“Você Nunca Esteve Realmente Aqui”- “You Were Never Really
Here”, Reino Unido, França, Estados Unidos, 2017
Direção: Linne Ramsay
Um mau presságio vai se anunciando aos poucos. Sentimos a
tensão começar a chegar com aquele menino desfocado pela câmera que repete:
“- Preciso melhorar...” respondendo a uma voz masculina, de
comando e ameaçadora:
“- Você precisa melhorar. ”
As imagens que inundam a tela não são nítidas mas vemos uma
menina japonesa numa delas e alguém põe fogo na polaróide.
Uma mão limpa um martelo. Sangue na privada. Estamos num
quarto de hotel. Em cima da cama estão coisas, entre elas um colar com o nome
“Sandy”. Tudo é recolhido para um saco de lixo. Que logo será jogado no lixo do
carrinho abandonado da arrumadeira no corredor.
Um homem de casaco com capuz sai de uma escada que dá na
rua. Ouve-se um alarme. Sirenes de carro de polícia.
No beco, um outro homem ataca o que saiu do hotel. Mas ele
se defende com um soco certeiro e deixa o outro curvado sobre si mesmo,
vomitando.
Para um taxi e diz: “Aeroporto”. O taxista negro cantarola
uma canção.
Depois vemos o homem num telefone público: “Está feito”.
Quando ele entra num outro beco e abre uma porta com uma
chave, esperamos que mais violência aconteça. Mas não. Joe, assassino de
aluguel, especializado em resgatar garotas sequestradas para o comércio do
sexo, mora com a mãe (Judith Roberts, ótima).
Joaquim Phoenix, prêmio de melhor ator em Cannes 2018, por
esse papel, interpreta um homem de poucas palavras, eficiente, silencioso até
quando mata. E quase não vemos a violência mas seus estragos.
Ele lutou numa das guerras em países distantes e a imagem de
um pé descalço na areia, o persegue. Aliás ele é atormentado por lembranças,
impedidas de vir completamente, à consciência. São flashes, cores, sons. Quase
flutuam e afundam como pedras na água.
Muitas vezes ouvimos uma voz fazendo uma contagem
regressiva. Sentimos que algo está prestes a explodir. Algo tão contido e
represado que dá medo.
Outras vezes parece que ele quer morrer. Sufocamentos em
sacos plásticos, quase se joga na frente do trem do metrô, olha perigosamente
para baixo de grandes alturas, enfia uma faca na boca aberta.
Mas há momentos de sanidade e empatia com a mãe, com a
menina que ele tira do bordel muito drogada ou quando cantarola uma canção
apertando a mão do homem que vai morrer.
E há o ritual no lago, com pedras nos bolsos para afundar
junto ao corpo que carrega com delicadeza. Imagens tocantes e poéticas.
A diretora escocesa Linne Ramsay ganhou o prêmio de melhor
roteiro também em Cannes 2018. Adaptou para o cinema, com muito talento, o
livro de Jonathan Ames. Ela é conhecida entre nós por um único filme dos seus
quatro longas. “Precisamos Falar Sobre Kevin”, uma obra prima sobre uma mãe
(Tilda Swinton) que pressente a violência e a perversidade natas no filho.
A trilha sonora de Jonni Greenwood ajuda a criar o clima ora
atordoante, ora um som surdo, ora canções antigas. E a tela se pinta de cores
coloridas e imagens vistas passando com velocidade.
O que é real? O que é alucinação? Essa é a resposta que não
temos. A cabeça de Joe é um pandemônio.
Saímos do cinema atordoados mas também surpresos com o
talento de Joaquim Phoenix e a enigmática loucura criada por Linne Ramsay. Algo único e que
estimula reflexões.
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