domingo, 27 de setembro de 2015

Um Senhor Estagiário



“Um Senhor Estagiário”- “The Intern”, Estados Unidos, 2015
Direção: Nancy Meyers

De um lado, Ben Wittaker (Robert De Niro), setentão charmoso, viúvo, aposentado, que já viajou muito, aprendeu até mandarim, faz tai-chi no parque, mantém a boa forma, tem uma vida confortável, mas diz em “off”:
“- Não sou um homem infeliz. Apenas sei que há um vazio em minha vida e preciso preenchê-lo.”
Acrescenta que quer levantar-se de manhã e ter um lugar para ir, onde se sinta necessário.
De outro, Jules Ostin (Anne Hattaway), que ainda não tem trinta anos mas possui um talento especial para o negócio de vendas de roupas on-line, que começou como um blog e transformou-se, em 18 meses, numa rentável companhia de e-commerce, “About The Fit”, da qual é a presidente.
Em seu escritório de vidro, com peônias num vaso de cristal em sua mesa, ela tem uma agenda apertada e muito pouco tempo para a família, o marido Matt (Anders Holm) e a filha Pagie (JoJo Kushner) de uns 5 anos.
Ao contrário de Ben, calmo e tranquilizador, Jules é febril e estressada. O preço a pagar por ser bonita, bem sucedida, ter um talento inato para negociar e bom gosto para escolher seus produtos, é só poder fazer isso, além de ser invejada e criticada pelas outras mães da escola da filha.
Leva computador até para a cama, onde seu marido, “pai de tempo integral”, dorme, cansado dos afazeres domésticos e dos cuidados com a filha de ambos.
O filme, dirigido e roteirizado por Nancy Meyers (Alguém tem que Ceder”2003, “Simplesmente Complicado”2009), defende o espaço da mulher vencedora, que ganha mais do que o marido, que, portanto, tem que ficar em casa e fazer tudo o que as mulheres costumam fazer (e ainda trabalhar), sem reclamar.
Mas será que esse arranjo funciona para o casal?
Aí é que entra Ben, o estagiário idoso, que teve um casamento feliz de 42 anos, que vai trabalhar na companhia de e-commerce e passa a ocupar um espaço de conselheiro na vida de Jules, que se ressente da solidão em que vive. A diferença de gerações entre eles não atrapalha, ao contrário. Ben tem a estabilidade emocional e a experiência que faltam a Jules.
O mais atraente no roteiro é a maneira como observa, com humor, os detalhes que identificam a diferença entre as gerações. Os colegas de trabalho de Ben são tão jovens que poderiam ser seus netos mas acabam admirando os modos “vintage” de ser de Ben. Não precisa nem dizer que os que mais se identificam com Ben, na plateia, são os que mais se divertem com a produção do filme, perfeita na escolha de peças raras hoje em dia.
“A experiência nunca envelhece” diz o cartaz americano de “Um Senhor Estagiário”. Pura verdade no caso de Robert De Niro, um ator de grandes filmes, que se sai tão bem nessa comédia simpática e divertida. Ele e a graça natural de Anne Hattaway, ambos oscarizados, fazem do filme um sucesso garantido.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

