quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Memórias Secretas




“Memórias Secretas”- “Remember”, Canadá, Alemanha, México, África do Sul
Direção: Atom Egoyan

O Holocausto é um marco odioso da história da humanidade. Sobreviver ao Holocausto e viver com a memória do que se viu, do medo terrível que se sentiu e relembrar a perda de entes queridos, fazem da vida algo penoso.
Foi o que aconteceu a Max, um judeu idoso que vê Zev e Ruth chegarem na casa de repouso onde ele mora há muito tempo.
Max (Martin Landau) tinha reconhecido Zev (Christopher Plummer) assim que o vira. Tinham estado juntos no campo de concentração de Auschwitz.
Ruth, mulher de Zev, não resistiu à terrível doença que sofria, já terminal, quando chegou na casa. Quando ela morreu, Zev, que sofria de demência senil, e que a amava muito, procurava por ela todas as manhãs. E era algo triste ter que dar a notícia da morte dela ao marido que já tinha esquecido de que ela havia partido.
Passados os dias de rezas por Ruth, Max chama Zev no seu quarto e cobra o que ele lhe prometera quando conversaram sobre o assunto Auschwitz. Era preciso punir com a morte o homem que matara a família de Max. E Zev concordava porque sabia bem do que se tratava. Ele também matara a família de Zev.
Max, confinado a uma cadeira de rodas e atado a um reservatório de oxigênio, precisava do outro para que a vingança fosse bem executada.
Sabendo da demência e de como Zev esquecia de tudo, Max preparara uma carta onde explicava, item por item, o que Zev deveria fazer. Havia feito também reservas em hotéis e providenciado carros para os traslados.
E claro, dinheiro em espécie para os gastos necessários.
Quando Zev consegue fugir da casa de repouso e pega o trem estipulado na passagem já comprada por Max, este, sentado em seu quarto e perto do telefone, segurava a ansiedade de saber o que estava acontecendo. Porque nessa viagem Zev vai tentar achar o nazista odiado e vingar a família dos dois.
“Remember”, o título original em inglês, traduz melhor o ponto central do filme. Levamos um susto no final surpreendente.
O roteiro, escrito por um novato, Benjamin August e a direção segura, sem malabarismos de Atom Egoyan, nascido no Egito e radicado no Canadá, acrescentam ainda mais brilho à interpretação de Christopher Plummer, um ator que sabe convencer em todos os personagens que interpreta. O olhar vazio, a preocupação com a arma comprada ao longo da viagem e a persistência em conseguir o seu objetivo, nos envolvem com o personagem, em quem ficamos pensando depois de ver o filme. Excelente.


sábado, 25 de agosto de 2018

Gauguin - Viagem ao Taiti



“Gauguin - Viagem ao Taiti”- “Gauguin – Voyage de Tahiti”, 2017
Direção: Edouard Deluc

