“Adeus à Linguagem”- “Adieu au Langage”, Suiça, França,
2014
Direção: Jean-Luc Godard
Aos 84 anos, o diretor francês Jean-Luc Godard ainda é o
mesmo provocador que ele sempre foi. Mas, agora, com toda a sua vida e a da
humanidade na cabeça, ele pode dar-se o luxo de ser bem ele mesmo, em 3D e com o
Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2014.
“Adeus à Linguagem” é como se fosse um passeio pela
cabeça do diretor e roteirista.
Entretanto não será uma visita fácil. Ele avisa, com uma
frase bem no começo do filme: “Todos aqueles que não tem imaginação, refugiam-se
na realidade.” Então já estamos prevenidos. Vai ser muito louco do ponto de
vista daqueles que não conseguem jogar-se no mundo do desconhecido e um deleite,
cheio de sustos e perguntas, para aqueles que aceitam o convite porque já gostam
de Godard há muito tempo.
Desde a estreia dele, com “Acossado – À bout de
souffle”1960, os amantes do cinema seguem Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo
naquela corrida por uma rua de Paris.
E, com “Adeus à Linguagem”, também ficamos sem fôlego,
nossos olhos tentando ver e nossa mente querendo guardar as frases lidas,
faladas e escritas na tela. Tudo leva à vertigem, quase à irritação, porque o
filme nos escapa quando queremos compreendê-lo.
Então, a melhor maneira de ver o último Godard é
deixar-se levar, olhando a tela e sorrindo com as piadas. Desde as mais
intelectuais (“Ah Dieu”, no primeiro plano em letras vermelhas e “Langage” no
segundo, quase que se fundindo), até as escatológicas (no
banheiro).
Uma mulher casada (Héloise Godet, jovem e bela) e um homem solteiro (Kamel Abdeli), numa
casa num lago, fazem amor, brigam e discutem filosofia nús, na companhia de um
cão. Seria simples se não fosse Godard.
Porque em “Adeus à Linguagem”, ele contrapõe o passado,
o jogo infantil com os dados, a vida sem tecnologia, com um mundo infestado por
celulares, TVs enormes na sala e uma Babel de línguas, tanto no mundo externo
como no interno. A ponto de ouvirmos a mulher dizer:
“- Logo vamos precisar de intérpretes para entender o
que nós mesmos falamos.”
O século XX desfila em imagens de telejornais e são
cenas de guerras, Hitler, o Holocausto, Vietnam, o terrorismo. A História
triste.
Mas quando entra “A Natureza”, trazida pela arte da
pintura (Monet e “representar o que não se vê”) e da música (trechos de
Beethoven, Tchaikovski, Sibelius), belíssimas imagens aparecem na tela em cores
lisérgicas.
Profusões de flores, campos, águas, árvores nas diversas
estações.
“- Nunca deram um Nobel para a pintura, nem para a
música...”ouve-se em “off”.
E Roxy Miéville (o cachorro de Godard, com o sobrenome
da companheira dele, Anne-Marie), amado pelo diretor, seguido pala câmara, anda
nas margens do lago e passeia pela floresta (“os indios quando queriam dizer
“mundo”, usavam a palavra para floresta”, comenta uma voz). E homenageia Darwin
que escreveu que o cachorro era o único animal que ama mais seu dono do que a
ele mesmo.
A “Natureza” nomeada pela “Metáfora” leva à compreensão
do mundo? Uma mulher lava as mãos numa água transparente onde boiam folhas de
outono.
O filme, que tem um assassinato quase escondido e
latidos de cachorro e choro de bebês como epílogo, fica conversando conosco
durante muito tempo depois que saímos do cinema
aturdidos.
Mas isso só para quem tem e usa a
imaginação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário