“O Fantasma da Sicília”-
“Sicilia Ghost Story”, Itália, França, Suiça, 2017
Direção: Fabio Grassadonia e
Antonio Piazza
Escuridão e o barulho de água
pingando nas pedras de uma gruta. Mal adivinhamos o que vemos.
De repente, uma luz ilumina a
água e vemos uma fonte jorrar à beira de uma estrada, onde estão adolescentes.
O que bebe daquela água embrenha-se sozinho na floresta, sem notar que uma
coleguinha o segue. Há uma névoa que traz mistério àquele lugar.
A menina vê o colega
encantar-se com uma borboleta que pousa em sua mão e não percebe o furão
curioso que cheira seus pés. Caminhando, logo chegam numa árvore centenária.
“- Giuseppe!”, grita
assustada a menina que não viu o garoto aproximar-se por trás dela. “- Eu não
estava te seguindo”, mente ela, envergonhada por ter sido descoberta.
Segue o caminho correndo mas
um mastim negro, que comia um coelho, rosna e parece que vai atacar. Giuseppe
aparece e grita com o cão e os dois fogem pela floresta.
Será que imaginamos coisas ou
existem seres que espiam aqueles dois escondidos pela folhagem?
“O Fantasma da Sicília” é uma
recriação fantasiosa de um caso triste da vida real. O menino é Giuseppe di
Mateo (Gaetano Fernandes), sequestrado pela Máfia em 1993 e mantido em
cativeiro por mais de dois anos, na esperança de que o pai dele, mafioso que se
tornara informante da polícia, desistisse das delações.
Luna (Julia Jedlikowska, excelente),
a colega de Giuseppe, é uma personagem fictícia no filme inspirado no conto “Un
Cavalieri Bianco”, do livro de Marco Mancassola, “Non Seremo Confusi per
Sempre”. Há uma denúncia sobre a atuação da Máfia na Sicília, onde mesmo quem
não pertence a essa organização criminosa, fecha os olhos perante seus delitos.
A única que se desespera e
procura incansavelmente por Giuseppe é Luna, apaixonada por ele.
A fotografia de Luca Bigazzi
(“A Grande Beleza”) ajuda a criar um clima misterioso de um universo paralelo,
já que a linguagem mitológica traduz melhor a relação do par de adolescentes,
Romeu e Julieta nos domínios de Hades, o deus do mundo inferior e dos
mortos. Também Luna, a Lua e suas relações com a água e a coruja que
habita o porão da casa de Luna, que tem a ver com a deusa Atena, símbolo da
sabedoria, mas que também era vista como um arauto da morte nas culturas
antigas. Todas essas referências criam o lado mágico e mítico dessa história de
amor.
A imagem das ruinas do belo
templo grego à beira mar, mostrado em tomadas aéreas, lembra sempre que estamos
na terra dos antigos gregos que lá erigiram monumentos aos seus deuses nos
séculos V e VI AC, no Vale dos Templos, próximo a Agrigento.
E o filme foi rodado em
Troina, perto do Lago Pergusa, onde Hades sequestrou a bela Perséfone, filha de
Deméter, deusa da terra, que não cansou de tentar resgatar a filha do reino dos
mortos.
Luna, qual Deméter, quer
resgatar Giuseppe para a vida e sonha com ele do mesmo modo que, no cativeiro,
lendo a carta de amor de Luna, Giuseppe sonha com ela.
Nino (Andrea Falcone), amigo
de Luna, faz lembrar que a Sicília, que foi um dia o lugar dos deuses, deveria
ser deixada novamente para a Natureza. Os homens estariam desgostando os
deuses, que responderiam se vingando.
Mas, na praia siciliana, no
final do filme, Luna parece ter reencontrado seu lado solar e amoroso que a
traz de novo para a vida. Há uma mensagem de esperança de convivência possível
dos fantasmas dos mortos queridos com os vivos.
“O Fantasma da Sicília” é um
filme que surpreende e fascina, envolvendo o espectador em seus mistérios.
Nenhum comentário:
Postar um comentário