Quando pensamos que um dos quadros mais famosos de Paul Guauguin (1948-1903), “Nafea Faa Ipoipo” de 1892, época de sua primeira viagem ao Taiti, foi vendido por 300 milhões de dólares em 2015, o filme que conta essa época de sua vida, chama nossa atenção.
E, no entanto, quando o segundo longa de Edouard Deluc começa em Paris, 1891, ninguém se interessava pelas pinturas dele.
Aborrecido, sempre pressionado pela falta de dinheiro, Gauguin sonha com o Taiti. E diz aos amigos:
“- Precisamos partir. No Taiti ninguém precisa de dinheiro. E podemos caçar, pescar e pintar, pintar, pintar. O mais importante. ”
“- Mas a Polinésia Francesa é longe... Viagem arriscada...”
“- Não quero pintar nada daqui. Tudo é sujo e feio ”, retruca ele.
Paul Gauguin, que tinha uns 40 anos, idealizava a terra distante e selvagem, as ilhas cercadas pelo mar de diferentes azuis, como sendo um paraíso terrestre. Mas só ele partilha dessa opinião. Sua mulher não quer acompanhá-lo nessa viagem, nem seus cinco filhos que a mãe quer ver estudando e se formando.
E ele vai só. De certa maneira tinha razão. Lá ele encontra sua musa Tehua (Tuhei Adams, ótima atriz mas mais velha que a personagem real), bela adolescente onipresente nas telas desse período.
Mas também se depara com o seu inferno. Sofre um infarto, adoece com tuberculose, não consegue sobreviver dignamente porque não vende seus quadros (nem os que manda para a Europa), sua esposa Mitte pede o divórcio e ele se consome de ciúmes de Tehura, com quem tem um casamento temporário. E tem que trabalhar pesado, descarregando cargas de navios.
Vincent Cassel, ator competente, faz um Gauguin angustiado, sofrido, sempre à procura de algo inatingível. Só parece feliz quando está concentrado pintando Tahua que posa para ele.
Homem de seu tempo, ele trata a “maori” como se fosse sua posse. Quando as telas acabam, ele usa sacos de aniagem.
Tanto em Paris quanto no Taiti, a miséria o persegue. Numa das cartas que escreve para sua mulher Mette ele declara: “Sou uma criança e um selvagem. Sua família não entende o que é ser artista. Sei que sou um grande artista e preciso viver assim. Senão seria uma farsa. Um dia nossos filhos irão se orgulhar do nome que levam. ”
Paul Gauguin teve que ser repatriado como indigente e doente em 1893. Ele voltou ao Taiti mas nunca mais reviu Tehura. Morreu pobre e só em 1903.
Tinha 55 anos.


terça-feira, 21 de agosto de 2018

O Protetor 2




“O Protetor 2”-“The Equalizer 2”, Estados Unidos, 2018
Direção: Antoine Fuqua

Raramente vejo filmes de ação. Mas o nome de Denzel Washington foi o atrativo que me levou ao cinema. Não vi o primeiro, que está no Netflix, mas não fez falta para entender a história.
A abertura é fascinante. Um trem na noite de uma lua quase cheia, atravessa a montanhas da Turquia. Dentro, passageiros dormem e o nosso homem, disfarçado de muçulmano, com roupas locais, barrete e barba, procura o bar. Sujeitos mal encarados estão à mesa. E logo há uma luta feroz. E o Protetor faz o trabalho quase sem barulho. Dessa vez, a dona da livraria em Boston, onde ele é freguês, recebe sua filha pequena de volta de um sequestro, sem um arranhão sequer. Ele, anônimo.
Denzel Washington é Robert McCall, sexagenário em forma, ex agente da CIA, que não aposentou seu senso de justiça. Dirige um táxi, de olho nos maus elementos que cruzam o seu caminho. Perdeu sua mulher no primeiro filme, sente saudades dela e agora mora só, num condomínio em Boston, que abriga pessoas de minorias.
Quando um grafite aparece na parede de tijolos que cerca o pátio, onde uma horta comunitária floresce, o rapazinho negro que estuda artes é convocado, de um jeito inteligente, para recuperar a parede.
McCall faz a presença de pai na vida do garoto (Ashton Sanders de “Moonlight”) que vai ser um dos temas do filme. Com sua presença carismática, Denzel Washington não apenas sabe bater e matar, mas seus sermões tiram o jovem do mau caminho.
O personagem não é apenas um justiceiro entrado em anos. Aliás ele não procura encrenca. Ele defende aqueles que não tem a quem recorrer.
Há uma bondade em McCall que o ator expressa com timidez e simpatia. Assim, cuida da moça drogada e ferida, abusada por executivos jovens que mal sabem o que os espera. E leva no seu táxi em troca de moedas um velhinho judeu, sobrevivente do Holocausto. Os dois conversam sempre no banco à beira mar.
Quando sua ex chefe e melhor amiga, Susan Plummer (Melissa Leo) é vítima de uma emboscada, o Protetor vai atrás de uma vingança metódica e completa. Um faroeste numa cidadezinha evacuada por causa de um furacão rende cenas originais.
O diretor Antoine Fuqua esbanja talento coreografando as lutas e perseguições. Talvez a melhor seja a que acontece dentro do táxi. Surpreendente.
Certamente haverá uma sequência. Um herói calmo, leitor de livros sofisticados e defensor de minorias, seria necessário num mundo como o de hoje onde os maus que atacam os indefesos são raramente castigados.
E para McCall os anos são até uma vantagem, já que são traduzidos em experiência. A plateia mais velha agradece esse estimulo.


sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A Troca de Rainhas




“Troca de Rainhas”- “L’échange des Princesses”, França, Bélgica, 2017
Direção: Marc Dugain

Estamos em 1721. França e Espanha são reinos exauridos em conflitos por muitos anos. A paz era necessária para que a vida retomasse seu curso.
O regente da França, Philippe D’Orléans (Olivier Gourmet), lança mão de uma ideia que já se mostrara eficaz em outros casos. Sugere o casamento dos herdeiros dos dois reinos, Louis XV (Igor van Dessel) de 11 anos, da França com a princesa Anna Maria Victoria (Juliane Lepoureau) de 4 anos, da Espanha e Luis I (Kacey Mottet Klein) de 14, da Espanha, com a sua própria filha, Louise-Elizabeth (Anamaria Vertolomei) de 12 anos.
Uma troca de princesas, como foi conhecido o fato histórico.
E claro que tudo isso acontece à revelia das crianças reais, que só tinham que obedecer. Afinal, eram criados para isso. Sua nobreza servia ao reino e a vontade própria era algo impensável. Crianças marionetes, num mundo de ambições adultas.
Tudo parece correr bem na Espanha quando o rei Felipe V (Lambert Wilson) dá a notícia a seus filhos. Neto de Louis XIV, parecia natural casar a pequena Anna Maria Victoria, sua filha, com seu primo, o futuro rei Louis XV. A menina tem apenas 4 anos (no filme é interpretada por uma atriz de 6 anos) mas a ela agrada a ideia de um dia vir a ser rainha da França. Mas veremos como Louis XV, adolescente cercado de amigos homens, é influenciável e não presta atenção digna à futura esposa. Não retribui a seu afeto.
Já a filha do regente da França, conhecida como Mademoiselle Montpensier, não parece nada feliz com  seu casamento com o futuro rei da Espanha, já dedicado a ela. Parece detestar o futuro marido.
No filme, vemos a bela noiva de Luis I, que vai ser rainha da Espanha, divertir-se mais com suas damas de companhia do que com a presença do marido. A tragédia vai se incumbir de acabar com o casamento.
A troca de princesas não funcionou como se pensava.
O filme, baseado no livro de Chantal Thomas e dirigido pelo diretor senegalês Marc Dugain, é um prazer para os olhos. A produção de arte soube criar climas de sonho como na noite da troca das princesas, na fronteira da França e Espanha, marcada por um rio, na ilha dos Faisões. Luzes de tochas e velas fazem a noite mais clara do que com a lua cheia. O rio está iluminado e o barco real, que traz uma princesa e leva a outra, ricamente adornado. Nas encostas, lacaios de libré seguram tochas para clarear o caminho das princesas.
Os figurinos são um capítulo à parte. Tanto as princesas como os jovens reis se vestem com ricos tecidos enfeitados com pérolas e ouro.
Em Versalhes, os arranjos de peônias e plumas surpreendem e outros detalhes estéticos dão vontade de ver o filme de novo. Assim, os jardins de Le Nôtre, o espelho d’água com um barco a remo precioso, os cisnes brancos no lago, os bosques no outono combinando com o vestido vermelho e dourado e a monumental escadaria de mármores coloridos de Versalhes.
Tudo é uma festa para os olhos.
Mas o clima é de tristeza e decepção. Os casamentos fracassaram ou por nem ter chegado a acontecer ou pela presença de doenças mortais que encurtavam a vida das pessoas, tanto plebeias como reais. A expectativa de vida naquele tempo não ultrapassava os 35 anos.
“Troca de Rainhas” é um belo filme histórico com ideias e charme.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A Sociedade Literária e a torta de casca de batata



