quarta-feira, 31 de outubro de 2012

007- Operação Skyfall

 

“007- Operação Skyfall” – “Skyfall”, Estados Unidos, Reino Unido 2012
Direção: Sam Mendes
O último James Bond é de encher os olhos. Há cenas mirabolantes de embates corpo a corpo no teto de um trem em movimento e dentro de um rio gelado, tiroteios e tocaias em galerias subterrâneas e destruições magníficas pontuando a ação no metrô de Londres, numa casa na Escócia e na própria sede do MI6, organização da inteligência britânica à qual pertence o agente 007.
Aliás o início do filme em Istambul, uma perseguição maluca de moto nos telhados do Grand Bazar, já é uma amostra do que vem a seguir.
Sam Mendes é o premiado diretor de “Beleza Americana” que assina o 23º filme do 007, criação de Ian Fleming que tem 50 anos na tela do cinema, desde 1962, o primeiro James Bond, “O Satânico Doutor No”.
A ação é filmada num ritmo vertiginoso e cenas belíssimas acontecem em Shanghai, Istambul, Londres e Escócia. Fica difícil escolher a mais bonita mas voltam na memória a água-viva azul gigante projetada nos vidros do prédio em Shanghai, a chegada ao cassino com o rio decorado com velas e dragões chineses, o sensual banho a dois, a queda na água do rio, a paisagem escocesa em tons frios e a casa de pedra majestosa no meio do pântano deserto e, claro a abertura do filme que é um capitulo à parte.
Mas, dessa vez, quem está no centro da história é Judi Dench, a M, chefe de 007. Ela vai ter que pensar em seus pecados, diz a tela do seu computador, invadido por hackers que acessam a lista com os nomes de todos os agentes infiltrados em organizações terroristas. O posto de M está por um fio.
E o ponto alto, aquele que rouba todas as cenas em que aparece, é o novo vilão, na pele de Javier Bardem, de cabelo e sobrancelhas tingidos de um tom de louro vulgar, modos afetados e roupas de gigolô. Odeia e ama M, dono de uma personalidade psicopática que clama por vingança.
Aliás é a primeira vez que características psicológicas dos personagens são exploradas. Assim, M é fria como sempre mas oculta mal seu lado materno quando se preocupa por Bond. Ele, interpretado por Daniel Craig, sente dores, erra alvos, não passa nos testes do MI6 e precisa que M esconda esses resultados negativos. Ou seja, estão envelhecendo.
O tema que aparece então nas entrelinhas é o novo contra o velho. O mundo que mudou, a tecnologia que substitue o ser humano. E a pergunta é agentes como 007 são ainda necessários? Esse é o desafio para M e Bond.
O trio que escreveu o roteiro (Neal Purvis,Robert Wade e John Logan) inova inclusive no fator “Bond Girl”. Parece que 007 está menos interessado em mulheres, apesar da agente Eve que reserva uma surpresa para Bond, quando conta a ele seu sobrenome. Quem tem boa memória vai se lembrar de uma certa secretária sexy dos tempos de James Bond.
O final traz para o espectador revelações sobre o passado de James Bond e cria um papel especial para Albert Finney, que faz o velho guarda-caça com seu antigo método de se livrar de inimigos.
Um filme de ação que pode agradar mesmo a quem não aprecia o gênero, porque tem mais, muito mais do que apenas tiros e correrias. 

