Direção: Jacques Audiard
Horror. Corpos sendo queimados, empilhados numa
fogueira. Homens armados, lenços cobrindo seus rostos, vestidos com farrapos,
cercam o local. A fumaça negra e espessa sobe para o alto, escurecendo a copa
das muitas palmeiras que existem ali.
Depois, um campo de refugiados, com gente em tendas.
Miséria. Uma mulher jovem procura uma menina que não tenha família. Tem pressa e
arrasta uma pela mão.
Aos poucos, vamos compreendendo que, aquele homem,
Deephan (Jesuthasan Anthonytasan), que vimos antes entre os homens armados que
queimavam os corpos, tem um passaporte que o obriga a ter mulher e filha. Por
isso a jovem traz a menina.
Uma família falsa é a esperança de sair dali, poder ir
para longe. A jovem, Yalini (Kalieaswari Srinivasan), quer ir para a Inglaterra
onde tem parentes mas todos acabam na França, nos arredores de
Paris.
E recomeçam nova vida naquele conjunto habitacional, com
vários prédios modestos, que parece ser tão melhor que o Sri Lanka natal,
cenário de conflitos sangrentos que eles querem esquecer. Deephan perdera tudo.
Família e aldeia. Todos mortos.
Mas agora havia a esperança de paz no subúrbio
parisiense. Finalmente uma casa para aqueles três desconhecidos, que iam viver
como uma família qualquer, entre outros imigrantes.
Há um vislumbre de uma vida melhor, trabalho para os
adultos e escola para a menina de nove anos, Illayaal (Claudine
Vinasithamby).
Apesar das dificuldades, assistimos a uma esforçada
tentativa de adaptação aos novos costumes, à lingua estranha, gente nova e até
mesmo hostil.
Deephan torna-se zelador, Yalini consegue trabalho como
empregada na casa de um homem doente e a menina adapta-se aos poucos na escola,
apesar da má vontade das coleguinhas que, no início, não querem brincar com
ela.
Não era um paraíso mas havia
paz.
Yalini ganha bem e agrada ao patrão porque é boa
cozinheira, cuidadosa com a casa e no trato com o homem aleijado. Com seu
salário faz cortinas para a casa, uma bata de seda para si mesma e começa a ser
mais maternal com a menina, que já fala um francês razoável. Até mesmo com
Deephan, homem arredio e calado, Yalini começa a ser carinhosa. Mais e mais,
eles parecem ser uma família como as outras.
Mas Deephan é o primeiro a notar que, no prédio em
frente, homens mal encarados lidam com armas e drogas.
Yalini, que começa a conviver mais de perto com os que
frequentam a casa onde trabalha, também não gosta do que vê e
ouve.
Quando ecos do Sri Lanka voltam a atormentar o guerreiro
tâmil, a tensão cresce até que há a grande explosão.
A cabeça de um elefante que aparece na tela algumas
vezes, tanto é o deus Ganesha, protetor, quanto o animal que nunca esquece dos
traumas do passado.
Deephan vai surtar e se esquecer de onde está. Yalini
vai se assustar mas sabe acalmá-lo.
No final, o sonho faz esquecer o
pesadelo.
A imigração assusta a Europa. Mas não haverá uma maneira
de encontrar uma possibilidade de convivência?
Jacques Audiard, 63 anos (“O Profeta”2009, “Ferrugem e
Osso”2012), diretor e roteirista de “Deephan”, ganhou a Palma de Ouro do
Festival de Cannes em fevereiro desse ano.
A crítica não foi unânime em aplaudir o filme. Audiard
não poupou a França. Mostrou as mazelas perigosas do tráfico e das gangues que
fazem o inferno onde existem. Mas não há como negar nele a tentativa de busca de
um caminho para o problema da imigração, que só homens de boa vontade vão poder
encontrar.