segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Manifesto



“Manifesto”- Idem, Alemanha, 2017
Direção: Julian Rosefeld

Não tenham medo das palavras. Elas não são o mais importante desse filme que tem Cate Blanchett como estrela única, brilhando em sua versatilidade, fazendo 13 personagens, cada um ligado a um “Manifesto”.
E o que é um Manifesto? Em “off” a voz da atriz explica que é ter ideias para arrasar com outras ideias, para provar que alguém é o dono da verdade, seja um indivíduo, um grupo ou um partido político.
“Tudo que é sólido desmancha no ar”, diz Cate e ela questiona: será que alguém conseguiu colocar ordem na natureza humana caótica e contraditória?
Certamente não e por isso vão desfilar na tela várias Cates, com roupas, sexo e sotaques diferentes, lendo ou apresentando os 13 Manifestos, que se consideram sempre a palavra final.
Começa com o “Manifesto Comunista” de Marx e Engels. E, em seguida os Manifestos sobre a arte. E a atriz vai defender cada um deles com um personagem ligado ao movimento que gerou o Manifesto: Situacionismo, Futurismo, Arquitetura, Suprematismo/ Construtivismo, Dadaísmo, Pop Art, Estridentismo/Creacionismo, Vorticismo/ Expressionismo Abstrato,Fluxus/Merz/Performance, Surrealismo/Espacialismo, Arte Conceitual/Minimalismo, Cinema/Dogma 95.
A verborragia faz com que seu ouvido atrapalhe a visão? Está ficando zonzo de tantas palavras que ela diz? Faça o contrário. Privilegie o olhar. E se encante com a porção camaleônica de Cate Blanchett, que consegue ser tantas.
Desde um mendigo, morador de rua, passando por uma mulher sofisticada fazendo um discurso no cemitério, uma corretora da Bolsa, uma mãe de família conservadora, uma operária numa usina de incineração de lixo, uma cientista, uma coreógrafa russa, uma mulher elegante recebendo colecionadores de arte numa bela casa, uma punk tatuada, uma artista que faz marionetes, uma professora de arte ensinando o Dogma 95 para crianças, uma âncora e uma repórter de um jornal de TV.
Portanto, não vá ver “Manifesto” por causa dos Manifestos. Tudo bem, talvez você aprenda alguma coisa. Mas, principalmente, não perca Cate Blanchett dando um show de interpretação e mostrando que ela é única. Vale a pena!



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Nossas Noites



“Nossas Noites”- “Our Souls at Night”, Estados Unidos, 2017
Direção: Ritesh Batra