De Cabeça Erguida


“De Cabeça Erguida”- “La Tête Haute”, França, 2015
Direção: Emmanuelle Bercot

Na cena inicial, uma juíza de menores, Florence Baque
(Catherine Deneuve, sempre bela e competente), pergunta a uma jovem mãe solteira (Sara Forestier), com um bebê inquieto, chorando no colo , por que seu outro filho não vai à escola há três meses. Um menino, de uns seis anos, olha assustado os adultos.
A assistente social diz para a juíza que é difícil estabelecer um diálogo produtivo com Madame Ferrandot, mãe do menino.
Para nosso espanto, a mãe diz, olhando o filho:
“- Ele é esperto. É um bicho dentro de casa. Aqui vira um santo. Parece que sabe que está num tribunal. Quero me livrar dele.”
E sai, deixando as duas mulheres com um ar de surpresa e desânimo:
“- Espero que haja vaga no Lar das Crianças” diz a assistente social.
Assim começa a história de Malony Ferrandot, interpretado com garra pelo novato Rod Paradot.
Na próxima cena ele já tem uns 14 anos e guia um carro como um louco, incentivado pela mãe no banco de trás, com o irmãozinho.
Quando volta ao tribunal da juíza, vai ter que responder por roubo de carro e guiar sem carteira de motorista.
Malony não vai à escola, usa drogas, provavelmente será expulso e sua atitude frente à juíza é de descaso.
A mãe, tão imatura quanto o filho, também usa drogas, é ambivalente, troca muito de parceiros e não parece ser a pessoa indicada para educar ninguém. Seus repentes no tribunal, aos gritos e choro convulsivo, parecem com o comportamento de Malony. Só que ele é bem mais agressivo. Enfrenta um educador numa instituição, xinga o homem bem maior que ele e o agride, tendo que ser contido.
Quando a juíza o recebe novamente, retira tesouras e objetos pontiagudos da sala, antes de fazê-lo entrar. Sabe com quem está tratando. Dessa vez, ele responde por roubo com violência. Chega algemado.
“- Estou cansada de ficar atrás dele. Criei um monstro. Ele é como o pai”, reclama a mãe choramingando.
“- O que quer fazer de sua vida, Malony?”pergunta a juíza, severa.
Ele vai para um centro de recuperação mas se mete em brigas e não coopera com os educadores.
Vai ser longo e difícil o caminho de Malony. Mas algo nele faz tanto a juíza, como o educador Yann (Benoit Magimel), não desistirem de tentar fazer ele compreender que tem que mudar de atitude.
Garotos delinquentes geralmente terminam mal. Mas no caso de Malony, muitas variáveis entraram em jogo para que ele pudesse ter uma chance. Sua agressividade e incapacidade de tolerar frustrações, cedem aos poucos, dando lugar a uma postura mais produtiva. Não sabemos por quanto tempo, mas torcemos por ele.
O filme mostra que o Estado tem o seu papel de educador mas que precisa de alguma reação positiva para poder recuperar um garoto como Malony.
E, em tempo de debate sobre a maioridade penal, a diretora, que abriu o Festival de Cannes de 2015 com seu filme, disse em entrevista:
“Entendo que o jovem não deva permanecer impune, mas colocá-lo na cadeia com adultos não é a solução. Isso só piora o problema.”
“De Cabeça Erguida” é um filme que ousa ter um olhar de esperança para os jovens que, por isso ou aquilo, não conseguem levar uma vida sem cair na marginalidade. 


domingo, 20 de setembro de 2015

Evereste


“Evereste”- “Everest”, Estados Unidos, Inglaterra, Islândia, 2015
Direção: Baltasar Kormákur

Por que será que homens e mulheres arriscam a própria vida em aventuras loucas? Talvez seja para tentar aumentar os limites humanos, como no passado iam em busca de novas terras. Mas, se a razão for apenas a de reassegurar-se de sua superioridade sobre os outros, o preço a pagar é muito alto.
Em 1996, uma tragédia aconteceu no monte Evereste, o mais alto do mundo. Doze alpinistas perderam a vida, quando uma terrível tempestade abateu-se sobre o cume, sem anúncio prévio, e eles foram pegos quando ainda no alto.
No filme “Evereste” que conta o fato, tudo começa quando o neo-zelandês Rob Hall (Jason Clarke) embarca para Katmandu, no Nepal, para guiar uma expedição de pessoas que pagaram pequenas fortunas para serem levados ao cume do Evereste.
Situado na chamada “Zona da Morte”, acima dos 8.000 m, o ar lá é tão rarefeito que há necessidade de respirar com máscaras ligadas a tubos de oxigênio. Não é um lugar feito para seres humanos.
Rob parte preocupado por deixar Jan (Keira Nightley), sua mulher, grávida de sete meses. Mas ele espera voltar a tempo de ver o bebê nascer.
Naquele maio de 1996, duas expedições (a “Adventurers Consultant” do neo-zelandês Rob Hall e a “Mountain Madness” do americano Scott Fisher, interpretado por Jake Gyllenhaal) juntaram suas forças para levar homens e uma mulher para cima da montanha. Usariam as mesmas cordas e escadas de alumínio lançadas sobre abismos, colocadas previamente pelos xerpas, população local que conhece a montanha e a respeita.
No “Campo Base”, a mais de 5.000 m de altura, os aventureiros chegam para aclimatar-se e treinar em três escaladas e ouvem a médica alertar para os perigos mortais do ar rarefeito: o edema cerebral e pulmonar que levam à morte, a hipóxia que enlouquece, a disenteria que enfraquece. Ao primeiro sintoma, descer é a única saída possível.
E Scott ouve de um guia experimentado algo sério:
“- Não gosto dessa multidão aqui... Muita competição.”
E realmente vemos muitas tendas abrigando uma boa quantidade de pessoas, mostrando a fama que se espalhava em torno aos que conseguiam subir o Evereste.
“- A competição não é entre pessoas”, diz o guia, “ é entre você e a montanha. E ela tem sempre a última palavra.”
O filme, dirigido pelo islandês Baltasar Kormákur, é impressionante. Voos belíssimos sobre pedras negras pontiagudas e o branco imaculado da neve virgem. Dias de céu azul e sol e outros escuros, neblina densa e vento gélido e cortante. Homens diminutos entre blocos de gelo maiores do que prédios.
O elenco é de atores competentes como Josh Brolin, Robin Wright, Emily Watson, John Hawkes, Michael Kelly e outros já citados. Alguns acharam que o roteiro não deu profundidade aos personagens. Mas talvez o interesse maior foi o de mostrar o desafio que a montanha representa e avisar que muitas variáveis estão em jogo quando se enfrenta a natureza. E que nem sempre acontece o planejado.
“Evereste”, principalmente em IMAX e 3D, nos leva ao teto do mundo, sem riscos mas com muita emoção.

