Direção: Cristian
Mungiu
Um cenário frio,
montanhoso, desprovido de maiores encantos. A luz de um sol pálido de inverno
mostra uma construção singela.
A câmara se aproxima e
estamos dentro de um convento de freiras ortodoxas, vestidas de preto, véus e
casquetes também negros. Trabalham na cozinha e pela conversa delas, fazem
comida para alimentar crianças do orfanato local.
A Romênia, recém saída de
um período negro de sua história, uma ditadura cruel do tirano Ceausescu, ganhou
muitas páginas da imprensa internacional que falava e mostrava os mal afamados
orfanatos, depósitos de crianças exploradas. Pois esse é o tema principal, o
foco de “Além das Montanhas”, do diretor romeno Cristian Mungiu.
O filme foi adaptado de
um romance baseado em fatos reais, escrito por Tatiana Niculescu, “Deadly
Confessions” de 2006 e ganhou o prêmio de melhor roteiro do último Festival de
Cannes, escrito pelo diretor Mungiu. As duas adolescentes, personagens
principais da história, que vieram de um desses orfanatos, interpretadas por
Cosmina Stratan e Cristina Flutur, deram às duas o prêmio compartilhado de
melhores atrizes do festival.
A submissa freirinha
Voichita, de olhos azuis transparentes, vai receber a visita de Alina, sua
antiga companheira de orfanato que fugira da Alemanha, adotada por uma família
em nada diferente das pessoas que exploravam as crianças órfãs, à sua mercê, na
época da ditadura.
Nesse orfanato onde
estiveram juntas no passado, tudo indica que se amaram como se fossem mãe e
filha, filha e mãe, um amor feminino e maternal, que uma dispensava à outra.
Alimentavam assim sua carência de sentimentos mais doces e reconfortantes. Uma
tinha apenas a outra para poder sobreviver naquele lugar
infernal.
Uma bela cena de
acalanto, na qual Voichita embala Alina no convento para que ela adormeça,
cantando uma cantiga de ninar, com a amiga em seu colo como se fosse um bebê,
fala tudo sobre esse sentimento de mútua dependência e necessidade de amor que
ambas continuavam a sentir. Nem o convento, nem a casa alemã tinham muito para
oferecer àquelas duas meninas carentes e maltratadas.
Mas Voichita, em sua fuga
do mundo, se entregara à religião ortodoxa, praticada naquele convento com
fanatismo. O Padre e a Madre Superiora eram tratados como “papai e mamãe” pela
freirinha que deslocara assim suas necessidades de afeto para a submissão e
obediência cega.
Alina é um peixe fora
d’água nesse ambiente severo e cheio de regras seguidas estritamente por todos
ali. Aterrorizados pelo pecado, não percebiam que os demônios rondavam, tentando
com a rigidez fanática, aqueles corações perturbados.
E o ato final do horror é
praticado por aqueles que diziam amar a Deus.
Por amor a Alina, uma
extraviada Voichita ajuda as outras freiras e o padre no exorcismo do demônio
que creem habitar a mocinha. Praticam o ritual cruel em nome de um amor
equivocado.
“Além das Montanhas” é um
filme que nos esmaga o coração enquanto nos tortura. Cria-se uma total
identificação com as vítimas na tela.
Sem dó nem piedade, o
fanatismo impera onde o amor deveria tudo perdoar e
compreender.
Infelizmente, a Idade
Média com suas trevas, convive na Romênia com o século XXI.
Inacreditável.
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