domingo, 28 de outubro de 2012

Gonzaga - De Pai para Filho





“Gonzaga – De Pai para Filho” Brasil, 2012
Direção: Breno Silveira

Um dedo aperta a tecla de um gravador antigo. O filho entrevista o pai. Há entre ambos uma tensão crescente.
E os personagens dessa história são apresentados numa linha do tempo que vai de 1920 a 1980.
O pai, Luiz Gonzaga (1912-1989), de chapéu de couro e gibão, toca sua sanfona e canta para o povo dançar na praça.
O filho, Gonzaguinha (1945-1991), é rodeado pela imprensa antes de subir ao palco:
“- Por que você não grava uma música do seu pai?”
Seu rosto severo e contraído mostra a carga de emoção que essa pergunta levantou nele, que está na capa de Veja, onde se lê “Explode Coração”.
O filho lembra-se do pai dizendo:
“- Esse menino vai ter estudo. Quero ver anel de doutor no dedo.” E o internato é recordado com revolta.
No camarim, uma visita inesperada. É Elena, sua madrasta:
“- Seu pai precisa muito de você.”
“- Não vai dar”, responde o filho zangado.
Mas seus atos desmentem essa fala. Um carro adentra o sertão. Seu destino é Exu, terra onde nasceu Luiz Gonzaga. É o filho indo em direção ao pai, onde se enraíza sua identidade, que ele precisa buscar.
“- Faz muito tempo que eu não vejo meu pai... A verdade é que ele e eu nunca nos entendemos... Quem era meu pai?”
E o filme de Breno Silveira, que escreveu o roteiro com Patrícia Andrade, responde à pergunta, contando a história de um dos maiores músicos populares brasileiros, conhecido como “O Rei do Baião”, que gravou 200 discos, que venderam 30 milhões de cópias. Foi o compositor da música de “Asa Branca”, hino do Nordeste.
A escolha dos atores foi feliz. Assim, Gonzagão é interpretado por Land Vieira, o garoto que se apaixona pela filha do coronel (Cecilia Dassi), por Chambinho do Acordeon que faz Luiz Gonzaga no auge e Adélio Lima que o vive quando mais velho, distante do homem temperamental que fora no passado.
Júlio Andrade é impressionante como Gonzaguinha e Nanda Costa está linda como a mãe dele. Silvia Buarque, uma atriz delicada é a madrinha Dina que o criou com Xavier, o padrinho (Luciano Quirino), amigo de Gonzagão no Morro de São Carlos, Rio de Janeiro.
A fotografia lírica de Adrian Teijido acrescenta beleza a tudo e as fotos de época e os trechos documentais filmados casam-se bem com o desenrolar da história. As músicas escolhidas realçam o tom de emoção de cada cena.
“Gonzaga – De Pai para Filho” dá saudades de tempos passados, de um Brasil mais ingênuo. E o reencontro de pai e filho, que sempre se amaram pelo avesso, faz chorar.
Quando estiverem saindo do cinema, fiquem um pouco mais e escutem Gilberto Gil, que escreveu a canção tema dessa bela homenagem que Breno Silveira faz a Luiz Gonzaga, na celebração dos 100 anos de seu nascimento. 


segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Ruby Sparks - A Namorada Perfeita


 
 

“Ruby Sparks – A Namorada Perfeita”- “Ruby Sparks”, Estados Unidos, 2012

Direção: Jonathan Dayton e Valerie Faris

Quem já não sonhou com o amor perfeito? Alguém sem defeitos, ideal, que nos amasse para sempre, aconteça o que acontecer?

Pois essa é a brincadeira de “Ruby Sparks”, filme surpreendente e encantador que, apesar de só falar de amor, em nenhum momento cede ao lugar comum ou ao romance açucarado.

Calvin (Paul Dano), um jovem escritor talentoso, está em pleno bloqueio criativo. Não consegue escrever nem uma linha, apesar da pressão do seu agente.

Angustiado, essa é a principal queixa que ele leva para suas sessões de terapia com o dr Rosenthal (Elliot Gould).

Sua única diversão é levar o cão Scott para passear, na esperança de encontrar alguém ou pelo menos alguma inspiração para o seu livro.

Até que uma bela noite, Calvin sonha com uma garota que anda mancando nas nuvens e que pergunta para ele:

“- Viu o meu sapato? Perdi...”

No dia seguinte, na academia, conta o sonho para o seu melhor e único amigo, o irmão Harry (Chris Messina):

“- E você transou?”

“- Nós conversamos. Foi tão legal...” responde Calvin encantado.

E ele, que vive agora para sonhar, tem outro encontro de sonho com a ruiva de olhos azuis. Conversam no parque sobre o nome que ele deu para o cachorro:

“- É uma homenagem a Scott Fitzgerald, um grande escritor que admiro muito.”

“- Não conheço... Estranho... Dar esse nome a um cão não é uma maneira de humilhar esse escritor? Bem, não tenho nada contra matar os ídolos”, diz ela sorrindo e acariciando Scott.

