“A Vida Invisível”- “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”,
Brasil, Alemanha, 2019
Direção: Karim Ainouz
A perda do paraíso. Mal sabem as irmãs Guida e Eurídice, que
se amam, que tudo aquilo será só uma lembrança triste. O Rio, Corcovado,
Redentor, Pão de Açúcar, ali só para os olhos delas. E os ouvidos escutam o
canto dos pássaros, o barulho das ondas e a algazarra dos micos na floresta. As
duas sentadas nas pedras frente ao mar.
“- Vamos. Vai chover. ”
Sobem a encosta abandonando o mar mas logo Eurídice (Carol
Duarte) perde Guida (Julia Stockler) de vista:
“ - Guida! Cadê você? ”
E ouvimos a voz de Guida responder lá do futuro:
“ - Você me disse vai, Eurídice. Você sempre teve as piores
ideias. E eu te dei corda. Por que eu fui? Tinha que ter me trancado no quarto
e engolido a chave. ”
Do que fala Guida?
O sonho de Eurídice era seu piano. Queria ir estudar no
conservatório de Viena. Já Guida queria sair e festejar. Encontrar Yargos, o
marinheiro do navio grego e partir. Ingênua, acreditava que ele ia casar-se com
ela e Eurídice acobertava, preocupada, suas fugas noturnas.
Ao longo do filme vamos ver as irmãs perderem seus sonhos e
sua ingenuidade. Vidas separadas, imaginando-se distantes. E sofremos com as
cartas de Guida para Eurídice, que nunca tinham resposta. Ouvimos Guida
implorando para a mãe que, se estivesse lendo a carta, que a mandasse para
Viena. Depois, decepcionada, imaginando que talvez as cartas nunca tivessem
sido enviadas para a Europa, onde a irmã certamente levava uma vida maravilhosa
de concertista, Guida se cala.
Não foi por falta de Eurídice procurar a irmã que elas nunca
mais se encontraram. O preconceito com o filho sem pai de Guida as separou. O
castigo de Guida foi também o castigo de Eurídice. Um mundo machista e misógino
impediria a aproximação das duas para sempre.
Karim Ainouz nos leva a seguir a vida das duas irmãs desde
os anos 50, fazendo mergulharmos num mundo sufocante e em tudo dramático para
aquelas mulheres que perderam seus sonhos mas ainda assim resistem, lutadoras.
E, se no princípio o Rio é uma cidade que se mistura com a
floresta, com casas antigas e ruelas, cores intensas e meio borradas, como se
as cenas fossem quadros, vai depois caminhando para menos sonho e mais
realidade, com cores menos berrantes e foco.
Inspirado no romance de Martha Batalha, produzido pelo
brasileiro de Hollywood, Rodrigo Teixeira, “A Vida Invisível” ganhou o prêmio
de melhor filme da Mostra “Un Certain Régard” no último Festival de Cannes, com
as cenas finais emocionantes a cargo da estrela maior, Fernanda Montenegro.
Agora espera a lista dos cinco filmes estrangeiros que irão
concorrer ao Oscar. Se não ganhar, de qualquer forma ganha o Brasil mais um
filme precioso. Aplausos para o talento de Karim Ainouz, que já nos deu “Madame
Satã” 2002, “O Céu de Suely” 2006 e “Praia do Futuro” 2014.
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