“Border”-
“Grans”, Suécia, Dinamarca, 2018
Direção:
Ali Abbasi
Estranhamento,
repulsa, desconforto. É o que as pessoas geralmente sentem quando confrontadas
com outro ser humano diferente delas mesmas. A polidez social manda que façamos
de conta que não estamos perturbados. Apenas desviamos o olhar, seja da
incapacidade, seja da deformação.
“Border” é
uma fábula sobre esse fato que reconhecemos em nós mesmos. Vamos encontrar
Tina, uma agente de alfândega (interpretada por Eva Melander, atriz
fantástica), que no mínimo, é muito feia. Seu rosto de testa larga e curta, a
pele grossa e com cicatrizes, o cabelo hirsuto e a expressão estranha, sempre
com a boca aberta mostrando dentes grandes e amarelos, causa repulsa.
Ela parece
um ser selvagem, saído de uma fotografia antiga ou desenho, mas não existente
no mundo real. Diga-se de passagem que o trabalho de maquiagem é excepcional.
E, no
entanto, ela é uma agente alfandegária indispensável naquele porto onde atracam
navios e balsas vindas de outros países, trazendo toda sorte de passageiros.
Tina funciona como um detector de coisas proibidas nas malas que eles trazem
consigo. Mais, sabe quem tem um sentimento de culpa, raiva ou qualquer outro
sentir inadequado. Seu nariz capta tudo isso com facilidade.
Tina vive
numa casa na floresta próxima com um companheiro com quem parece não se dar
bem. E é hostilizada pelos cães dele que vivem presos num canil ao lado da
casa.
Assim que
chega do trabalho, descalça, corre para a floresta onde finalmente se sente em
casa. Raposas e alces não se assustam com a sua presença. Lá ela está livre de
olhares hostis.
Um certo
dia, um homem estranhamente parecido com Tina passa pelo posto que ela ocupa.
Ela sente algo indefinível nele. Seu faro não sabe distinguir o que é que ela
não está identificando em Vore (Eero Milonoff).
Claro que
se reencontram e Vore parece libertar Tina da sensação de ser um monstro,
porque ele conta para ela quem ela é. Pertencem os dois a um mesmo povo e ele a
convida para se juntar a eles.
A cena de
sexo entre os dois é curiosa e estranha para quem só acha normal o que conhece.
E mais não
digo porque o espectador precisa ver para crer nas surpresas que o diretor Ali
Abbasi, de origem iraniana, preparou na tela, inspirado pela história escrita e
adaptada para o cinema por John Ajvide Lindquist, o mesmo autor do roteiro de
“Deixa ela Entrar”.
Qual a
fronteira que define o que é ser humano? Essa é a questão central do filme, que
remete à empatia com o diferente e à pluralidade de gêneros.
Se você
quer ver um filme criativo e estranho mas com uma mensagem contemporânea, não
perca “Border”, que encantou a plateia do mais recente Festival de Cannes, onde
ganhou o prêmio da Mostra “Un Certain Regard”.
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