Quando acorda, Calvin corre para a velha máquina de escrever e enche laudas e mais laudas de papel, inventando coisas sobre ela, Ruby Sparks, a quem deu esse nome por causa do cabelo vermelho e porque ela brilha como estrela única no céu dele.

Seu terapeuta comenta que ele está apaixonado pelo personagem que inventou.

“- Você não entende nada sobre mulheres... Como vai escrever uma história de amor?” critica o irmão quando lê as páginas que Calvin mostra para ele.

Até o dia em que ele encontra um soutien vermelho no sofá de Calvin e a cunhada se depara com uma calcinha na gaveta da cozinha. O mais espantado é o próprio Calvin.

Mas, nessa noite, depois de um sonho particularmente romântico com Ruby, ele fica frente a frente com aquela que ele criou e por quem está fascinado.

De carne e osso, Ruby entra na vida de Calvin para ser aquela que ele sonhou encontrar. Entre acreditar na realidade à sua frente ou duvidar que ela exista, Calvin prefere amar Ruby.

Mas, como todo romance, o deles também vai ter percalços, que além de divertir, fazem pensar sobre o que é amar alguém.

O charme extra do filme fica por conta de Zoe Kazan, que interpreta Ruby e escreveu o delicioso roteiro. Neta de Elia Kazan (1909-2003), o famoso diretor de cinema, na vida real ela é a namorada de Paul Dano que faz Calvin. Os dois produziram o filme e convidaram a dupla do cultuado “Miss Sunshine”, que também são namorados, Valeria Faris e Jonathan Dayton, para dirigir. No elenco, Annette Bening e Antonio Banderas contribuem com seu talento.
Simpático, inteligente e original, “Ruby Sparks – A Namorada Perfeita” diverte e encanta, com um toque sofisticado que há muito tempo não se via no cinema americano.

domingo, 21 de outubro de 2012

Moonrise Kingdom




“Moonrise Kingdom”- Idem, Estados Unidos 2012
Direção: Wes Anderson


Para alguns de nós, a infância é um paraíso perdido... Para outros é o contrário. Crianças que queriam crescer logo e parar de obedecer aos adultos ou pior, sofrer nas mãos deles.
Mas ninguém esquece que, na infância, brincávamos de ser gente grande.
Quando “Moonrise Kingdom” começa, já dá para perceber que tudo vai ser muito diferente do habitual.
Por exemplo, a casa da família Bishop, parece ser uma casa de bonecas, sem a quarta parede. Entramos nela e tudo faz lembrar aqueles móveis minúsculos com que as meninas decoravam suas casinhas de brinquedo. E ela é vermelha, bem berrante.
Aliás, todas as cores do filme são intensas, uma alusão, quem sabe, às emoções infantis que são como que vulcões pré-históricos.
Tudo lembra os nossos 12 anos. Assim, os mapas da ilha de New Penzance, onde se passa a história, lembram os de Tom Sawyer, os de Peter Pan e as aventuras de piratas e tesouros escondidos.
“Moonrise Kingdom” é um filme para adultos que vê o mundo com esses olhos infantis, que ainda vivem dentro de nós e que reaparecem às vezes, para nos mostrar outras perspectivas.
O diretor Wes Anderson faz uso desse olhar infantil que recria o mundo à sua semelhança e nos reconforta. Em suas próprias palavras, numa entrevista a Luiz Carlos Merten:
“A coisa mais interessante de “Moonrise Kingdom”, para mim, é que os jovens, mesmo sem sabedoria, têm uma visão mais clara dos seus desejos e da forma de concretizá-los. Adultos tendem a ser complicados.”
E os adultos complicados do filme são interpretados por atores consagrados como Bill Murray (o pai), Frances McDormand (a mãe), Tilda Swinton (a assistente social), Bruce Willis (o policial), Edward Norton (o chefe dos escoteiros).
À medida que o filme transcorre, nossas lembranças afetivas da infância, afloram. E embarcamos nelas.
O amor pré-adolescente de Suzy Bishop (Kara Hayward), que tem 12 anos e se considera incompreendida pela família da casa vermelha e de Sam (Jared Gilman), o escoteiro órfão, alma gêmea de Suzy, toca o nosso coração em um lugar onde moram as injustiças que sofremos durante a vida.
E torcemos por eles, para que inaugurem um novo reino sob o signo do amor e da compreensão mútua: o Reino do Nascer da Lua.
A trilha sonora usa lindamente temas de Benjamin Britten e outros.
E não saiam correndo porque vão perder o roteiro que Britten escreveu para se entender como funciona uma orquestra, que acompanha os créditos finais. Uma alusão direta ao trabalho de cada um no mundo.
Se tocarmos todos juntos e se entrarmos na hora certa com o nosso pedaço da melodia, a beleza vai acontecer.
Estranho e familiar, assim é o novo filme de Wes Anderson, que gosta de surpreender.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