sábado, 19 de setembro de 2015

A Festa de Despedida



“A Festa de Despedida”- “Mita Tova”, Israel, Alemanha, 2014
Direção: Sharon Maymon e Tal Granit

É difícil falar sobre a morte. Por isso a negação em torno a esse assunto. O que dirá então de tratar da morte concedida como uma saída digna de uma vida de sofrimentos, com o auxílio de outros?
Tal desejo de morrer com dignidade foi já assunto de alguns filmes ao longo dos últimos anos. Como não lembrar de Javier Bardem em “Mar Adentro” de 2004? E, antes ainda, de “Invasões Bárbaras” de 2002,  do canadense Denys Arcand? “Algumas Horas de Primavera” de 2012, traz Vincent Lindon como o filho que leva a mãe para a Suiça, para o chamado “suicídio assistido”, legal naquele país. “A Bela que Dorme” , dirigido por Marco Bellocchio, traz um fato real de eutanásia para as telas em 2012.
Para não falar no celebrado “Amour” de Michael Haneke e do filme islandês “Vulcão” de 2011, que tratam do assunto da mesma forma, ou seja, quando fazer o outro morrer é um ato extremo de amor.
No agridoce “A Festa de Despedida” é a vez de Israel. Tema difícil, já que ali a eutanásia é proibida fortemente pela religião e pela lei que castiga o autor do crime com prisão perpétua.
Mas a dupla de diretores, que ganhou o “Ophir de Ouro” de direção ( o Oscar de Israel), Sharon Maymon e Tal Granit, soube levar o roteiro deles com muita inteligência, sabendo trilhar a linha divisória entre o humor fino e, por vezes negro, evitando cair no sentimentalismo barato, ao falar sobre o suicídio assistido, a morte conduzida pelo próprio doente, que não aguenta mais viver do jeito que vive.
O filme, que tem um elenco genial, começa com risos. No telefone, “Deus” conversa com Zelda, uma paciente que sofre com uma recidiva de câncer, dizendo a ela que tenha mais um pouco de paciência, já que não havia vaga no céu no momento.
A brincadeira piedosa é armada por um amigo da paciente,Yehezkel (Ze’ev Revach) casado com Levana (Levana Finkelstein), todos vivendo num condomínio aprazível para idosos em Jerusalém.
Mas todo esse clima leve começa a pesar quando Yana (Alisa Rosen), desesperada com o sofrimento do marido Max (Schmud Wolf), que pede para morrer, internado no hospital, comove os amigos, que se juntam para encontrar uma solução.
O “Doutor Morte”, Kervokian, é relembrado, e o inventor amador Yehezkel, junta-se ao veterinário aposentado (Ilan Dar), também morador do condomínio, e conseguem fabricar uma máquina que ministraria uma combinação fatal de duas drogas pelo tubo intravenoso, através de um controle manipulado pelo próprio doente.
Não é nenhuma surpresa que esse segredo mal guardado se espalhe e muita gente passe a assediar o grupo de amigos de Max. Todos com o mesmo problema.
Risos e comoção vão se alternando conforme o filme avança.
Toques surreais sublimes, como o canto que une vivos e mortos, são uma pausa para respiração, para depois voltar à realidade.
Porque é na nossa própria morte e na dos nossos entes queridos que pensamos enquanto assistimos “A Festa da Despedida”, um filme humanista, tão triste quanto realista.

