“As Montanhas se Separam”- “Mountains May Depart”,
China, França, Japão, 2015
Direção: Jia Zhang-ke
China, 1999. É Ano Novo. Jovens dançam uma coreografia
“disco” ao som de “Together” gravada pelos Pet Shop Boys (“cover” do sucesso do
Village People), festejando o novo século que chegava. Sonhos com o Ocidente?
Fogos de artifício pobrinhos sobre a cidade de Fenyang
(terra natal do diretor). Dragões vermelhos desfilam nas ruas. O povo aglomerado
se empurra, vestidos com cores escuras e roupas
simples.
Logo, vemos um trio que canta e ri no carro vermelho que
pertence a Jing Sheng (Zhang Yi)), um jovem herdeiro, que leva ao lado a bela
Tao (Zhao Tao, mulher do diretor, atriz maravilhosa) e um rapaz proletário
Liangzi (Liang Jin Dong), que trabalha numa mina de
carvão.
Claro que os dois disputam a moça. Viram inimigos. O
rico, sempre com um bonito casaco de couro, ameaça o pobretão, chegando a pensar
em intimidá-lo com um revólver. Não é bom caráter.
Mas ela, apesar de gostar muito de Liangzi, escolhe o
outro para se casar, sem refletir sobre sua arrogância, nem seu gênio
ruim.
Os dois tiram fotos para o álbum do casamento diante de
uma foto da Opera de Sidney, distante paraíso. E Tao ganha um cãozinho labrador
do noivo.
Quando ela leva o convite de casamento para Liangzi,
recebe a notícia que ele vai embora:
“- E quando você volta?”
“- Nunca”, responde ele, jogando longe a chave de sua
casa pobre.
O diretor Jia Zhang-ke, 45 anos, retratado no
documentário de Walter Salles, “O Homem de Feniang” de 2015, é um dos mais
célebres diretores chineses (“Toque de Pecado”, 2013). Aqui, no primeiro
segmento do filme, retrata seu país na passagem para o século XXI, quando
despontam novos ricos como o noivo de Tao, embora o povo vivesse ainda muito
mal.
Quando passamos para a segunda parte, em 2014, Tao está
separada do marido, que se tornara um milionário, com negócios prósperos em
Shanghai. O filho deles, Dole (Zhao Tao), mora cm o pai que obteve a guarda e
estuda num colégio internacional. Não tem nenhum contato com a
mãe.
Liangzi continua trabalhando em mineração, tem mulher e
filho mas leva uma vida paupérrima. Fica gravemente doente e não tem dinheiro
para se tratar.
O contraste entre as duas Chinas vai ser mostrado por
Zia Zhang-ke, que escreveu o roteiro do filme, além de dirigi-lo, através das
duas mulheres que se encontram quando a esposa de Liangzi vai procurar Tao,
rica, bem vestida, cercada de amigos iguais a ela, num casamento. A outra,
pobremente trajada, espera Tao na rua e implora sua
ajuda.
Quando o pai de Tao morre, ela chama o filho de 7 anos
para o enterro. São dois estranhos. Ao mesmo tempo que se exaspera, ela sente
tristeza por não poder conviver com ele e educá-lo. E, ainda por cima, fica
sabendo que o pai vai levá-lo para viver em Melbourne na Austrália. É bem clara
a dissolução dos laços familiares nessa nova China.
Na despedida, a mãe entrega as chaves de sua casa para o
filho:
“- Dole, você será sempre bem vindo na sua
casa!”
Mas a falta de raízes é um dos sintomas desses novos
chineses que só falam inglês e esqueceram o mandarim, como acontece com o filho
de Tao.
A terceira parte do filme acontece na Austrália em 2025.
O filho de Tao, que agora se chama Dollar (Dong Zijian) é um garoto
aparentemente de bem com a vida mas, no fundo é um
perdido.
O pai, que não fala inglês, continua o mesmo. Não se dá
bem com o filho.
Uma experiência afetiva com uma professora (Sylvia
Chang), há muitos anos longe da China de sua Hong Kong natal, faz Dollar
lembrar-se de sua mãe, sentir falta do seu amor. Sente-se um
desgarrado.
A cena final, magistral, traz de volta a música do
início do filme e Tao, bela apesar de envelhecida, graciosamente dança aquela
antiga coreografia de 1999. A neve cai e um novo cão labrador é sua única
companhia.
“As Montanhas se Separam” é um filme dramático mas
também doce e nostálgico. Mostra a China como um espelho do nosso mundo. O
diretor enfatiza as mudanças, que vão acontecendo, usando um diferente tamanho
de tela para cada segmento. A imagem maior, filmada com a mais nova tecnologia,
não é a mais feliz.
Jia Zhang-ke tem tristes presságios para o futuro da
humanidade, expressados com arte nesse seu belíssimo filme.
Imperdível!
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