturalidade,
brincando na água. Coloca o maiô laranja quando vai de encontro ao homem deitado
na prainha vazia e privada, só para tirá-lo de novo e fazer amor com Felix
(Anders Danielsen Lie), seu namorado dinamarquês.
Ele desenha histórias, é artista gráfico e passa para o
papel o corpo de Alice.
“- Adoro quando você desenha meu sexo, mas não tenho
seios tão grandes...”
“- Em meus sonhos você tem”, responde Felix, com um
sotaque que delicia Alice (a bela atriz grega Ariane
Labed).
Ela é engenheira naval, tem 30 anos e vai partir no
Fidelio, antigo navio de carga. E é com saudades que deixa
Felix.
Depois da escalada da escada que a traz a bordo de
noite, alguém pergunta:
“- Você tem medo de fantasma?”
Porque na cabine que Alice vai ocupar, morreu um
tripulante. Ele estava na sala de máquinas e sua morte está envolvida em
mistério. Não se sabe a causa e ele será sepultado no
mar.
Alice assiste à cerimônia e encontra na cabine o diário
de Patrick. Ela vai mergulhar nessa leitura íntima e refletir sobre a
vida.
Mas uma surpresa a espera no Fidelio. Gael (Melvil
Poupaud) é o charmoso comandante do navio e um antigo amor de
Alice.
Ela é a única mulher a bordo. Passa seus dias entre
homens. E não parece se importar com a atmosfera de piadas e conversas
masculinas.
Alice sabe lidar com a sexualidade que emana de seus
poros e mora em seus olhares e, é claro, Gael volta para a cama
dela.
Quando Felix, seu amor em terra, se faz presente através
de uma caixa com 30 livros que ele manda para ela, Alice sorri agradecida,
pensando no amor dos dois. Mas parece que o que ela sente pelo namorado
dinamarquês não a impede de dispor do próprio corpo a seu bel prazer. Aliás é
ela quem escolhe quem se deita com ela, como descobre um atrevido que entra na
cabine dela sem ser convidado.
“A Odisseia de Alice” lembra a outra, a de Ulisses, que,
por mais que se deitasse com feiticeiras, deusas e sereias, no fim volta para
sua Penélope.
Mas o tema da fidelidade, lembrado no nome do navio,
ainda não trabalhado por Alice, vai colocá-la numa encruzilhada. A aparente
facilidade com que lida com sua forte sensualidade, que a invade quando no mar,
pode ser uma defesa construída para evitar ter que escolher alguém para amar. Ou
terá ela vontade de ter duas vidas, uma na terra, outra no
mar?
O primeiro longa de Lucie Borteleau, 34 anos, deu o
prêmio de melhor interpretação feminina para Ariane Labed. A diretora é
talentosa e faz um filme com uma reflexão importante sobre a mulher do século
XXI que, por mais que queira adotar um papel dito masculino, tal qual Ulisses,
apesar das aventuras também precisa de um amor porto seguro. E será que um
homem, que não tenha essa atitude livre, vai suportar a vida dupla da mulher
dele?
Alice espera “tudo” do amor. Uma idealização infantil.
Esquece que tem que haver uma reciprocidade essencial na dupla
amorosa?
É um belo pequeno filme que faz
pensar.
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