E Se Vivêssemos Todos Juntos?



“E Se Vivêssemos Todos Juntos?” – “Et Si on Vivait Tous Ensemble?”, França/Alemanha 2011
Direção: Stéphane Robelin


É difícil envelhecer... Vemos isso nas primeiras cenas do filme que vai mostrar a vida de cinco pessoas com mais de setenta anos, amigos há quarenta.
Num belo dia de sol, Annie (Geraldine Chaplin) e Jean (Guy Bedos) estão no jardim de sua casa nos arredores de Paris. Ela faz um álbum de fotos com olhar nostálgico. Ele escuta o rádio que fala da crise financeira na Europa.
Por sua vez, Albert (Pierre Richard), que mostra sinais de demência senil, pergunta à sua mulher Jeannie (Jane Fonda, em ótima forma):
-“Será que eu levei o cachorro para passear? Bem, devo ter levado, porque senão ele estaria reclamando.”
Enquanto isso, Jeannie rasga e joga no lixo exames médicos. Tem o rosto crispado.
Em outro lugar,um senhor de cabelos brancos e cheio de vitalidade, Claude (Claude Rich), revela com cuidado fotos de uma mulher com belos seios. Ele os admira, embevecido.
E lá está Jeannie conversando com um agente funerário, diante de caixões fúnebres empilhados:
“- Procuro algo mais claro... Não tem cores menos clássicas? Será que por encomenda dá para ter cores mais diferentes?”
“- É para quando minha senhora?”, pergunta o circunspecto senhor.
“- Não posso dizer exatamente...” responde Jeannie.
Outro dia, em seu aniversário de 75 anos, Claude confidencia aos amigos que o filho se mete demais em sua vida:
“- Isso não pode, aquilo também não, o Vovô fez isso e morreu...Ulalá...”exclama aborrecido.
“- Se vivêssemos todos juntos, não teríamos esse tipo de problemas,” retruca Jean, entre o parabéns e a champanhe.
E quando Claude sofre um ataque cardíaco, subindo a escada atrás de uma sedutora silhueta feminina, seu filho decide colocá-lo definitivamente num asilo.
É o estopim para o grupo de amigos resgatá-lo e fugir com ele em uma cadeira de rodas.
Todos se abrigam na bela casa de Annie e Jean, que ela herdou dos pais. Inclusive o cachorro de Albert.
E aí começa uma convivência nem sempre afinada mas com muitos momentos de amizade verdadeira e solidariedade. E muito humor.
O jovem Daniel Bruhl que era o passeador do cachorro, passa a cuidador e vai também viver na casa. Suas cenas com Jane Fonda são a oportunidade para ela mostrar inteligência e espontaneidade.
Dias de passeios a pé, noites com um bom vinho e o jantar entre risadas, somam-se a momentos de lembranças compartilhadas e até segredos incômodos revelados.
Há uma urgência em viver o presente e estar entre os amigos, que se apoiam mutuamente. Todos caminham para o mesmo fim e sabem disso. O que não impede de viver com gosto os dias que restam.
O diretor e roteirista Stéphane Robelin capta expressões e olhares, como se fosse um cúmplice de seus atores, todos excelentes, desempenhando seus papéis com desenvoltura e graça. Acabam nos envolvendo com seus problemas e dificuldades, sem tragédia.
É difícil envelhecer? Sim, confirma “E Se Vivêssemos Todos Juntos?” e acrescenta que esse é o preço a pagar para quem gosta de viver. 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Selvagens