domingo, 13 de setembro de 2015

La Sapienza


“La Sapienza”- Idem, Itália, França, 2014
Direção: Eugène Green

Ao som de um coral que canta música barroca de Monteverdi (1567-1643), vemos detalhes de uma arquitetura refinada, que sabemos ser italiana da mesma época.
Janelas, portas, colunas emplumadas, são percorridas pela câmera que se aproxima dos entalhes no mármore, mostrando sulcos e restaurações. Abóbadas de igrejas douradas, azuis, enormes anjos de asas fechadas que são colunas e o olhar sobe mais, atingindo o cimo da torre dos sinos, onde uma cruz pousa leve.
Em “off” ouvimos: “A sabedoria é mais ativa que todas as ações.”
Em Paris, o arquiteto premiado Alexandre Schmidt, agradece o reconhecimento de sua obra por seus pares:
“- Herdei de meu pai o ofício, de minha mãe a preocupação com os outros. Não faço igrejas nem sinagogas, mas fábricas, que são as catedrais do mundo moderno. Acho que a arquitetura existe para assegurar a felicidade dos homens.”
Depois, o casal, Alexandre (Fabricio Rongione) e Aliénor  (Cristelle Prot Landman), a sós, em silêncio, jantam num restaurante vermelho e dourado. Ela é bela mas seus olhos claros e expressivos mostram tristeza. Ele parece frio e rígido. O casal vai mal.
Frente a um conselho, ele fica sabendo que seu projeto premiado terá que ser modificado:
“- Sou contra a destruição de Tourreles para ocupar o espaço com construções desumanas...” diz o arquiteto.
Mas o conselho é inflexível e dá dois meses para ele apresentar novo projeto.
Desanimado, o arquiteto decide então partir para a Itália para finalmente acabar de escrever seu livro sobre Francesco Borromini (1599-1667), um dos maiores gênios da arquitetura barroca.
E o casal parte para Stresa, ao lado de Bissone, uma vilazinha suiça onde nasceu Borromini.
Hospedam-se frente ao lago Maggiore e passeiam pelo lugar, onde encontram, por acaso, os irmãos Lavinia e Goffredo.
A partir desse momento, o quinto filme de Eugène Green, o original diretor e roteirista nascido na América mas naturalizado francês, separa marido e mulher e compõe dois novos pares com os irmãos italianos.
Vai ser uma experiência iniciática para os quatro.
Goffredo (Ludvico Succio), que tem 18 anos e quer ser arquiteto, vai para Veneza depois das férias. A convite dos franceses parte com o homem mais velho para Torino e Roma, nas pegadas de Borromini. Visitam suas obras. Sendo que a igreja de San’t Ivo alla Sapienza é o poster do filme.
Aliénor, que é cientista social interessada pela psicanálise, fica em Stresa e aproxima-se de Lavinia (Arianna Nastro) que sofre de estranhos desmaios. Conversam em francês e “Madame Bovary” de Flaubert e Molière com sua última peça, “O Doente Imaginário”, serão seus guias numa viagem interior. Para as duas, o passado vai ser o lugar onde se esconde a chave para o futuro, libertas que são de seus fantasmas sombrios.
Já Goffredo e o arquiteto aprenderão um com o outro e vão encontrar aquilo que não procuram.
“La Sapienza” é um filme raro e belo, recomendado para quem se interessa por cultura e não se assusta com um modo peculiar de contar histórias.

sábado, 12 de setembro de 2015

Ricki and The Flash - De Volta para Casa


“Ricki and The Flash – De Volta para Casa”- “Ricki and The Flash”, Estados Unidos, 2015
Direção: Jonathan Demme