Apesar de continuar achando que o melhor lugar para ver um bom filme é o cinema, tenho que admitir que os tempos mudaram e que as pessoas tem mais dificuldade de locomoção numa grande cidade. Ou mesmo que haja lugares no Brasil onde só passam “blockbusters”, de ação e violentos, mais para um público jovem.
E um bom filme é sempre uma alternativa para a mesmice dos programas de televisão.
Quando postei uma dica de filme da Netflix, “Nossas Noites”, na minha página do Face, surpreendeu-me o número de pessoas atingidas e os muitos comentários. E neles, vários pediam que eu continuasse a indicar os bons filmes da Netflix.
Curvo-me a esses pedidos e começo justamente com a resenha do filme que agradou a tantos. Vai para o meu blog.
Jane Fonda, 79 e Robert Redford, 81, causaram alvoroço no Festival de Veneza desse ano quando o filme foi lançado fora de competição. Não é de se admirar porque ambos são estrelas de primeiríssima grandeza, com vários Oscars cada um deles e fizeram sucesso como dupla em “Caçada Humana” de 1966, “Descalços no Parque” de 1967 e “O Cavaleiro Elétrico” de 1979 mas já não apareciam juntos há quase 40 anos.
E acertaram em cheio. A dupla foi elogiadíssima. Talvez porque há uma demanda especial, hoje em dia, para filmes charmosos com atores de mais idade. Tenho visto alguns no cinema, sempre com sucesso de público.
Pessoas mais velhas gostam de se ver retratadas não como velhinhos que as pessoas tratam como se fossem crianças, um hábito detestável, mas como alguém que pode ainda viver uma vida interessante.
Aliás o forte em “Nossas Noites” não é o romance. O ponto principal é a solidão e o quanto tudo muda quando se encontra alguém para conversar. E quando esse alguém é atraente como são Jane Fonda e Robert Redford, a coisa fica perfeita.
Vizinhos há muito tempo, numa cidade pequena, é só quando Addie e Louis chegam nos 80, ambos viúvos, é que a história acontece. Com toda a experiência de uma vida e um temperamento mais extrovertido, Addie sabe que o tempo voa. Então vai direto ao ponto. Convida Louis para dormir na casa dela, explicando que a noite é para ela a pior parte do dia. Quer conversar, trocar ideias, travesseiro com travesseiro.
Ele, mais tímido, parece meio escandalizado e é delicioso o momento em que atravessa a rua com um saco de papel que esconde um pijama e entra pela porta dos fundos da casa dela.
Tem gente que achou o filme fraco. Outros não gostaram do final. Mas a maioria gostou de tudo. Porque não podemos esquecer que o filme se dirige justamente a uma classe de pessoas que são mais conservadoras, que gosta de ver na tela pessoas como eles mesmos, que valorizam a boa companhia mas que também se preocupam com os filhos e netos, principalmente as mulheres, que sentem prazer em cuidar da família.
O livro que foi adaptado foi escrito por Kent Haruf e o filme é dirigido pelo indiano Ritesh Batra (“Lunchbox”2013), que fez um bom trabalho, delicado e leve.
Penso que “Nossas Vidas” será lembrado como o maior sucesso da dupla Jane Fonda e Robert Redford. Aliás, produzido por esse último, homem belo e inteligente.



segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Bom Comportamento


“Bom Comportamento”- “Good Time”, Estados Unidos, 2017
Direção: Joshua e Benny Safdie

Esquece a Nova York dos turistas. Esquece também aquelas pessoas correndo para o trabalho. Esquece até dos latinos ilegais. Porque nesse filme estamos numa parte da cidade, o Queens, que pouca gente que conhecemos visitou.
Foi lá que nasceram os irmãos Safdie, numa família judia. Foi o pai deles, que trabalhou naquela rua dos diamantários e levou a família para Manhattan, que os incentivou a fazer cinema. Estudaram na Boston University.
Muito diferente é a história dos irmãos Connie e Nick Nikas que vão viver uma aventura infernal no Queens, um labirinto sem saída, em “Bom Comportamento”, que caiu no agrado da crítica internacional quando participou da competição para a Palma de Ouro no Festival de Cannes desse ano.
Tudo começa num hospital psiquiátrico onde Nick é testado por um psicólogo, mostrando uma desconexão importante com a realidade, total falta de compreensão de situações simples e um universo afetivo de tonalidade paranoica.
Connie tira o irmão do consultório, mas não porque quer ajudá-lo. É porque precisa dele, grande e forte, para levar avante uma ideia louca de roubar um banco.
Começa então a cascata de erros que vai desnortear tanto Connie (Robert Pattinson, excelente no papel) quanto o espectador, perdido em espaços claustrofóbicos, iluminados com luzes surreais, onde a confusão mental de Connie é igual ou até maior que a do irmão, que é preso logo depois do assalto ao banco e é surrado na cela da prisão.
Desesperado de culpa para obter o dinheiro da fiança do irmão, Connie vai se afundando cada vez mais num pântano de areias movediças.
Personagem autodestrutivo, impulsivo, assustado, Connie tenta acertar mas como não entende os códigos de sobrevivência vigentes, erra cada vez mais.
A plateia entra em contato íntimo com uma mente confusa, espelhada nos olhos vidrados de Connie/Pattinson, drogado e sem dormir.
A música composta para o filme pelo DJ Oneohtrix Point Never é incessante, estridente e totalmente adequada a essa viagem alucinante e frenética.
E eu e muita gente que vê esse filme se pergunta se não seria vital que revessemos nosso modo de educar essas crianças de maneira que fosse atraente tornar-se produtivo para a comunidade onde vivem. Afinal ninguém quer ser bandido desde o dia em que nasce. Mas com famílias disfuncionais ou inexistentes quantos jovens tem esse mesmo destino trágico dos irmãos Nikas?
Os irmãos Safdie, que fizeram esse filme perfeito e criativo, parecem perguntar para nós justamente isso: o que foi que aconteceu com essas pessoas jovens e já sem futuro?


