Direção: Frédéric
Videau
A primeira sensação de
estranheza é o letreiro na tela negra, com um texto que enfatiza que vamos
assistir a um filme que é “fruto da imaginação de seu autor”. Somos alertados:
“Não procure interpretar”.
Mas o que vem por aí?
Pensam aqueles que não leram nada sobre o filme.
Um homem bravo ataca um
colega com um soco, na marcenaria onde ambos trabalham.
Logo, o vemos dirigindo
seu carro e entrando numa casa. Levanta um alçapão. De dentro sai uma
mocinha.
Trocam algumas frases que
não ouvimos e a vemos correr para a porta da casa, abrí-la e ganhar o caminho
para o portão, que dá para a estradinha.
Ela para e volta-se para
a câmara. Um último olhar e sai correndo pela estrada, ladeada de campos não
cultivados e algumas árvores.
As cores são frias, de
outono.
A mocinha chega numa
parada de ônibus, senta-se e olha um velho cartaz na parede. Uma menina de uns
oito anos está na foto, com as palavras “Ajudem a encontrar
Gaelle”.
“De Volta para Casa” é a
história de um sequestro que dura um pouco menos de dez anos.
Gaelle Faroult é
interpretada com entrega total por Agathe Bonitzer quando o filme começa e ela é
libertada por seu sequestrador Vincent (Reda Kateb). Quando criança é vivida por
uma atriz que promete, a pequena Margot Couture.
Na sequência do filme,
que vai e vem entre o relacionamento de Gaelle e Vincent e a tentativa dela de
se ambientar com o mundo de fora, vemos a cena de uma menina, gritando e se
debatendo, quando o homem a segura, assim que abre o alçapão:
“- Nunca vou tocar em
você. Não vou te fazer mal.”
A menina cospe na cara
dele.
“- Se você fizer isso de
novo, vai ficar dois dias presa. Vai tomar banho?”
“- Vai me
matar?”
“-
Não.”
“- Posso voltar para
casa?”
“- Não. Me chamo
Vincent.”
Ele espera do lado de
fora do banheiro. Quando a menina sai, ele pergunta:
“- Gosta de bife com
batata frita?”
“De Volta para Casa” tem
seu diretor como roteirista e conta a história de uma menina de oito anos que
vive quase dez anos com seu sequestrador. Ele é tudo para ela. Aquele que
alimenta, que cuida de sua saúde, que a ajuda a fazer os deveres de casa como se
estivesse na escola, que lhe compra livros e roupas. Ele é mais que uma mãe, é
também um pai, amigo, professor, namorado. O mundo todo para ela, que passa
parte da infância e quase toda sua adolescência a sós com ele.
A relação de amor e ódio
que Gaelle desenvolve com Vincent é compreensível.
Aqui, a ”Síndrome de
Estocolmo” ganha um colorido especial porque é quase que a única história que
Gaelle viveu.
Essa síndrome ataca quase
todas as vítimas de sequestros, que desenvolvem relações afetivas com seus
carcereiros porque dependem tão absolutamente deles, que a vida que lhes é
poupada, o alimento dado, o sono concedido, são lidos por afetos arcaicos como
sendo uma réplica da relação com a mãe e seu bebê indefeso. Se ela não quiser
que ele viva, o bebê morre.
Daí os laços fortes e,
aparentemente inexplicáveis, em quase todos os casos de sequestro conhecidos e
que duram depois da libertação dos sequestrados.
Já a personalidade do
sequestrador Vincent e o por que do sequestro de Gaelle ficam na penumbra.
Parece que ele, que não tem nenhuma vida social, precisa ser tudo para alguém.
Necessita dela e assim, fica borrada a relação de poder que se
estabelece.
“De Volta para Casa” é um
filme que conta com atores excelentes e bem dirigidos e uma fotografia que ajuda
a detectar a qualidade dos afetos.
Quem gosta de indagar a
natureza humana, precisa ver “De Volta para Casa”, um olhar sofisticado sobre as
nossas sombras.
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