“Meu Amigo Hindu”- “My Hindu Friend”, Brasil,
2015
Direção: Hector Babenco
Falar de si mesmo no cinema, acontece frequentemente com
diretores. Principalmente com os que escrevem também os roteiros. Mas, isso é
sempre algo implícito, nunca confessado abertamente como fez Babenco, em letras
brancas na tela negra: “aconteceu comigo” e “conto da melhor maneira que sei
contar.” Ou seja, fazendo ficção, reinventando a realidade. Portanto, “Meu Amigo
Hindu”, não é um filme autobiográfico, apesar de inspirar-se na vida
real.
Willem Dafoe, o grande ator americano, conheceu Hector
Babenco nos anos 80 mas foi só agora que deu certo a parceria e ele aceitou
fazer Diego Fairman, no último filme do diretor
argentino-brasileiro.
Daí o elenco todo ter que falar inglês, o que foi
difícil e até prejudicou a naturalidade da interpretação de alguns atores. Para
os da plateia, que os conhecem falando português, soa estranho e talvez até mesmo
desconcertante e isso prejudica tanto quem fala quanto quem ouve. Cria um
distanciamento que nos distrai. Principalmente nas cenas iniciais do
casamento.
Mas foi inevitável, já que Dafoe não fala português. E
ele é o centro de tudo que acontece. E como interpreta bem o que acontece de
cara: a raiva que acompanha o temor do diagnóstico que indica um transplante de
medula.
No espelho, calvo por causa da quimioterapia que o está
matando ao invés de curá-lo, ele pergunta para sua mulher Livia (a bela Maria
Fernanda Cândido):
“- O que foi que eu fiz?”
E é um homem amargo e ressentido com a vida que vai para
os Estados Unidos, submeter-se a um tratamento experimental, do qual não se sabe
se ele vai sair vivo.
Livia entra e sai, fica ao lado dele o tempo todo, mas
não recebe um carinho de agradecimento.
Babenco dirige bem os atores que fazem a equipe do
hospital mas o foco é sempre o rosto de Dafoe, onde se estampa a dor, a agitação
da morfina, o medo de morrer. É um homem só, que enfrenta tudo aquilo que fazem
no seu corpo, tentando fazer nascer um outro sistema imunológico, uma outra
vida.
Mas o roteiro traz momentos de respiração com cenas de
humor negro criativas, envolvendo as visitas de um funcionário da Morte (Selton
Mello, ótimo) e sua companheira surreal (Vera Barreto Leite). Falam bobagens,
jogam xadrez e Dafoe acorda aliviado. Ainda não foi daquela
vez.
O título do filme, que fala de um amigo hindu,
justifica-se na salinha de quimioterapia, onde Diego tem como companheiro um
menino que joga video-game e não se interessa por ele, até que o adulto começa a
contar histórias que distraem tanto ele mesmo como o menino. A magia da
imaginação os distancia daquele hospital.
Neste momento do filme desaparece o diretor mal humorado
e há doçura na voz que conta histórias.
A mesma doçura que havia na fala com o filho de sua
mulher Livia, quando se despede dele porque vai se tratar longe dali. Ele leva o
brinquedo do menino consigo e também vai com ele para aquela salinha, onde o
brinquedo é uma ponte para chegar no pequeno paciente.
O menino que está vivo em Diego é sua melhor parte e vai
ajudá-lo nessa luta pela sobrevivência, na selva onde a morte
espreita.
Os dois, vestidos de soldados, atirando granadas e
metralhando o inimigo, representam a si próprios e a tarefa que vieram enfrentar
naquele lugar.
Mas há doçura e também encantamento no olhar de
Dafoe/Diego quando ele descobre Barbara Paz, no papel dela mesma (mulher de
Babenco na vida real). Da plateia assistindo ao espetáculo solo dela, depois nas
conversas a pé pela cidade e na cena da primeira noite de amor, há um homem que
se recupera, que quer viver e que esquece medo e rabujice.
“All you need is love”, como já dizia a
canção.
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