domingo, 15 de outubro de 2017

Na Praia à Noite Sozinha



“Na Praia à Noite Sozinha”- “On the Beach at Night Alone”, Coréia do Sul, 2017
Direção: Hong Sang-soo

Talvez seja interessante que o espectador saiba, antes de ir ao cinema, de alguns detalhes que fazem desse filme uma obra extremamente pessoal. Porque tem tudo a ver com a vida do famoso diretor sul-coreano que tem participado de todos os festivais importantes.
O último filme dele que vimos por aqui foi “Certo Agora, Errado Antes” de 2015 (minha resenha foi publicada em 25 de maio de 2016). O filme ganhou o Leopardo de Ouro em Locarno, e deu o prêmio de melhor ator para Jung JaeYoung, que faz um diretor de cinema.
Em entrevistas nessa época, o diretor de 56 anos contou como gosta de trabalhar. Ele se inspira com pouca coisa no início da filmagem e vai construindo a história a cada dia que passa.
Bem, não deve ter sido assim em “Na Praia à Noite Sozinha”. Porque o que contaram os tabloides coreanos é que a jovem e famosa atriz Kim Min-hee (que fez a garota artista por quem o diretor casado se apaixona em “Certo Agora, Errado Antes”e estrela de “Handmaiden - A Criada” de outro famoso diretor sul-coreano Park Chan- Wook) seria o pivô de uma separação. O diretor e sua atriz teriam se apaixonado e a mulher dele negara o divórcio, esperando ele voltar para a casa.
O certo é que o par viajou pelos Estados Unidos fugindo dos “paparazzi” e só depois de algum tempo houve uma separação amigável dando fim ao caso.
Ora, quem for ver “Na Praia à Noite Sozinha”, exibido em Berlim e que deu o Urso de Prata de melhor atriz para Kim Min-hee, 35 anos, vai ver o que o diretor Hong San-soo fez com essa história de um amor que ele viveu com sua atriz.
Ela faz o papel dela mesmo, corajosamente, com outro nome, Young-hee e a vemos em Hamburgo para onde viajou para tentar esquecer um caso que estava vivendo com um homem casado.
A vemos conversando com sua amiga Jee-Young (Seo Younghwa, que também foi do elenco de “Certo Agora, Errado Antes”), que sabe de tudo mas é discreta. Notamos preocupação nela, que é mais velha e percebe o desespero da jovem. Elas passeiam por uma Hamburgo de ruas cinzentas, parques vazios e uma praia no inverno.
Uma grave depressão ronda a atriz famosa. Ao ver uma ponte que deve atravessar, ela para e ajoelha-se curvando até o chão, como se rezasse. E na praia prateada e gelada, vemos um homem levando embora a jovem inerte nas costas. Sem mais explicações.
O filme é dividido em duas partes, com elencos de apoio diferentes. Ela volta para seu país e a história vai ficando cada vez mais tensa. Num jantar com a equipe técnica de um filme que está sendo rodado ali, perto de Seul, numa outra praia de ondas verdes, há a esperada explosão.
A imagem da bela e angustiada atriz deitada na praia, adormecida, talvez mostre uma saída para sua depressão.
Ao vivenciar intimamente sua dor ela desperta. Agora, ao invés de ser levada como morta nas costas de um homem, como na primeira parte do filme, mais madura, ela não responde ao apelo mortal do homem cinzento no terraço do hotel e caminha com seus próprios pés.
Libertou-se daquilo que ela mesma chama de auto-destrutividade? Parece.
Um filme que começa na superfície e vai aprofundando para que o diretor possa nos mostrar o íntimo de sua personagem, que foi um dia sua bem amada.




quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Rock 'n Roll - Por trás da Fama


“Rock ‘n Roll – Por trás da Fama” - “Rock ‘n Roll”, França 2017
Direção: Guillaume Canet

Marion Cotillard é bem mais conhecida do que seu companheiro, o ator e diretor Guillaume Canet. Ela já ganhou o Oscar por “Piaf”e muitos Césars, o Oscar francês.
Pois bem, os dois resolveram fazer rir, atuando como um casal, com os nomes da vida real mas como personagens fictícios, ridicularizando temas ligados à vida de casal , como a mulher ser mais famosa do que o marido e o culto atual à juventude.
No filme, Canet tem 40 e poucos anos e acha que aparenta bem menos e assim começam o sofrimento e as trapalhadas. Ele contracena, em um filme dentro do filme, com uma garota (Camille Rowe) bem mais jovem, mas não se conforma em fazer o pai dela.
Preocupadíssimo com sua imagem, faz questão de maquiagem bem feita anes das cenas e fica fora de si quando a colega jovenzinha comenta que ele não é mais objeto do desejo das amigas dela, que preferem os atores mais jovens e bem mais “sexy” do que ele.
Pronto. O narcisismo de Canet está seriamente ferido e, guiado por uma auto-destruição feroz, ele vai começar a mudar de vida. Larga a equitação, que era o esporte que praticava e entrega-se à vida noturna, bebendo muito e fazendo papelão quando descobre a cocaína. Exagera em tudo e faz a festa dos “paparazzi”com as fotos dele dando vexame, que saem na internet.
Ao invés de detestar, ele adora esse tipo de publicidade porque acha que é muito mais “rock ‘n roll” e, portanto, melhor para sua imagem de playboy. E mais, vai se aconselhar com Johnny Halliday, ídolo do rock faz muito tempo atrás e conhecido por quebrar todos os tabús. Quem conhece o tipo pode achar graça na cena.
Pobre Guillaume. Além das risadas com as fotos e os vexames em público, ainda tem gente que o chama de Jerôme, trocando seu nome ou pior ainda, de Sr Cotillard.
De erro em erro, o marido de Marion vai se atrapalhando cada vez mais, até que trilha um caminho sem volta. Torna-se viciado em botox, preenchimento e que tais. Seu rosto espanta quem passa por ele. Mas, como acontece com muita gente, ele não se vê como monstruoso mas como espantosamente jovem e belo.
Sua auto-crítica foi para o espaço.
Claro que tudo isso mexe com seu casamento e mesmo com a relação com o filho (Tiffen MichelBorgey), que não quer mais que ele o leve na escola, com vergonha da cara do pai.
E Guillaume, que sempre sentiu muita inveja do sucesso de Marion, consegue o contrário do que queria. As pessoas se afastam dele e ele consegue chamar a atenção não pela beleza ou juventude, mas pelo rosto desfigurado por um médico inescrupuloso.
Despedido do estúdio, separado de Marion, ele ainda tenta um aprimoramento no corpo. E passa a dedicar-se à musculação e aos anabolizantes. É cômica a roupa de músculos que criaram para Canet parecer um halterofilista exagerado.
Há uma crítica mordaz no filme àquelas pessoas que se deixaram seduzir pela “fonte da juventude” prometida por procedimentos equivocados, que custam os olhos da cara e só pioram a pessoa que não sabe parar, obcecada por sempre melhores resultados.
Num mundo cada vez mais ridículo nessa fobia pelo envelhecimento, o filme de Guillaume Canet ensina uma lição com um humor ácido e até mesmo alguns toques de insanidade.



