sábado, 23 de maio de 2015

Miss Julie



“Miss Julie”- Idem, Noruega, Reino Unido, 2014
Direção: Liv Ullmann

Uma menina ruiva lê para sua boneca, sentada numa cama de dossel e cortinas da cor de seu cabelo:
“- Ela ganhou uma linda boneca de presente.”
Vai até o outro quarto, com dossel e cortinas da mesma cor do seu e joga-se na cama:
“- Mamãe...” diz num lamento.
E a menina solitária e enlutada corre pela escada majestosa da mansão. Passa pela sala de jantar com a mesa adornada com cristais que brilham sob a luz da grande janela. A câmara faz um “close”: pele branca, olhos azuis, cabelos ruivos. Miss Julie.
Ela sai pela janela e corre para um lugar idílico. Um bosque com flores e um riacho.
Mas há algo dissonante. Por que ela olha para a boneca despida, presa na forquilha do alto da árvore e sorri?
Já sabemos muita coisas sobre ela. É só, triste, carente, o pai está longe, faz o luto da mãe e cultiva devaneios que só ela sabe.
Quando volta à casa e entra pela mesma janela, já é uma mocinha (Jessica Chastain).
Assim começa o filme de Liv Ullmann.
Estamos na Irlanda, 1890 e aquele dia é o mais longo do ano. Tudo pode acontecer no solstício do verão. Ricos e pobres misturam-se nos festejos. Segundo a lenda pagã, a noite é mágica para os apaixonados.
Na cozinha, John (Colin Farrell) e Kathleen (Samantha Morton) conversam sobre a beleza de Miss Julie:
“- Ela é magnífica! Aquela cintura, o pescoço..” diz John.
“- Pare!” interrompe Kathleen.
“- O que você cozinha que cheira tão mal?”
“- Miss Julie prefere ver a cadelinha morta do que tendo uma ninhada...Viu o cão do patrão rondando e mandou fazer essa poção abortiva. Mas não vou fazê-la forte... Pobrezinha...”
Miss Julie espreita pela porta e entra.
“- Vocês estão fazendo bruxarias na noite do solstício? Venha dançar John!”
E assim começa um jogo. Miss Julie não sabe que é perigoso? Mas ela quer companhia. E seduzir John parece ser divertido.
A arrogância de Miss Julie esconde uma fragilidade doentia. Tem como herança da mãe o ódio aos homens, o que aumenta sua curiosidade por John. E tirar o noivo da empregada soa como música para a menina cujo pai ausente nunca se fez próximo o suficiente para ser seduzido.
John, por sua vez, a vê como um troféu inalcançável. Só ele sabe a inveja e o temor que sente pelo patrão.
Strindberg (1849-1912), é o autor sueco da peça “Miss Julie”, escrita em em 1888, que é retomada pela dinamarquesa Liv Ullmann. O encontro na cozinha entre John e Julie renova-se sob o olhar da diretora, musa do inesquecível Ingmar Bergman.
Atriz, ela sabe dirigir atores e foca principalmente em Jessica Chastain, talentosa e adorável, que entrega uma performance dilacerante, que caminha da arrogância à psicose. Liv Ullmann leva seu filme muito além das diferenças de classes sociais e mergulha no psíquico.
Um filme para quem gosta de ir fundo na natureza humana.




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