“Carol”- Idem, Reino Unido,
2015
Direção: Todd Haynes
Tudo começa num bar, uma cena que vamos ver de novo
perto do fim do filme. Logo, um longo “flashback” vai contar a história de Carol
(Cate Blanchett) e Thérese (Rooney Mara).
Em tudo diferentes, a loira e a morena se conheceram
numa loja de departamentos de Nova York, anos 50, onde Thérese trabalha na seção
de brinquedos. Miúda, rosto de boneca, cabelos semi longos numa fita e
franjinha, ela usa um gorro de Papai Noel, como todos os funcionários da loja,
na semana do Natal. Veste-se em preto e branco e não está
maquiada.
Carol é alta, loira, sofisticada e extremamente
sedutora. Seu casaco é um “golden sable” que nela, combina com tudo. Até com sua
natureza selvagem. Nos cabelos, traz um aplique gracioso, da cor da blusa presa
com um broche precioso, bem diferente do gorro de Thérese, o que sublinha ainda
mais a diferença social entre as duas. Bem cuidada no mais ínfimos detalhes,
Carol é a imagem da perfeição burguesa.
Ela procura uma boneca para sua filha mas o brinquedo
está esgotado. Pergunta então a Thérese o que sugeriria em
troca:
“- Um trenzinho. Sempre quis um quando
pequena.”
É o primeiro sinal de uma possível intimidade entre as
duas, sinalizada pela pergunta da mais velha e pela resposta sonhadora da mulher
mais jovem. E então, Carol esquece” suas luvas sobre o
balcão.
Nada é por acaso nesta cena imaginada por Patricia
Highsmith
(1921-1995), escritora americana, autora do livro “The
Price of Salt” de 1953, no qual o filme de Todd Haynes se baseou. E, no entanto,
a história entre as duas começa por acaso.
Na troca de olhares intensos de Carol e os mais tímidos
e enviesados de Thérese, adivinhamos que há uma grande atração entre aquelas
duas. Algo muito forte vai acontecer. Todos os elementos principais foram
apresentados.
E, na plateia, sentimos aquele desconforto que aparece
nas pessoas sensíveis quando adivinham sofrimentos. Tanto nos anos 50 do século
passado como agora, pessoas que são como Carol e Thérese não podem viver sem
sobressaltos. A homossexualidade ainda é um tabu. Principalmente quando se trata
de mulheres. Tanto que Patricia Highsmith, uma autora respeitada, teve que
adotar um pseudônimo, Claire Mogan, para escrever a história do romance entre
duas mulheres.
Até quando as pessoas vão se incomodar com o fato de que
existem mulheres como Carol e Thérese?
Mas até por isso, “Carol” é um filme bem-vindo. Ajuda a
chacoalhar a mentalidade tacanha de alguns e talvez abra caminho para um
sentimento de compaixão para com todos aqueles que precisam viver amores
proibidos e, portanto, mais complicados e sofridos.
O diretor californiano Todd Haynes, 54 anos, fez um
filme de uma beleza invulgar e soube dosar todos os elementos para que a plateia
possa perceber o nascimento de uma história de amor, suas dificuldades e sua
força.
Tecnicamente falando, o filme é bem trabalhado nos
detalhes com o cuidado de não cair no puro esteticismo. Há uma magnífica
recriação de época pela designer de produção Judy Becker, a fotografia de Edward
Lachman encontra ângulos, closes e cores perfeitas na tradução dos estados de
alma das personagens, os figurinos de Sandy Powell mostram a evolução psíquica
das duas mulheres e a troca entre elas: Thérese amadurece e desabrocha e Carol
abandona uma frivolidade defensiva, que já não lhe
serve.
As duas atrizes estão esplêndidas. Percebe-se que
viveram suas personagens com entrega total. Cate Blanchett também foi produtora
do filme e faz Carol com paixão. Rooney Mara revela-se um talento à altura do
que é solicitado. Ela é a mais equilibrada das duas personagens e, mesmo assim,
quanta vibração ela empresta à sua Thérese.
Muitos prêmios virão.
Merecidos.
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