domingo, 8 de outubro de 2017

Churchill


“Churchill”- Idem, Reino Unido, 2017
Direção: Jonathan Teplitzky

Todo mundo sabe o importante papel desempenhado por Winston Churchill (1974-1965) na história da Inglaterra no século XX. Mas poucos se debruçaram sobre o significado de sua atuação nos dias que antecederam o dia D da Segunda Guerra.
Esse episódio foi o escolhido pelo diretor canadense Jonathan Teplitzky para seu filme “Churchill” que chamou para escrever o roteiro o historiador neo-zelandês, Alex von Tunzelmann.
Aos 70 anos de idade, a 96 horas da Operação Overlord, o Dia D, marcado para 6 e junho de 1944 e que seria a invasão da Normandia pelos Aliados, o grande homem se debate em dúvidas.
O vemos, na pessoa do ótimo ator escocês Brian Cox, numa praia, de sobretudo, chapéu e o inseparável charuto, olhando as águas do mar que se tornam vermelhas com o sangue derramado pelos soldados em Galipoli, Turquia. Churchill volta a pensar nessa campanha da Primeira Guerra, liderada por ele, em 1915, que provocara a morte de 50.000 britânicos e franceses.
Esse episódio volta à sua mente, como um fantasma macabro, para assombrar o grande homem. Ele tinha 41 anos de idade e ordenara o desembarque maciço, como Primeiro Lorde do Almirantado. E a vitória fora dos otomanos.
A Operação Overlord se assemelha em tudo a essa derrota sangrenta na mente de Churchill, agora aos 70 anos de idade. E ele hesita e vive em pesadelos.
A cena da praia termina em preto e branco, ele andando entre corpos de homens mortos e arame farpado.
Haveriam razões objetivas para que Churchill temesse o pior?
Era um plano arriscado, sem dúvida, e os ingleses tinham vivido a derrota em Dunquerque, duro golpe para Churchill. Mas o general americano Dwight Eisenhower (John Slatery) e o marechal britânico Bernard Montgomery (Julian Wadham) acreditavam que seria possível fazer a invasão e vencer as tropas nazistas, libertando assim a França da ocupação alemã.
De que outra ordem poderiam ser as angústias de Churchill? Talvez ele temesse sofrer em sua reputação com a derrota. Como acontecera depois de Galipoli. Poderíamos também pensar numa espécie de preconceito contra os americanos. E temor pela juventude inexperiente dos homens que teimavam em levar a cabo a Operação Overlord.
Mas qual seria o fator principal que sustentava sua teimosa resistência? Aquele era um momento crucial da Segunda Guerra que coincidiria com um momento também crucial na vida daquele homem. A preocupação com a morte dos soldados encobriria uma angústia de ordem pessoal. Tratava-se do momento em que se esbarra na própria fragilidade humana e mortalidade certa. Há sempre um momento assim na vida e todos nós.
A insensatez de Churchill querendo assistir pessoalmente à invasão do Dia D, depois de derrotado na mesa do alto comando, poderia indicar um movimento regido pela culpa que ronda e que aponta o castigo.
Felizmente, numa cena preciosa, o então rei George VI (James Purefoy, ótimo) proíbe com delicadeza real que o Primeiro Ministro da Inglaterra se exponha ao perigo com tanta temeridade.
E ele estava errado, como sabem todos. O dia D foi um sucesso que determinou o começo do fim da guerra.
Talvez só a própria mulher de Churchill, Clementine (Miranda Richardson), tenha percebido a origem daquela teimosia e das visões macabras do marido.
O certo é que ele não perdeu importância depois daqueles quatro dias de tortura e continuaria a ser o líder que a Inglaterra respeitava, reconhecendo nele um dos principais responsáveis pela vitória dos Aliados na Segunda Guerra.