Um rosto enche a tela.
É Meryl Streep, a multifacetada atriz, fazendo Ricki, a roqueira de trancinhas do lado, cabelo comprido e unhas prateadas, sob uma luz azul neon. Ela, na guitarra e vocalista, comanda a banda The Flash.Todos os integrantes passados dos 60.
Eles tocam e ela canta “American Girl” e é aplaudida pelo pessoal num bar da Califórnia.
“- Eu adoro você, Ricki!” grita o barman.
“- Essa foi a “American Girl” de 77 e me orgulho de ser uma, nascida no melhor país do mundo! Somos a banda que está nessa casa desde 2008, o ano em que elegemos vocês sabem quem...” e faz uma careta.
Pronto. Apaga-se Meryl e passamos a ver Ricki Rendazzo, de carne e osso, forte, encrenqueira, mulher de opinião própria e irreverente.
Só que, para ser como ela é, teve que abdicar de muita coisa. Para ser livre e ter o palco no centro de sua vida, deixou muita gente de lado.
Linda Brummel abandonou marido e três filhos para levar a vida que escolheu.
E Greg (Ricky Springfield), seu braço direito na banda, não tem o reconhecimento do lugar afetivo que ocupa na vida dela. E se ressente com isso.
Quando o celular toca e ela ouve a voz do ex (Kevin Kline) pedindo que venha ver Julie (Mamie Gummer, a própria filha da atriz) que está péssima porque foi abandonada pelo marido, ela sabe que não vai poder ignorar o chamado, do outro lado do país.
Mas a volta para o mundo que ela deixou não é uma coisa simples.
É aqui que o roteiro de Diablo Cody (Oscar por “Juno”2007) mostra a que veio, discutindo o porquê de uma mulher ser censurada por deixar os filhos para seguir uma carreira e o mesmo não ser cobrado dos homens. Mas são apenas tintas feministas, rodeadas de tiradas clichês, sobre a vida burguesa versus o desprendimento e o charme  da vida boêmia, num filme para divertir e a plateia admirar a versatilidade de Meryl Streep.
Bem, uma boa dose de egoísmo é necessária para a sobrevivência, disse Freud, mas, no caso de Ricki, a auto-complacência se alia a um egoísmo gigante. E ela vai se deparar com acontecimentos que vão mexer com ela.
O filme, dirigido pelo também oscarizado Jonathan Demme, 71 anos (“Silêncio dos Inocentes”1991), é aquilo que é: uma oportunidade de ver uma excelente atriz metamorfosear-se no que ela também pode ser e já mostrou em “Mamma Mia!”, em 2008. É uma ótima cantora.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

O Diário de uma Camareira



“O Diário de uma Camareira”- “Journal d’une Femme de Chambre”, França, Bélgica, 2015
Direção: Benoit Jacquot

A beleza, aliada a uma certa postura atrevida e ambiciosa, pode ser uma maldição para uma mulher sem posição social, nem dinheiro, parece querer dizer o filme de Benoit Jacquot, adaptação do livro do francês Octave Mirbeau, de 1900, que conta a história de uma arrumadeira, no começo do século XX. Outra desejo dessa história é olhar a classe alta pelos olhos de seus empregados, principalmente mulheres.
Célestine (a belíssima Léa Seydoux) é uma arrumadeira fina e jovem que já trabalhou em algumas casas da elite francesa e não tem uma boa opinião sobre seus patrões.
Ela parece um quadro de Renoir quando aparece na tela com um vestido azul petróleo, enfeitado de rendas, que realça sua cintura fina. Seu rosto é perfeito, olhos azuis sob longos cílios, boca petulante e cabelos louros num coque de cachos no alto da cabeça e chapéuzinho com fitas.
Tanta elegância não condiz com seu estado de desempregada e destoa das outras que foram procurar emprego na mesma agência. A aparência já nos diz algo sobre Clémentine. Ela sabe que é bonita.
“- A senhorita é instável”, diz a dona da agência, que lhe oferece um cargo no interior.
Percebemos que censura Célestine por sua insubmissão.
“- Prometo me comportar bem”, responde a moça, olhos baixos.
Por que será que ela muda tanto de emprego?
Em “flashback”, ela pensa na única boa lembrança de sua vida com patrões. Na Normandia:
“- Não lhe ofereço uma posição alegre...Bem sei...”, diz a senhora que a contrata para cuidar do neto doente.
Em “off”, ouvimos ela dizer:
“- Basta me falar com doçura e eu aceito tudo que me pedem”.
O jovem doente melhora a olhos vistos com a presença de Célestine, vestida de azul céu, na praia com ele.
“- Você nunca mais nos deixará, meu anjo”, diz a avó.
Mas a paixão que ela desperta nos homens pode ser fatal e Célestine, de luto, vai parar na casa de um homem que só a quer na cama.
Até uma dona de um bordel elegante a aborda na rua em Paris, convidando-a a ser uma das suas “privilegiadas”. Ela guarda o cartão na bolsa e chora em silêncio.
O novo emprego que ela aceita, no interior, não é diferente dos outros. O patrão a assedia, a patroa implica com ela, ela fica só no mundo porque sua mãe morreu e o vizinho estranho faz propostas indecentes.
E Célestine fica conhecendo melhor o misterioso Joseph (Vincent Lindon), o homem que trabalha como cocheiro e jardineiro na mesma casa em que ela é arrumadeira. Fascista, anti-semita, ladrão e talvez até coisa pior, ele diz a ela que são parecidos e que a deseja. E ela se agarra a ele como numa tábua de salvação.
Sua carência e ambição a controlam e ela o seguiria até o inferno.
Léa Seydoux, o centro do filme, interpreta seu papel com brilho, combinando mais com os salões burgueses do que com seu quartinho no sotão.
Mas “O Diário de uma Camareira” deixa uma impressão de superficialidade. Resta a beleza de Célestine, as paisagens francesas e a tarefa de pensar sobre os personagens e sentir que não foram aprofundados. 


quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Que Horas Ela Volta?


“Que Horas Ela Volta?”, Brasil, 2015
Direção: Anna Muylaert

“Que horas ela volta?” é uma pergunta feita por duas crianças no filme de Anna Muylaert. Acontece na primeira cena, onde Regina Casé (numa interpretação extraordinária), babá do menino de classe média alta, liga para a filha dela, que está longe e chora. O garoto pergunta pela mãe que trabalha fora:
“- Que horas ela volta?”
Val, a babá pernambucana, põe o menino no colo e o enche de beijos.
Na segunda vez, a pergunta é lembrada pela filha de Val, Jessica (Camila Márdila, ótima) que reclama por ter passado a infância vendo raramente a mãe e sempre fazendo a pergunta:
“Que horas ela volta?”
Ironicamente, é o dinheiro que Val manda para Recife que dá uma vida melhor para a filha.
Esse é um filme comovente. Mexe com nossos sentimentos porque faz lembrar a mãe ou a substituta dela. Tanto que, no exterior, o filme ganhou o título “Second Mother – Segunda Mãe”.
Val é aquela empregada devotada à família para a qual trabalha, a faz-tudo da casa e que adora Fabinho (Michel Joelsas), o único filho do casal.
O garoto é mimado pela empregada, que, certamente sente falta da filha e que é naturalmente maternal e atenta. Ela está sempre de braços abertos para ele, mesmo quando o adolescente, bem crescido, pede para dormir com ela e se aconchega feliz ao lado dela, na cama estreita do quartinho abafado.
A patroa (Karine Teles) é simpática mas desatenta com Val. Não a trata mal em nenhum momento, mas vê-se que a empregada é bem-vinda para trabalhar e fazer tudo que se pedir a ela. É sintomático desse jeito de ser, o modo com que dispensa, gentilmente, o presente de aniversário que ganhou de Val.
Mas tudo muda na casa do Morumbi quando chega Jessica, a filha de Val. Não se veem há dez anos e a menina se transformou numa jovem bonita.
Mas são duas gerações de brasileiras que foram educadas de maneira diferente. Val “conhece o seu lugar”sem que ninguém precise dizer isso para ela. Já Jessica, acha que a mãe é tratada como cidadã de segunda categoria e não quer isso para ela.
As duas nasceram em momentos diferentes do país.
Jessica participou de uma real ascensão das classes menos favorecidas. Estudou e veio para São Paulo para prestar o vestibular na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). A mesma escolhida por Fabinho, o “filho adotivo”de Val.
Articulada e segura de si, Jessica não se conforma com a fronteira que lhe é assinalada: “da porta da cozinha para lá”, como enfatiza a patroa, principalmente porque o patrão (Lourenço Mutarelli) está encantado com a garota.
Ela vai ser um elemento de mudança na vida da mãe.
O filme ganhou o Prêmio do Público no Festival de Berlim e o e melhor atriz para Regina Casé e Camila Márdila no Sundance Festival. Exibido em 22 países, teve excelentes críticas na Europa e Estados Unidos e está sendo falado como um forte candidato ao Oscar de melhor filme estrangeiro.
Anna Muylaert (“Durval Discos”2002 e “É Proibido Fumar”) acertou no roteiro e pediu para seus atores que recriassem suas falas, o que deu espontaneidade e verdade aos personagens.
O humor é um grande tempero para amaciar os temas amargos do filme. Mas lágrimas teimam em aparecer, principalmente no final antológico.