“A Sociedade Literária e a torta de casca de batata”- “The Guernsey Literary and Potato Peel Pie Society”, Reino Unido, Estados Unidos, 2018
Direção: Mike Newell

Numa noite estrelada, na ilha de Guernsey em 1941, no Canal da Mancha, sob ocupação alemã, quatro amigos voltam de um jantar. Enquanto Ben, o mais velho (Tom Courtenay), reclama aos gritos sobre a torta de casca de batata que pesa em seu estomago, os demais, trôpegos, se assustam ao deparar com uma patrulha alemã. E o toque de recolher? Tentam explicar mas é Elizabeth McKenna (Jessica Brown Findlay) que tem a ideia de dizer que voltam de uma reunião da Sociedade Literária...e a torta de casca de batata, que Ben insiste em proclamar, vomitando sobre o horrorizado oficial alemão.
Em Londres, já acabada a guerra, em 1946, Juliet Ashton (Lily James), recebe uma carta vinda de Guernsey, de um fazendeiro local, Dawsey Adams (Michiel Huisman) que encontrara o endereço dela em um livro, perguntando onde poderia comprar os contos de Shakespeare. Ele conta para ela sobre a Sociedade Literária e a torta de casca de batata e da história de sua invenção.
Juliet, que recebera um convite do jornal “London Times” para escrever um artigo sobre leitura, tem a ideia de visitar Guernsey e conhecer os membros da Sociedade. Pretende escrever sobre eles e de como lidaram com a ocupação alemã.
A bela escritora tem um apaixonado, um oficial americano, que pretende casar-se com ela. Mas vai para a ilha, prometendo voltar logo.
Mal sabe ela que muitas aventuras a esperam na ilha verdejante cercada por um mar de vários tons de azul, com falésias altas e baias calmas, casas de pedra em ladeiras íngremes e habitantes locais interessantes.
Segredos bem guardados, passeios pela ilha com o fazendeiro bonitão e buscas nos arquivos da cidade, não vão deixar Juliet voltar para Londres tão cedo.
O filme é dirigido pelo britânico Mark Newell de “Quatro Casamentos e um Funeral” e a história é adaptada do livro de Annie Borrows e Mary Ann Shafer, publicado aqui pela Rocco.
A ilha de Guernsey tem uma bela luz e paisagens lindas que valorizam essa nova produção da NETFLIX. Não perca!


segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Você Nunca Esteve Realmente Aqui




“Você Nunca Esteve Realmente Aqui”- “You Were Never Really Here”, Reino Unido, França, Estados Unidos, 2017
Direção: Linne Ramsay