Blade Runner 2049



“Blade Runner 2049”- Idem, Estados Unidos 2017
Direção: Denis Villeneuve

Faz mais de três décadas que “Blade Runner” de Ridley Scott surpreendeu muita gente. Baseado num conto de Philip K. Dick, “Do Androids Dream of Eletric Sheeps?”, não foi um imediato sucesso de público mas teve uma marcante influência nas cabeças que dominavam o mundo pop. Tornou-se “cult” com o tempo.
Quem for rever o “Final Cut” do diretor de 2007, sem o final feliz imposto pelo estúdio, vai se encantar de novo com a imaginação da direção de arte. Muito do que se vê no filme foi para as ruas ditando a moda dos anos 80 : muito néon, até nos colarzinhos, maquiagem negra nos olhos, paetês no corpo, ombros em destaque, matelassê no couro e casacos de nylon, plástico transparente nas roupas, golas altas e imensas, colants, só para citar alguns dos visuais marcantes do filme que foram adotados.
O futuro em “Blade Runner” era 2019 e o filme é noturno, azulado, com muita fumaça e chuva, mostrando uma Los Angeles congestionada, com gente andando nas calçadas vestidas com roupas criativas, em bicicletas, carros entupindo as ruas, veículos voadores, numa miscelânea de línguas e gente. Prédios altíssimos que eram imensos cortiços. Tudo muito glamuroso e novo para os olhos.
Harrison Ford era Rick Deckard o “Blade Runner” ou seja, “O Caçador de Andróides”. Policial, sua missão era exterminar androides que vieram clandestinamente para a Terra, onde eram proibidos, fugidos das colônias espaciais onde trabalhavam como escravos.
No meio disso tudo, ao som da música espiritual de Vangelis (“One More Kiss, Dear” e “Love Theme” para sax e orquestra), Deckard se envolve com uma bela replicante, Rachael (Sean Young).
É importante lembrar que em 1982 as TVs eram pequenas, nem se pensava em celulares, notebooks, nem toda a tecnologia a que hoje estamos acostumados. O futuro ainda não havia chegado à nossa vida diária.
Mas agora é outra história. O filme dirigido pelo franco- canadense Denis Villeneuve, ele mesmo um fã do primeiro “Blade Runner”, tem Ridley Scott como produtor, o delírio da crítica e passa-se em 2049. Bem, muitos de nós não estaremos aqui para conferir, mas podemos imaginar, graças ao filme de Villeneuve, como será. Ou como poderia ser.
Uma distopia. Um mundo esgotado, poluído e com lixões que ocupam mais espaço do que as cidades. Roger Deakins, responsável pela direção de fotografia, indicado uma dezena de vezes para o Oscar, deve levar o seu para casa dessa vez. Criou um impressionante mundo cor de âmbar, onde jorra a água incessante de chuvas torrenciais. Impera a falta de horizontes e o mar invade a terra. Os prédios altíssimos e colados, quase não deixam espaço para a gente opaca e molhada que lota as ruas de Los Angeles. Foi-se o glamuroso mundo de 2019.
Ryan Gosling, ator maravilhoso, é K, o novo “Blade Runner”, sendo ele mesmo um androide e sabe disso. Policial, “aposenta” replicantes antigos, responsáveis por rebeliões no passado e conspirações no presente. Depois de certas ocorrências, começa a desconfiar que algo milagroso aconteceu e pode mudar a vida dos replicantes. E vai em busca de Deckard (Harrison Ford, envelhecido, mas com o mesmo carisma de 1982), que poderá ter as respostas para suas indagações.
Denis Villeneuve, que pode ser considerado um dos maiores diretores da atualidade, mostrou com “A Chegada”, no ano passado, que é um mestre do cinema que faz pensar. Aqui ele nos lembra que o planeta não é inesgotável e que sempre haverá discórdia quando uns tiverem o que os outros não tem. Os desfavorecidos, que aqui são os androides explorados, lutarão sempre por aquilo que não possuem. Lutam para procriar. Como os humanos. Querem liberdade, igualdade e, se possível, fraternidade.
As mulheres brilham no elenco: Robin Wright é a chefe de Ryan Gosling; a cubana Ana de Armas é Joi, a moça holograma que cuida dele e inventa um delicioso jogo amoroso onde se mistura com Mackenzie Davis, uma bela replicante loura que lembra Darryl Hannah do primeiro filme, numa cena inesquecível; Sylvia Heks é Luv, uma androide sádica que trabalha para o “big boss” Wallace (Jared Leto) que imagina e fabrica novos replicantes. E tem até uma cena com Sean Young, a Rachael de Deckard, com a mesma roupa com que aparece no primeiro filme.
E a mensagem de “Blade Runner 2049” com suas duas horas e 45 minutos de duração, produzindo uma imersão num mundo que pode ser evitado, parece se dirigir às novas gerações e pedir para que abram os olhos, para que o mundo de 2049 nunca aconteça...