“Selvagens”- “Savages”, Estados Unidos, 2012
Direção: Oliver Stone

O. é bela e loura como a Ophelia de Shakespeare, a quem deve o nome e a atração por tragédias. Ela vai viver algumas em “Selvagens”, umas reais, outras sonhadas.
Ela (Blake Lively), tem dois namorados, amicíssimos desde pequenos, Chon (Taylor Kitsch) e Ben (Aaron Johnson) e divide com eles uma vida de sexo, drogas e muito sol nas belas praias da Califórnia.
O. é a narradora do filme “Selvagens”, dirigido pelo mestre Oliver Stone, que sai dos temas políticos e visita o cinema de aventura e romances nada burgueses.
“- Só porque estou contando uma história, isso não quer dizer que estarei viva até o final. Essa é uma aventura arriscada porque as coisas saem fora do controle. Tudo começou em Legend Beach,” conta O. em “off ”.
Uma casa nos rochedos acima dos verdes e azuis do mar, quebrando numa praia idílica. Um pelicano sobrevoa a paisagem e uma loura está fumando maconha naquele terraço.
“- Chon, quer? “ oferece ela a um rapaz queimado de sol.
No laptop, a tela ensanguentada mostra cabeças cortadas.
“- É o Iraque?” pergunta O.
“- Não. México”, responde Chon.
Pessoas assustadoras usando máscaras de caveira e um aviso na tela:
“Não sejam burros como eles.”
Em “off” ouve-se O. dizendo:
“- Chon e Ben plantam a melhor maconha do mundo.”
Ora, é exatamente por causa desse negócio deles, “uma lenda urbana”, como diz O., que as coisas vão mesmo sair do controle.
O cartel Baja, chefiado por La Reina Elena (Salma Hayeck), que comanda mexicanos de maus bofes, vai se meter com os rapazes, que não aceitam associar-se a eles. Benicio del Toro, fazendo um sujeito sem escrúpulos, grosseiro e mau, o vilão Lado, vai dar trabalho.
Mas O. adianta para nós:
“- Ben tem uma filosofia 100% budista. Mas Chon é “maudista”! Não brinquem com ele!”
E acrescenta:
“- Chon é metal frio e Ben é madeira quente. Ben é o espirito, Chon é a terra. A única coisa que eles tem em comum, sou eu.”
Com a ajuda de Dennis (John Travolta), agente policial que sempre encobriu seus negócios ilegais, os rapazes de O. vão ter que sair de sua vida mansa para salvar os lucros, a pele e o que eles mais amam, a loura Ophelia.
“Selvagens” prende a atenção com uma história de ação bem contada, violência e cores lisérgicas.
Sam Winslow, autor do livro, vendeu os direitos para Oliver Stone e colaborou no roteiro.
O “Selvagens” do título do filme é um convite a pensar. Como o conceito é relativo, os mexicanos acham “selvagem” o “ménage à trois” dos americanos , ao passo que eles olham com horror o método mexicano de resolver conflitos.
Embalado por uma bela trilha sonora que tem a delicada voz de Yuma cantando “Here Comes the Sun” dos Beatles, vá ver o filme, que pode agradar a todos, selvagens que somos todos nós por natureza, cada qual à sua maneira. 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Rota Irlandesa



“Rota Irlandesa”- “Irish Route”, Reino Unido, França, Bélgica, Itália, Espanha, 2010
Direção: Ken Loach

