Direção: Raul Ruiz (1941-2011)
Ver o filme “Mistérios de Lisboa” é como entrar numa máquina do
tempo e voltar a Portugal no século XIX.
Em um redemoinho de imagens preciosas, ficamos conhecendo
histórias rocambolescas de filhos ilegítimos, amantes secretos, casamentos de
fachada, padres com passado enigmático, freis que se encerram em conventos para
se mortificar de uma vida de libertino, cartas perdidas, amores incendiários e
tudo que a natureza humana esconde quando é reprimida.
Dirigido pelo chileno Raul Ruiz, que morava em Paris e lá morreu
em agosto do ano passado com 70 anos, “Mistérios de Lisboa” foi aclamado em
festivais do mundo inteiro.
Passou na última Mostra de Cinema de SP para uma plateia
estrelada, onde se viam desde atores globais a autores de renome, até quase toda
a inteligência paulista. Todos em silêncio interessado durante as quase 5 horas
do filme.
Inspirado no romance homônimo de 1854, de Camilo Castelo Branco,
escritor português que nasceu em 1825 e suicidou-se em 1890, “Mistérios de
Lisboa” é um painel, com tintas de novela, da história e da vida sentimental
portuguesa. Dá conta de metade do século XIX e visita o XVIII, extrapolando o
tempo e nacionalidades, para mostrar o coração humano que sempre vai chorar
amores proibidos e contrariados ou a ausência dele na frivolidade e frieza da
vida de certos seres humanos.
O filme começa mostrando ladrilhos portugueses que vão sugerindo a
história, antes mesmo que ela seja contada. Assim, uma arara presencia uma
conversa num salão, uma gôndola em Veneza leva um casal romântico, um
fuzilamento envolve um pelotão de soldados e prisioneiros de guerra, uma casa
arde em chamas.
E o narrador assim começa a história:
“Eu tinha 14 anos e não sabia quem eu era... Todos os meninos
tinham sobrenomes, férias, passeios e presentes. Eu,
não.”
No internato, “João” descobre que era, na verdade, filho de uma
Condessa, infeliz no casamento, chama-se Pedro da Silva e Padre Dinis, seu
protetor, que o menino sempre pensara que era seu pai, vivera várias identidades
na vida e guardava enigmas que mudarão sua posição no
mundo.
A fotografia deslumbrante de André Skankowski realça os belíssimos
figurinos e cenários de Isabel Branco.
E a câmara dança em torno aos personagens, não se mantendo
estática, como se pudesse ajudar a desvendar mistérios, através de seus ângulos
originais.
De vez em quando percebe-se uma nota dissonante, um algo que não
se encaixa. É a assinatura de Raul Ruiz.
No elenco de atores portugueses e franceses destacam-se Lea
Seydoux, como a vingativa Blanche de Montfort e a bela Maria João Bastos que faz
a mãe de Pedro, vivido na infância por um comovente João Luis Arrais e Adriano
Luz que faz Padre Dinis.
O próprio Raul Ruiz, comentando seu filme,
disse:
“- Busco criar emoção, por isso apostei num filme que tem espaço
para respirar e pensar.”
Se você gosta disso, corra para ver “Mistérios de
Lisboa”.
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