Um mau presságio vai se anunciando aos poucos. Sentimos a tensão começar a chegar com aquele menino desfocado pela câmera que repete:
“- Preciso melhorar...” respondendo a uma voz masculina, de comando e ameaçadora:
“- Você precisa melhorar. ”
As imagens que inundam a tela não são nítidas mas vemos uma menina japonesa numa delas e alguém põe fogo na polaróide.
Uma mão limpa um martelo. Sangue na privada. Estamos num quarto de hotel. Em cima da cama estão coisas, entre elas um colar com o nome “Sandy”. Tudo é recolhido para um saco de lixo. Que logo será jogado no lixo do carrinho abandonado da arrumadeira no corredor.
Um homem de casaco com capuz sai de uma escada que dá na rua. Ouve-se um alarme. Sirenes de carro de polícia.
No beco, um outro homem ataca o que saiu do hotel. Mas ele se defende com um soco certeiro e deixa o outro curvado sobre si mesmo, vomitando.
Para um taxi e diz: “Aeroporto”. O taxista negro cantarola uma canção.
Depois vemos o homem num telefone público: “Está feito”.
Quando ele entra num outro beco e abre uma porta com uma chave, esperamos que mais violência aconteça. Mas não. Joe, assassino de aluguel, especializado em resgatar garotas sequestradas para o comércio do sexo, mora com a mãe (Judith Roberts, ótima).
Joaquim Phoenix, prêmio de melhor ator em Cannes 2018, por esse papel, interpreta um homem de poucas palavras, eficiente, silencioso até quando mata. E quase não vemos a violência mas seus estragos.
Ele lutou numa das guerras em países distantes e a imagem de um pé descalço na areia, o persegue. Aliás ele é atormentado por lembranças, impedidas de vir completamente, à consciência. São flashes, cores, sons. Quase flutuam e afundam como pedras na água.
Muitas vezes ouvimos uma voz fazendo uma contagem regressiva. Sentimos que algo está prestes a explodir. Algo tão contido e represado que dá medo.
Outras vezes parece que ele quer morrer. Sufocamentos em sacos plásticos, quase se joga na frente do trem do metrô, olha perigosamente para baixo de grandes alturas, enfia uma faca na boca aberta.
Mas há momentos de sanidade e empatia com a mãe, com a menina que ele tira do bordel muito drogada ou quando cantarola uma canção apertando a mão do homem que vai morrer.
E há o ritual no lago, com pedras nos bolsos para afundar junto ao corpo que carrega com delicadeza. Imagens tocantes e poéticas.
A diretora escocesa Linne Ramsay ganhou o prêmio de melhor roteiro também em Cannes 2018. Adaptou para o cinema, com muito talento, o livro de Jonathan Ames. Ela é conhecida entre nós por um único filme dos seus quatro longas. “Precisamos Falar Sobre Kevin”, uma obra prima sobre uma mãe (Tilda Swinton) que pressente a violência e a perversidade natas no filho.
A trilha sonora de Jonni Greenwood ajuda a criar o clima ora atordoante, ora um som surdo, ora canções antigas. E a tela se pinta de cores coloridas e imagens vistas passando com velocidade.
O que é real? O que é alucinação? Essa é a resposta que não temos. A cabeça de Joe é um pandemônio.
Saímos do cinema atordoados mas também surpresos com o talento de Joaquim Phoenix e a enigmática loucura criada por Linne Ramsay. Algo único e que estimula reflexões.

sábado, 11 de agosto de 2018

Vidas à Deriva



“Vidas à Deriva”- “Adrift”, Estados Unidos, 2018
Direção: Baltasar Kormákur

Mal dá para acreditar que estamos vendo uma história real. Porque o filme já começa em meio ao pesadelo de um veleiro perdido num mar cinza e bravo, com ondas chacoalhando tudo e água dentro do barco.
Ela (Shailene Woodley) luta para ficar em pé entre coisas que flutuam na água onde está mergulhada. Madeiras rangem fazendo um ruído ameaçador.
“- Richard! ”, ela grita desesperada. Mas só o rugir das ondas responde.
Tami luta contra a escotilha que a tranca no interior do veleiro. Com muito custo ela consegue sair. Ondas invadem o deck e o barco está ao sabor de um mar ainda bravo. Ela olha em todas as direções mas não vê ninguém. Onde está ele?
Há um flashback e voltamos para 1983, seis meses antes.
Tami saiu de casa com 16 anos e uma mochila nas costas. Morava em San Diego, Califórnia, com os avós e a mãe, que a tivera aos 15 anos. O pai hostilizado pela família dela, tinha parado de vir vê-la. Ela resolve sair pelo mundo.
E aos 24 anos, loura e bela, na Polinésia francesa, pega ondas, surfando sem medo e com prazer. Ali, um paraíso terrestre, cercado de um mar azul transparente  e praias brancas protegidas por recifes de coral, ela conhece Richard (Sam Caflin) , um rapaz inglês de 33 anos. Ele tem um veleiro, o Mayaluga (aquele que atravessa o horizonte) e é amor à primeira vista.
Durante o jantar naquela mesma noite, eles trocam confidências e olhares ternos.
“- Como é navegar só? ”, pergunta ela.
“- É horrível. Ou você está com frio, ou queimado, sempre molhado, com fome e depois de alguns dias começam as alucinações. ”
“- Mas se não é divertido por que você navega só? ”
“- É um sentimento que não consigo descrever. Intenso. O horizonte infinito. Começa assim e depois me sinto renascer. Quer vir comigo? ”
E os dois estão em pleno romance quando aparece um convite para levar um veleiro para San Diego, com um bom pagamento e passagens de volta de primeira classe. Eles topam a aventura.
Mal sabem que os espera uma grande tormenta em alto mar. O furacão Raymond, de força 4, espreita atrás do por do sol vermelho. E vai ser o pior dos pesadelos.
Tami encontra forças em si mesma que não suspeitava que existiam. E depois de ficar só por alguns dias, pedindo socorro pelo rádio surdo e mudo e procurando Richard com binóculos, encontra o amor de sua vida, muito ferido.
Consegue trazê-lo para o veleiro mas é ela que tem que fazer tudo a bordo. Ele não consegue se mexer.
O barco vai ficar 41 dias à deriva antes de acontecer o milagre da terra firme.
“Vidas à Deriva”, baseado no livro da protagonista e produzido pela atriz que a interpreta, é um belo filme emocionante que conta uma aventura perigosa da vida real, mostrando que vale a pena enfrentar a quase morte e sobreviver.
Poderia ser apenas mais um filme de superação mas não é. E isso graças ao talento dos atores e do diretor islandês, Baltasar Kormákur, 51 anos, que conseguiu filmar cenas difíceis e poéticas com maestria.