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Divórcio




“Divórcio”, Brasil, 2017
Direção: Pedro Amorim

Uma caminhonete vermelha voa pelas estradas de terra em Ribeirão Preto. Estamos em 1997.
Como é que é? O motorista está guiando com as duas mãos amarradas? Ele tira a corda com os dentes, sem diminuir a velocidade.
Corta para a cena de um casamento ao ar livre numa fazenda. A noiva caminha triste e lentamente para o altar, onde a espera um noivo de chapéu texano e terno com colete.
Mas eis que surge o rapaz da caminhonete à toda e arrebenta o enorme bolo, passando por cima, sem dó nem piedade.
“- Noeli? ”grita o moço (Murilo Benício).
“- Júlio! “ responde a noiva (Camila Morgado, ótima).
O pai da noiva está espumando de raiva e pergunta aos seus capangas:
“- Como é que ele escapou? Seu carioquinha de ...”e solta o palavrão.
E, enquanto os dois fogem na caminhonete, o pai amaldiçoa:
“- Noeli, você morreu para essa família! ”
Ela joga o véu pela janela.
Tudo isso ao som da canção sertaneja “Evidências”, que vira rock na voz de Paula Fernandes.
Esse é o início de um filme brasileiro que me fez dar boas risadas. Fato inédito. Porque não costumo ver muitas comédias, brasileiras principalmente. Não aguento as piadas escatológicas, nem o mau gosto do palavreado. Posso estar errada mas tem sido assim com raras exceções.
Resolvi ver “Divórcio” porque falaram bem do filme. E, realmente, posso dizer que é uma comédia divertida e bem realizada.
O diretor Pedro Amorim, 40 anos, formado em cinema pela New York University, acertou em cheio ao escolher a dupla de atores Camila Morgado e Murilo Benício para interpretar o casal caipira e pobrinho , que fica rico com um molho de tomate enlatado, receita secreta da família de Noeli, que vira o queridinho dos brasileiros. Noeli na lata.
Mas junto com a fortuna vieram também as reclamações e o tédio no casamento. Júlio reclama de Noeli, perguntando a toda hora “quanto custou? ”. Tem uma risada irritante e adora carros grandões. Noeli, além das duas filhas do casal, tem paixão por sua coleção de sapatos Loboutin caríssimos, lindamente expostos num “closet” tão grande quanto uma loja e também tem uma risada roncada que lhe valeu o apelido de “Porquinha”, desde a escola.
O casal acaba num divórcio litigioso com cenas hilárias, protagonizadas por eles e seus advogados famosos por suas causas milionárias, que só enriquecem a eles mesmos (André Mattos e Angela Dippe).
O elenco de apoio tem uma revelação no ator Gustavo Vaz que faz o ex colega de Noeli, apaixonado por ela desde a escola e que virou o cantor sertanejo Catanduva. Sem esquecer de Luciana Paes que faz a engraçada amiga de Noeli.
O filme tem ritmo e um roteiro bem bolado de Paulo Cursino que explora desde o novo-riquismo, passando pelas excentricidades do mundo brega sertanejo, indo parar até nas celas de uma prisão e seus absurdos.
“Divórcio” faz graça em cenas divertidas mas nunca debochadas. E esse é o acerto maior do filme, que não precisa ridicularizar ninguém, nem cair no mau gosto para conseguir fazer a plateia rir.



