quarta-feira, 20 de novembro de 2019

A Vida Invisível



“A Vida Invisível”- “The Invisible Life of Eurídice Gusmão”, Brasil, Alemanha, 2019
Direção: Karim Ainouz

A perda do paraíso. Mal sabem as irmãs Guida e Eurídice, que se amam, que tudo aquilo será só uma lembrança triste. O Rio, Corcovado, Redentor, Pão de Açúcar, ali só para os olhos delas. E os ouvidos escutam o canto dos pássaros, o barulho das ondas e a algazarra dos micos na floresta. As duas sentadas nas pedras frente ao mar.
“- Vamos. Vai chover. ”
Sobem a encosta abandonando o mar mas logo Eurídice (Carol Duarte) perde Guida (Julia Stockler) de vista:
“ - Guida! Cadê você? ”
E ouvimos a voz de Guida responder lá do futuro:
“ - Você me disse vai, Eurídice. Você sempre teve as piores ideias. E eu te dei corda. Por que eu fui? Tinha que ter me trancado no quarto e engolido a chave. ”
Do que fala Guida?
O sonho de Eurídice era seu piano. Queria ir estudar no conservatório de Viena. Já Guida queria sair e festejar. Encontrar Yargos, o marinheiro do navio grego e partir. Ingênua, acreditava que ele ia casar-se com ela e Eurídice acobertava, preocupada, suas fugas noturnas.
Ao longo do filme vamos ver as irmãs perderem seus sonhos e sua ingenuidade. Vidas separadas, imaginando-se distantes. E sofremos com as cartas de Guida para Eurídice, que nunca tinham resposta. Ouvimos Guida implorando para a mãe que, se estivesse lendo a carta, que a mandasse para Viena. Depois, decepcionada, imaginando que talvez as cartas nunca tivessem sido enviadas para a Europa, onde a irmã certamente levava uma vida maravilhosa de concertista, Guida se cala.
Não foi por falta de Eurídice procurar a irmã que elas nunca mais se encontraram. O preconceito com o filho sem pai de Guida as separou. O castigo de Guida foi também o castigo de Eurídice. Um mundo machista e misógino impediria a aproximação das duas para sempre.
Karim Ainouz nos leva a seguir a vida das duas irmãs desde os anos 50, fazendo mergulharmos num mundo sufocante e em tudo dramático para aquelas mulheres que perderam seus sonhos mas ainda assim resistem, lutadoras.
E, se no princípio o Rio é uma cidade que se mistura com a floresta, com casas antigas e ruelas, cores intensas e meio borradas, como se as cenas fossem quadros, vai depois caminhando para menos sonho e mais realidade, com cores menos berrantes e foco.
Inspirado no romance de Martha Batalha, produzido pelo brasileiro de Hollywood, Rodrigo Teixeira, “A Vida Invisível” ganhou o prêmio de melhor filme da Mostra “Un Certain Régard” no último Festival de Cannes, com as cenas finais emocionantes a cargo da estrela maior, Fernanda Montenegro.
Agora espera a lista dos cinco filmes estrangeiros que irão concorrer ao Oscar. Se não ganhar, de qualquer forma ganha o Brasil mais um filme precioso. Aplausos para o talento de Karim Ainouz, que já nos deu “Madame Satã” 2002, “O Céu de Suely” 2006 e “Praia do Futuro” 2014.

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