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Ilha dos Cachorros




“Ilha dos Cachorros”- “Isle of Dogs”, Estados Unidos, 2018
Direção: Wes Anderson

O diretor de “Ilha dos Cachorros”, tem 49 anos e é formado em filosofia. Ganhou o Urso de Prata em Berlim em 2014 com seu filme “O Grande Hotel Budapeste”. Em 2018 essa sua animação inaugurou o Festival de Berlim e foi a primeira desse gênero a abrir o evento famoso.
Wes Anderson é conhecido por seus filmes originais, cheios de detalhes e com uma estética própria e atraente.
No prólogo de “Ilha dos Cachorros” é contado, através de um painel que imita os antigos de laca japonesa, que antes da “Era da Obediência”, os cães eram livres. Só muito depois é que se tornaram submissos a seus mestres.
Quando passam os primeiros créditos, três garotos japoneses tocam tambores vigorosamente. A música do filme é do mago dos sons, Alexandre Desplat. Tudo vai acontecer no “Arquipélago japonês, no futuro, daqui a 20 anos. ”
Na cidade de Megasaki, o prefeito Kobayashi, um tirano de maus bofes, discursa para a população sobre o grande número de cães da cidade e do perigo da gripe canina que pode contaminar seres humanos. Como solução, ele assina um decreto que envia para a Ilha do Lixo todos os cães, domésticos e vira-latas.
Uma voz se levanta contra essa ordem injusta. É um cientista:
“- O que vai acontecer com o melhor amigo do homem? Em seis meses vamos conseguir desenvolver um remédio para a gripe canina. ”
Mas o prefeito não dá ouvidos a ele e, demagogicamente, diz  que vai dar o exemplo. O cão de guarda da Prefeitura será o primeiro a ser enviado naquele dia ainda para a Ilha do Lixo.
Dito e feito. Vemos Spots ser levado numa jaula fechada e lá abandonado. Só vão restar seus ossos.
Seis meses depois, só cães magros e famintos vagam por entre o lixo. E ficamos conhecendo os personagens/cães que conversam tristemente sobre Buster, um cão que se enforcou com a própria coleira.
Ao ouvir isso, Chef, um vira-lata peludo, dá uma bronca geral:
“- Ninguém aqui vai desistir de fugir. Somos cães alfa. Não fiquem falando como se fossem cãezinhos amestrados. ”
E um aviãozinho cai na ilha. É Atari, sobrinho adotado do prefeito que veio procurar seu cão Spots.
Vai começar uma aventura do menino de 12 anos e cinco cães que partem para descobrir o paradeiro de Spots.
“Ilha dos Cachorros” é uma fábula sobre valores éticos, lealdade, amizade, aceitação do diferente e compaixão.
Podemos ler no subtexto do roteiro, do diretor e Kunichi Nomura, críticas aos regimes autoritários que fazem lavagem cerebral na população instigando o medo para se livrar dos indesejáveis. As “fake news”. E claramente vemos essa ilha como um campo de concentração, uma prisão para quem tem ideias diferentes dos donos do poder, o fechamento de fronteiras aos imigrantes, a falta de ajuda aos doentes e velhos.
Wes Anderson escolheu atores e atrizes conhecidos para dar voz aos personagens como Liev Schreiber, Frances McDormand, Bryan Cranston, Scarlett Johansson, Greta Gerwig e Tilda Swinton. Até Yoko Ono tem uma participação especial.
“Ilha dos Cachorros” envolve com a história, é bom entretenimento e a estética nova e original dos desenhos faz uma alusão à arte contemporânea.
Não sei se agradará ao grande público. Mas estou certa que encantará a quem aprecia a inteligência, o talento e o humor típico de Wes Anderson.


