“O Farol” – “The Lighthouse”, Estados Unidos, Canadá 2019
Direção: Robert Eggers
Há muitas maneiras de viver no mundo. A mais trágica delas é
quando há uma impossibilidade de ver e aceitar a realidade que, por pior que
seja, é o que temos e onde podemos mudar alguma coisa, por mínima que seja.
Nessas situações em que a realidade é negada e cria-se um
outro mundo para se viver, o resultado é sempre um pesadelo. Porque mesmo
quando a realidade ameaça e é substituída pela mente doente, não há como
negá-la inteiramente. Ela vai se infiltrando e traz o medo com ela porque
nesses casos a realidade é sentida como ameaçadora. Há algo que a pessoa não
aceita de jeito nenhum mas não consegue se livrar de sua aparição. Quanto mais
ela foge, mais tem que correr dessa realidade que a persegue.
“O Farol” espelha uma situação assim e pode ser visto como
um filme de terror.
Numa leitura mais superficial, dois homens, um velho e um
jovem estão num farol no meio do mar, longe do mundo. Precisam trabalhar
arduamente para sua sobrevivência. É a cisterna suja, são os detritos que
mancham a pedra do farol. Mesmo dentro da casa há vestígios de sujeira por mais
que o jovem esfregue o chão. O velho obriga o jovem a uma insana tarefa de
limpeza impossível, já que o próprio velho tem hábitos sujos.
Tudo isso é mostrado numa tela quase quadrada, em preto e
branco e com uma trilha sonora que empresta vida ao farol e à natureza em
torno. Ouvem-se sons cavos, lamentos, o uivar do vento, o grito raivoso das
gaivotas, o estrépito das ondas, o rugir da tempestade. Para não falar da
buzina do farol e do incessante estrépito das máquinas.
O farol mostra-se inabalável em toda sua altura e trabalha
para si mesmo porque não se vê navio naquele mar. Uma escada em caracol leva ao
alto, à luz. Mas só o velho tem acesso a ela. O jovem sente-se atraído pelo
lugar que lhe é negado. Isso aumenta sua dor de humilhação constante.
E o que vemos, desde o início é a aparente tranquilidade do
jovem ir desaparecendo. A sereiazinha de cerâmica que ele encontra em seu
colchão, guardada no peito, é uma primeira alusão à mente que começa a alucinar.
Ou é tudo um grande delírio desde o começo? A construção de uma mente
atormentada que nem naquele fim de mundo consegue ter paz?
O que vemos é uma loucura crescente. Um ator que mostra todo
o seu talento nisso (Robert Pattinson) e o outro que parece ter prazer em
atormentar o novato (o ótimo Williem Dafoe), fazendo de sua vida um inferno.
Veio com o jovem ou não passa de uma projeção de seu torturador interno?
Não vou contar mais porque o espectador tem direito a ver
tudo, principalmente o final, que tem mais de sofrimento indizível que de
terror.
“O Farol” é uma imersão numa vivência extraordinária do que
pode a mente humana quando perde o prumo, levada pela culpa, resultado da falsa
interpretação dos acontecimentos.
Muito bem dirigido por Robert Eggers (“A Bruxa”) e
magnificamente interpretado, eu o vi como uma encenação da loucura. A presença
do terror dentro da mente de uma pessoa é bem mais assustadora do que os
monstros habituais.
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