Um homem jovem, que parece muito perturbado, está numa balsa que cruza um mar cinzento. O grito das gaivotas se mistura, em sua cabeça, com as últimas palavras de seu amigo, ouvidas em mensagens deixadas em seu celular. Mensagens de socorro que ele não ouviu a tempo...
Lembra-se deles dois, nessa mesma balsa, anos atrás, felizes, sonhando em conhecer o mundo, viajar para lugares distantes da Liverpool, onde nasceram e cresceram juntos. Como irmãos.
Nunca mais.
Fergus (Mark Womack, ator emocionante) pensa em Frankie (John Bishop), que ele convenceu a ir para o Iraque, para trabalharem juntos como mercenários, em uma empresa de segurança. Ele voltou mas seu amigo...
Ao entrar na igreja onde será feito o serviço fúnebre, é atacado por uma moça loura (Andrea Lowe), que grita:
“- Eu odeio você! Você matou Frankie!”
Seu belo rosto desesperado está tão pálido como o do amigo Fergus. Rachel era a namorada de seu querido Frankie, que ele nunca mais verá.
“- Eu preciso vê-lo”, implora Fergus.
“- Mas o caixão está lacrado. Seu amigo foi muito ferido, muito machucado... Sinto muito...”, diz o responsável.
Quando as luzes se apagam na igreja, Fergus abre o caixão com um pé de cabra e procura a mão do amigo.
“- Frankie, o que fizeram com você?”
O que Fergus vai fazer? Vingar-se. Ele vai atrás, para descobrir o que aconteceu com seu amigo no Iraque, na chamada Rota Irlandesa, a estrada mais perigosa de Bagdá.
Mas nada vai adiantar porque o luto de Fergus é um luto impossível. A culpa o persegue desde que voltou da maldita guerra. O pesadelo recorrente, que mostra a menina quase morta apontando um dedo acusador para ele, não o deixa dormir.
Ele mora em um apartamento que parece um acampamento. Uma cama de campanha, um computador sobre uma mesa. Na verdade, ele não voltou do Iraque. Sua alma ficou lá.
“- Eu só queria ter de volta quem eu era...” soluça ele para si mesmo.
Ken Loach, o premiado diretor de “Ventos da Liberdade”, faz em “Rota Irlandesa” um filme sobre a impossibilidade de alguém voltar ileso de uma guerra.
Com cenas reais de morticínios no Iraque, Loach e o roteirista Paul Laverty, alertam para o horror da guerra que é mostrada ao vivo.
O desespero de todos e a culpa, que não deixa viver, são o mais forte libelo contra a insanidade e a barbárie.
Quando é que vamos acabar com essa loucura? É a pergunta do filme “Rota Irlandesa” que os homens ainda não escutaram.


domingo, 7 de outubro de 2012

De Volta para Casa



“De Volta para Casa”- “A Moi Seule”, França 2012
Direção: Frédéric Videau


A primeira sensação de estranheza é o letreiro na tela negra, com um texto que enfatiza que vamos assistir a um filme que é “fruto da imaginação de seu autor”. Somos alertados: “Não procure interpretar”.
Mas o que vem por aí? Pensam aqueles que não leram nada sobre o filme.
Um homem bravo ataca um colega com um soco, na marcenaria onde ambos trabalham.
Logo, o vemos dirigindo seu carro e entrando numa casa. Levanta um alçapão. De dentro sai uma mocinha.
Trocam algumas frases que não ouvimos e a vemos correr para a porta da casa, abrí-la e ganhar o caminho para o portão, que dá para a estradinha.
Ela para e volta-se para a câmara. Um último olhar e sai correndo pela estrada, ladeada de campos não cultivados e algumas árvores.
As cores são frias, de outono.
A mocinha chega numa parada de ônibus, senta-se e olha um velho cartaz na parede. Uma menina de uns oito anos está na foto, com as palavras “Ajudem a encontrar Gaelle”.
“De Volta para Casa” é a história de um sequestro que dura um pouco menos de dez anos.
Gaelle Faroult é interpretada com entrega total por Agathe Bonitzer quando o filme começa e ela é libertada por seu sequestrador Vincent (Reda Kateb). Quando criança é vivida por uma atriz que promete, a pequena Margot Couture.
Na sequência do filme, que vai e vem entre o relacionamento de Gaelle e Vincent e a tentativa dela de se ambientar com o mundo de fora, vemos a cena de uma menina, gritando e se debatendo, quando o homem a segura, assim que abre o alçapão:
“- Nunca vou tocar em você. Não vou te fazer mal.”
A menina cospe na cara dele.
“- Se você fizer isso de novo, vai ficar dois dias presa. Vai tomar banho?”
“- Vai me matar?”
“- Não.”
“- Posso voltar para casa?”
“- Não. Me chamo Vincent.”
Ele espera do lado de fora do banheiro. Quando a menina sai, ele pergunta:
“- Gosta de bife com batata frita?”
“De Volta para Casa” tem seu diretor como roteirista e conta a história de uma menina de oito anos que vive quase dez anos com seu sequestrador. Ele é tudo para ela. Aquele que alimenta, que cuida de sua saúde, que a ajuda a fazer os deveres de casa como se estivesse na escola, que lhe compra livros e roupas. Ele é mais que uma mãe, é também um pai, amigo, professor, namorado. O mundo todo para ela, que passa parte da infância e quase toda sua adolescência a sós com ele.
A relação de amor e ódio que Gaelle desenvolve com Vincent é compreensível.
Aqui, a ”Síndrome de Estocolmo” ganha um colorido especial porque é quase que a única história que Gaelle viveu.
Essa síndrome ataca quase todas as vítimas de sequestros, que desenvolvem relações afetivas com seus carcereiros porque dependem tão absolutamente deles, que a vida que lhes é poupada, o alimento dado, o sono concedido, são lidos por afetos arcaicos como sendo uma réplica da relação com a mãe e seu bebê indefeso. Se ela não quiser que ele viva, o bebê morre.
Daí os laços fortes e, aparentemente inexplicáveis, em quase todos os casos de sequestro conhecidos e que duram depois da libertação dos sequestrados.
Já a personalidade do sequestrador Vincent e o por que do sequestro de Gaelle ficam na penumbra. Parece que ele, que não tem nenhuma vida social, precisa ser tudo para alguém. Necessita dela e assim, fica borrada a relação de poder que se estabelece.
“De Volta para Casa” é um filme que conta com atores excelentes e bem dirigidos e uma fotografia que ajuda a detectar a qualidade dos afetos.
Quem gosta de indagar a natureza humana, precisa ver “De Volta para Casa”, um olhar sofisticado sobre as nossas sombras.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Polissia