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Sr Sherlock Holmes




“Sr Sherlock Holmes”- “Mr Holmes”, Inglaterra, 2015
Direção: Bill Condon

Nesse filme inglês sobre o famoso detetive Sherlock Holmes vamos encontrá-lo em 1947, não mais vivendo em Londres mas no campo inglês, perto do mar. Abandonou a profissão há muitos anos, por causa de seu último caso. E há algo misterioso envolvendo tudo isso.
Idoso, já com 92 anos, ele se preocupa com sua memória que está falhando. Está tentando escrever esse seu último caso mas não consegue lembrar-se do que aconteceu. E Watson, que escrevia todos os casos dele, já tinha morrido.
Para tentar melhorar desses sinais de senilidade, ele vai ao Japão atrás de uma planta que dizem ser o remédio que ele precisa. A geleia real já não faz mais efeito, pensa ele.
No encantador chalé de pedra onde mora há um jardim inglês maravilhoso, onde está o apiário que é o hobby do detetive desde que se exilou naquele lugar. Seu ajudante é Roger (Milo Parker), um menino de uns 9 anos, filho da governanta Mrs Munro (Laura Linney).
Roger é órfão de pai e adora o patrão, que é para ele uma imagem paterna. Torna-se seu companheiro no cuidado com as abelhas e vai com ele aos revigorantes banhos num mar azul, abaixo das falésias brancas.
A cada dia o menino lê o que Holmes conseguiu escrever sobre seu caso esquecido e torna-se uma ponte de Holmes com o seu passado. Roger é afetuoso, além de ser inteligente e desperta o lado afetivo do detetive, famoso por sua personalidade fria e analítica, atento aos fatos e desprezando as emoções.
E as memórias voltam. Porque eram lembranças dolorosas reprimidas. Não estavam esquecidas por causa de senilidade ou de demência mas porque mexiam com culpa e com o coração do detetive, que sempre temeu envolver-se com pessoas, principalmente com mulheres.
Filmado em belos cenários com cores primaveris, o filme agrada com esse visual que só mesmo o campo inglês pode oferecer.
Ian McKellen, 79 anos, está perfeito tanto nos flashbacks que mostram um Holmes maduro, que vivia o luto pelo abandono do amigo inseparável, Watson, que ia se casar, quanto como o velho alquebrado que, no contato mais íntimo com Roger e as abelhas, rejuvenesce. E passa a desfrutar da vida que lhe resta e enquanto é tempo ainda.
“Sr Sherlock Holmes” é um filme solar, que vai agradar ao grande público e até mesmo a quem nunca ouviu falar do famoso detetive. Porque é um filme com uma bela lição sobre os benefícios da amizade e do afeto.