“O Clã”- “El Clan”, Argentina, Espanha,
2015
Direção: Pablo Trapero
Aquele dono de uma rotisseria em Buenos Aires, que varre
a calçada todas as manhãs, parece um cidadão pacato, pai de família, cumpridor
de seus deveres.
Interpretado com eficiência assustadora por Guillermo
Francella, Arquimedes Puccio passa desapercebido na vizinhança.
Dos cinco filhos, dois garotos e duas mocinhas moram com
o pai e a mãe Epifania (Lili Popovich) e o filho mais velho vive na Nova
Zelândia. O pai orgulha-se de Alejandro (Peter Lanzani), jogador de rúgbi na
seleção nacional da Argentina.
Quem não sabe do que se trata o filme, fica confuso
porque não entende as rápidas cenas iniciais de pessoas entrando com violência
na casa da família Puccio em 1985, no final de tudo.
Voltamos no tempo para 1982 e, durante a comemoração da
vitória dos Pumas, time de rúgbi argentino, Ricardo Manoukian é apresentado a
Alejandro Puccio. Todos ali parecem pessoas de classe média alta, vestem-se bem
e brindam à vitória.
O susto portanto é enorme, quando vemos o pai de Alex,
cúmplices e o próprio Alex, sequestrarem Ricardo Manoukian, arrastando-o para o
porta-malas do carro.
E o mais terrível. O rapaz está encapuzado e amarrado
com correntes no banheiro do piso superior da casa, gritando por socorro, quando
Arquimedes leva um prato de comida para ele, preparado pela
mulher.
Casa modesta, paredes finas, impossível que os outros
não escutassem o que se passava de horror, colado à vida que
levavam.
Arquimedes, que fizera parte do serviço secreto da
ditadura militar argentina (1976-1983), não queria abrir mão dos serviços que
prestara aos militares, sequestrando e eliminando os inimigos do regime.
Continuava frequentando reuniões, achava que a democracia do governo Alfonsín
não iria durar e mudara o foco. Passou a sequestrar pessoas
ricas.
Frieza e eficiência, aliadas à certeza da impunidade, já
que era protegido dos militares, faziam com que Puccio não hesitasse em torturar
suas vítimas, para obter cartas que emocionavam as famílias e incentivavam o
pagamento do resgate.
Com pavor, assistimos à execução sumária dos reféns,
antes mesmo de Puccio entrar na posse do dinheiro
extorquido.
Quanto ao filho Alex, vemos ele dobrar-se à uma
obediência cega ao pai, que exercia domínio completo sobre a família. Claro que
também entra no cenário do filho, a ganância pelos dólares que o pai fornecia
como recompensa.
O que mais choca é a contaminação que um regime de
exceção exerce sobre os participantes e, muito pior, sobre todos os que se
prestam à corrupção. A psicopatia dos Puccio é um fato. A situação de
impunidade, o incentivo a exercê-la plenamente.
A trilha sonora de música pop dos anos 80 é o toque de
ironia final do diretor Pablo Trapero (“Abutres”2010, “Elefante
Branco”2012)
Produzido pelos irmãos Agustín e Pedro Almodóvar, “O
Clã” fez a segunda maior bilheteria do cinema argentino com quase 2 milhões de
espectadores. Trapero ganhou o prêmio de melhor direção no festival de Veneza, o
Leão de Prata e seu filme foi pré-indicado ao Oscar pela
Argentina.
É com espanto que ficamos sabendo dessa história
verídica dos Puccio e de outra mais recente. Porque em 1991, o atual presidente
da Argentina, filho de uma das famílias mais ricas do país, Macri, foi
sequestrado pela “gangue dos policiais” e ficou 12 dias no cativeiro, libertado
após um resgate de U$6 milhões. Assustador.
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