“A Linguagem do Coração”- “Marie’s Story”, França
2014
Direção: Jean-Pierre Améris
Dizem que a fé move montanhas. O que esse filme mostra é
que a compaixão pelo outro faz milagres.
Marie Heurtin (interpretada por Ariana Rivoire, atriz
sensível, que é surda), nasceu cega e surda, no fim do século XIX, no campo
francês, perto de Poitiers. Seus pais, gente humilde, conservaram a filha com
eles enquanto puderam. Mas, chegando a adolescência, um médico aconselha que a
internem num sanatório, como era comum naquela época.
Mas a história de Marie vai ser diferente. Perto de onde
moravam os Heurtin, havia um convento de freiras que educavam meninas surdas,
ensinando a linguagem dos sinais. Esperançoso no que poderia ser um lar para sua
filha, o pai a leva numa carroça para o convento.
A menina desgrenhada, vestida num camisolão e sem
sapatos, vinha amarrada. Mas seu rosto bonito, virado para a luz do sol,
mostrava uma felicidade inesperada, procurando com as mãos o
calor.
Logo que é desamarrada, entretanto e o pai some com a
Superiora, foge assustada, correndo, com as freiras atrás.
Com insuspeitada agilidade, sobe numa das árvores do
pomar, depois de pular e cair nos canteiros da horta.
A Superiora manda que uma das irmãs (Isabelle Carré,
atriz poderosa) vá até ela e a traga para baixo.
A freira magrinha, muito branca, de olhos azuis e
expressão doce, consegue alcançar a menina. E é com extremo cuidado e delicadeza
que ela, suavemente, toca a mão de Marie.
Algo aconteceu porque a menina também estende a mão e
toca o rosto da irmã Marguerite. Mas logo um grito de uma das freiras assusta a
outra e faz cessar aquele momento de proximidade.
Severa, a Superiora diz que ali não é lugar para Marie,
surda e cega, não apenas surda como as outras.
Mas ela havia causado uma forte impressão na irmã
Marguerite que se perguntava:
“Como será viver num mundo escuro e
silencioso...?”
Bem que a Superiora tentou dissuadí-la, lembrando
Marguerite de sua doença incurável mas a freira, com doçura, insiste que, se a
morte dela era certa e para logo, melhor seria tentar ajudar alguém antes do
inevitável.
E ela vai atrás de Marie, que mora numa edícula da casa
dos pais. Ao primeiro toque da freira, Marie reage com violência. Ela é um bicho
selvagem.
Os pais, esperançosos de que a filha pudesse ser bem
tratada no convento, deixam a freira levá-la. A mãe entrega um pequeno canivete
a Marguerite dizendo:
“- É seu preferido. Gosta mais dele do que das
bonecas.”
E lá vai Marie nos ombros do pai até que ele a amarra
com uma correia no pulso da freira. Não é fácil arrastar Marie, que
resiste.
Mas quando param num riacho, a freira observa a mudança
no rosto da menina. Em contato com a água fresca, seu rosto se ilumina. No mundo
sensorial de Marie, a natureza era uma companhia bem-vinda. O calor do sol e o
frio da água rompiam a barreira que existia entre Marie e o mundo das
pessoas.
Foi preciso muita paciência, perseverança, força e
esperança para que Marie deixasse Marguerite ensinar-lhe todas as pequenas
coisas que ela desconhecia e, portanto, temia. Levou tempo mas o prazer de um banho quente, o toque macio de
roupas limpas e cheirosas, seu cabelo penteado, foram as primeiras conquistas.
E a inteligência emocional de Marguerite ajudou-a a
encontrar o objeto que serviria de ponte para aquilo que, depois, ela chamou de
“explosão da linguagem”.
Não há nenhuma pieguice em “A Linguagem do Coração”. As
interpretações são cativantes e o amor de Marguerite por aquela que ela chamou
de “filha da minha alma”, é o que produziu o “milagre”.
Essa história verdadeira de Marie Heurtin, lembra a de
Helen Keller, também cega e surda, mas nascida cinco anos antes, em uma rica
família americana. O filme “O Milagre de Anne Sullivan” de1962, dirigido por
Arthur Penn, foi um grande sucesso de público.
Mas aqui, ao invés de técnicas de aprendizagem,
encontramos duas sensibilidades que se tocaram e uma ponte de afeição que leva
Marie à palavra e seu significado. O amor liberta sua vontade de aprender a
comunicar-se e de entender o mundo.
Um filme delicado que renova nossas esperanças na
natureza humana.
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