"Polissia"- “Polisse”,França 2012
Direção: Maiwenn


“Polissia” é um filme que machuca. Escrito como se fosse por uma criança, o titulo do filme e o cartaz chamam a atenção.
O assunto é difícil. Pessoas mais sensíveis podem ficar chocadas. Não que haja cenas explícitas mas porque é duro conviver com esse assunto.
Sabemos que a violência contra crianças e adolescentes acontece, na maioria dos casos, dentro de casa, envolvendo pais, irmãos, tios, padrastos, avós. Gente que é do mesmo sangue das vítimas.
E não escolhe classe social. A violência com as crianças tanto ocorre na favela como nos palácios.
O filme conta a dura história das pessoas que trabalham na Brigada de Proteção ao Menor em Paris. São policiais, homens e mulheres, que tem que lidar com estupros, pedofilia, maus tratos e exploração de menores, quando não com drogas e sequestros.
“Polissia” conta a história de vários personagens, envolvidos em episódios baseados em fatos reais, abordados com coragem e mostrando como ficam abalados os policiais que estão ali para proteger as crianças. Para complicar, gente como a gente, eles tem seus próprios problemas e conflitos. É uma mistura que pode ser explosiva.
A diretora Maiween também atua, fazendo uma fotógrafa, incumbida de retratar o dia a dia da Brigada, que muitas vezes é vista como intrusa e delatora da violência sutil que ocorre entre os policiais e os acusados de envolvimento com os crimes contra as crianças.
O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2011 e oito César em 2012, o Oscar francês, incluindo melhor filme, diretor e roteiro original (escrito pela própria diretora e Emmanuelle Bercot), além de premiar três atrizes que fazem policiais da Brigada.
“Polissia” não mostra a conclusão dos casos que conta e, assim fazendo, toca numa ferida que a nossa sociedade atual ainda não foi capaz de resolver. Já sabemos, desde o século passado, o que foi dito por Freud, o pai da psicanálise, que tanto estudou a natureza humana e descobriu a sexualidade infantil. Ou seja, crianças inocentes fantasiam e acreditam piamente nas histórias que contam e que nem sempre são verdadeiras.
Isso acrescenta uma responsabilidade a mais e um osso duro de roer para quem tenta encontrar vítimas e culpados nesse tipo de ocorrência, como é o caso da Brigada de Proteção ao Menor de Paris.
“Polissia” é um filme necessário, que faz com que pensemos sobre a fragilidade das crianças e adolescentes com que convivemos. Mas principalmente, naquilo que é difícil de encarar: a violência que dorme um sono leve nas almas das criaturas humanas e que não respeita nada quando acordada, se não houver quem a faça recuar.