domingo, 7 de outubro de 2012

De Volta para Casa



“De Volta para Casa”- “A Moi Seule”, França 2012
Direção: Frédéric Videau


A primeira sensação de estranheza é o letreiro na tela negra, com um texto que enfatiza que vamos assistir a um filme que é “fruto da imaginação de seu autor”. Somos alertados: “Não procure interpretar”.
Mas o que vem por aí? Pensam aqueles que não leram nada sobre o filme.
Um homem bravo ataca um colega com um soco, na marcenaria onde ambos trabalham.
Logo, o vemos dirigindo seu carro e entrando numa casa. Levanta um alçapão. De dentro sai uma mocinha.
Trocam algumas frases que não ouvimos e a vemos correr para a porta da casa, abrí-la e ganhar o caminho para o portão, que dá para a estradinha.
Ela para e volta-se para a câmara. Um último olhar e sai correndo pela estrada, ladeada de campos não cultivados e algumas árvores.
As cores são frias, de outono.
A mocinha chega numa parada de ônibus, senta-se e olha um velho cartaz na parede. Uma menina de uns oito anos está na foto, com as palavras “Ajudem a encontrar Gaelle”.
“De Volta para Casa” é a história de um sequestro que dura um pouco menos de dez anos.
Gaelle Faroult é interpretada com entrega total por Agathe Bonitzer quando o filme começa e ela é libertada por seu sequestrador Vincent (Reda Kateb). Quando criança é vivida por uma atriz que promete, a pequena Margot Couture.
Na sequência do filme, que vai e vem entre o relacionamento de Gaelle e Vincent e a tentativa dela de se ambientar com o mundo de fora, vemos a cena de uma menina, gritando e se debatendo, quando o homem a segura, assim que abre o alçapão:
“- Nunca vou tocar em você. Não vou te fazer mal.”
A menina cospe na cara dele.
“- Se você fizer isso de novo, vai ficar dois dias presa. Vai tomar banho?”
“- Vai me matar?”
“- Não.”
“- Posso voltar para casa?”
“- Não. Me chamo Vincent.”
Ele espera do lado de fora do banheiro. Quando a menina sai, ele pergunta:
“- Gosta de bife com batata frita?”
“De Volta para Casa” tem seu diretor como roteirista e conta a história de uma menina de oito anos que vive quase dez anos com seu sequestrador. Ele é tudo para ela. Aquele que alimenta, que cuida de sua saúde, que a ajuda a fazer os deveres de casa como se estivesse na escola, que lhe compra livros e roupas. Ele é mais que uma mãe, é também um pai, amigo, professor, namorado. O mundo todo para ela, que passa parte da infância e quase toda sua adolescência a sós com ele.
A relação de amor e ódio que Gaelle desenvolve com Vincent é compreensível.
Aqui, a ”Síndrome de Estocolmo” ganha um colorido especial porque é quase que a única história que Gaelle viveu.
Essa síndrome ataca quase todas as vítimas de sequestros, que desenvolvem relações afetivas com seus carcereiros porque dependem tão absolutamente deles, que a vida que lhes é poupada, o alimento dado, o sono concedido, são lidos por afetos arcaicos como sendo uma réplica da relação com a mãe e seu bebê indefeso. Se ela não quiser que ele viva, o bebê morre.
Daí os laços fortes e, aparentemente inexplicáveis, em quase todos os casos de sequestro conhecidos e que duram depois da libertação dos sequestrados.
Já a personalidade do sequestrador Vincent e o por que do sequestro de Gaelle ficam na penumbra. Parece que ele, que não tem nenhuma vida social, precisa ser tudo para alguém. Necessita dela e assim, fica borrada a relação de poder que se estabelece.
“De Volta para Casa” é um filme que conta com atores excelentes e bem dirigidos e uma fotografia que ajuda a detectar a qualidade dos afetos.
Quem gosta de indagar a natureza humana, precisa ver “De Volta para Casa”, um olhar sofisticado sobre as nossas sombras.

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