terça-feira, 22 de março de 2016

Meu Amigo Hindu


“Meu Amigo Hindu”- “My Hindu Friend”, Brasil, 2015
Direção: Hector Babenco

Falar de si mesmo no cinema, acontece frequentemente com diretores. Principalmente com os que escrevem também os roteiros. Mas, isso é sempre algo implícito, nunca confessado abertamente como fez Babenco, em letras brancas na tela negra: “aconteceu comigo” e “conto da melhor maneira que sei contar.” Ou seja, fazendo ficção, reinventando a realidade. Portanto, “Meu Amigo Hindu”, não é um filme autobiográfico, apesar de inspirar-se na vida real.
Willem Dafoe, o grande ator americano, conheceu Hector Babenco nos anos 80 mas foi só agora que deu certo a parceria e ele aceitou fazer Diego Fairman, no último filme do diretor argentino-brasileiro.
Daí o elenco todo ter que falar inglês, o que foi difícil e até prejudicou a naturalidade da interpretação de alguns atores. Para os da plateia, que os conhecem falando  português, soa estranho e talvez até mesmo desconcertante e isso prejudica tanto quem fala quanto quem ouve. Cria um distanciamento que nos distrai. Principalmente nas cenas iniciais do casamento.
Mas foi inevitável, já que Dafoe não fala português. E ele é o centro de tudo que acontece. E como interpreta bem o que acontece de cara: a raiva que acompanha o temor do diagnóstico que indica um transplante de medula.
No espelho, calvo por causa da quimioterapia que o está matando ao invés de curá-lo, ele pergunta para sua mulher Livia (a bela Maria Fernanda Cândido):
“- O que foi que eu fiz?”
E é um homem amargo e ressentido com a vida que vai para os Estados Unidos, submeter-se a um tratamento experimental, do qual não se sabe se ele vai sair vivo.
Livia entra e sai, fica ao lado dele o tempo todo, mas não recebe um carinho de agradecimento.
Babenco dirige bem os atores que fazem a equipe do hospital mas o foco é sempre o rosto de Dafoe, onde se estampa a dor, a agitação da morfina, o medo de morrer. É um homem só, que enfrenta tudo aquilo que fazem no seu corpo, tentando fazer nascer um outro sistema imunológico, uma outra vida.
Mas o roteiro traz momentos de respiração com cenas de humor negro criativas, envolvendo as visitas de um funcionário da Morte (Selton Mello, ótimo) e sua companheira surreal (Vera Barreto Leite). Falam bobagens, jogam xadrez e Dafoe acorda aliviado. Ainda não foi daquela vez.
O título do filme, que fala de um amigo hindu, justifica-se na salinha de quimioterapia, onde Diego tem como companheiro um menino que joga video-game e não se interessa por ele, até que o adulto começa a contar histórias que distraem tanto ele mesmo como o menino. A magia da imaginação os distancia daquele hospital.
Neste momento do filme desaparece o diretor mal humorado e há doçura na voz que conta histórias.
A mesma doçura que havia na fala com o filho de sua mulher Livia, quando se despede dele porque vai se tratar longe dali. Ele leva o brinquedo do menino consigo e também vai com ele para aquela salinha, onde o brinquedo é uma ponte para chegar no pequeno paciente.
O menino que está vivo em Diego é sua melhor parte e vai ajudá-lo nessa luta pela sobrevivência, na selva onde a morte espreita.
Os dois, vestidos de soldados, atirando granadas e metralhando o inimigo, representam a si próprios e a tarefa que vieram enfrentar naquele lugar.
Mas há doçura e também encantamento no olhar de Dafoe/Diego quando ele descobre Barbara Paz, no papel dela mesma (mulher de Babenco na vida real). Da plateia assistindo ao espetáculo solo dela, depois nas conversas a pé pela cidade e na cena da primeira noite de amor, há um homem que se recupera, que quer viver e que esquece medo e rabujice.

“All you need is love”, como já dizia a canção.

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