domingo, 1 de outubro de 2017

O Fantasma da Sicília


“O Fantasma da Sicília”- “Sicilia Ghost Story”, Itália, França, Suiça, 2017
Direção: Fabio Grassadonia e Antonio Piazza

Escuridão e o barulho de água pingando nas pedras de uma gruta. Mal adivinhamos o que vemos.
De repente, uma luz ilumina a água e vemos uma fonte jorrar à beira de uma estrada, onde estão adolescentes. O que bebe daquela água embrenha-se sozinho na floresta, sem notar que uma coleguinha o segue. Há uma névoa que traz mistério àquele lugar.
A menina vê o colega encantar-se com uma borboleta que pousa em sua mão e não percebe o furão curioso que cheira seus pés. Caminhando, logo chegam numa árvore centenária.
“- Giuseppe!”, grita assustada a menina que não viu o garoto aproximar-se por trás dela. “- Eu não estava te seguindo”, mente ela, envergonhada por ter sido descoberta.
Segue o caminho correndo mas um mastim negro, que comia um coelho, rosna e parece que vai atacar. Giuseppe aparece e grita com o cão e os dois fogem pela floresta.
Será que imaginamos coisas ou existem seres que espiam aqueles dois escondidos pela folhagem?
“O Fantasma da Sicília” é uma recriação fantasiosa de um caso triste da vida real. O menino é Giuseppe di Mateo (Gaetano Fernandes), sequestrado pela Máfia em 1993 e mantido em cativeiro por mais de dois anos, na esperança de que o pai dele, mafioso que se tornara informante da polícia, desistisse das delações.
Luna (Julia Jedlikowska, excelente), a colega de Giuseppe, é uma personagem fictícia no filme inspirado no conto “Un Cavalieri Bianco”, do livro de Marco Mancassola, “Non Seremo Confusi per Sempre”. Há uma denúncia sobre a atuação da Máfia na Sicília, onde mesmo quem não pertence a essa organização criminosa, fecha os olhos perante seus delitos.
A única que se desespera e procura incansavelmente por Giuseppe é Luna, apaixonada por ele.
A fotografia de Luca Bigazzi (“A Grande Beleza”) ajuda a criar um clima misterioso de um universo paralelo, já que a linguagem mitológica traduz melhor a relação do par de adolescentes, Romeu e Julieta nos domínios de Hades, o deus do mundo inferior e dos mortos.  Também Luna, a Lua e suas relações com a água e a coruja que habita o porão da casa de Luna, que tem a ver com a deusa Atena, símbolo da sabedoria, mas que também era vista como um arauto da morte nas culturas antigas. Todas essas referências criam o lado mágico e mítico dessa história de amor.
A imagem das ruinas do belo templo grego à beira mar, mostrado em tomadas aéreas, lembra sempre que estamos na terra dos antigos gregos que lá erigiram monumentos aos seus deuses nos séculos V e VI AC, no Vale dos Templos, próximo a Agrigento.
E o filme foi rodado em Troina, perto do Lago Pergusa, onde Hades sequestrou a bela Perséfone, filha de Deméter, deusa da terra, que não cansou de tentar resgatar a filha do reino dos mortos.
Luna, qual Deméter, quer resgatar Giuseppe para a vida e sonha com ele do mesmo modo que, no cativeiro, lendo a carta de amor de Luna, Giuseppe sonha com ela.
Nino (Andrea Falcone), amigo de Luna, faz lembrar que a Sicília, que foi um dia o lugar dos deuses, deveria ser deixada novamente para a Natureza. Os homens estariam desgostando os deuses, que responderiam se vingando.
Mas, na praia siciliana, no final do filme, Luna parece ter reencontrado seu lado solar e amoroso que a traz de novo para a vida. Há uma mensagem de esperança de convivência possível dos fantasmas dos mortos queridos com os vivos.
“O Fantasma da Sicília” é um filme que surpreende e fascina, envolvendo o espectador em seus mistérios.