terça-feira, 27 de março de 2018

A Melhor Escolha




“A Melhor Escolha”- “Tha Last Flag Flying”, Estados Unidos, 2017
Direção: Richard Linklater

O que faz as pessoas voltarem a um passado que elas lutam para esquecer? Talvez percebam que o peso dessa lembrança precisa ser aliviado.
Foi isso que aconteceu com Larry “Doc” Shepard (Steve Carrell), quando uma tragédia faz ele perder o filho, meses depois da morte da mãe dele.
Sai à procura daqueles que estiveram com ele no pior momento de sua juventude, na guerra do Vietnã. Mesmo depois de mais de 30 anos, aqueles dois companheiros voltam à sua mente e "Doc" precisa estar com eles. São as únicas pessoas que podem ajudar a enfrentar essa outra tragédia.
Entra naquele bar decadente e Sal Nealon (Bryan Cranston), o dono, não o reconhece:
“- Não se lembra mais de mim? ”, pergunta.
“- Jesus! “Doc”! Soube que foi preso por abandono do dever...Como me encontrou? ”
“- Internet.”
E o ex médico da Marinha convida Sal, o fuzileiro naval, como ele, a ir a um lugar. Uma igreja. Desta vez a surpresa é maior ainda para Sal. No púlpito, um pastor gordo e negro, está pregando. É Richard Mueller (Laurence Fishburne), o terceiro fuzileiro.
“- Oh! Meu Deus! O que ele está fazendo? Esse homem era um “bebum”, mulherengo... Como encontrou esse lugar? “
“- Internet.”
Aqueles três homens viveram algo terrível juntos. Mas ainda não estão preparados para conversar sobre isso.
“Doc” precisa deles para buscar o corpo do filho e enterrá-lo. Mas não vai ser tão fácil assim. Inúmeras dificuldades e algumas mentiras terão que ser encaradas para que a melhor escolha possa ser feita.
E, durante esse tempo, os três vão se estranhar, brigar, tentar evitar a proximidade, principalmente o pastor que é o único casado e não bebe mais. Mas com o correr do dia e noite que tem que passar juntos, e a audácia de Sal que bebe muito e faz perguntas que ninguém ousa fazer, os três vão rememorar os bons momentos, rir muito e falar de mulheres e contar piadas. Preparam-se para finalmente enfrentar o que não querem.
O filho de “Doc” morreu na guerra do Iraque, que mal tinha começado, já que estamos no filme em 2003. Os três mais velhos já não mais idealizavam a guerra deles, a do Vietnã.
Sabem o quanto o governo mentiu para eles sobre os motivos daquela guerra. O mesmo pensam sobre a que vitimou o filho de “Doc”.
Richard Linklater diretor de “Boyhood” de 2014, faz do encontro dos três fuzileiros navais uma viagem tanto pela terra deles, de carro e de trem, como pelo tempo, voltando ao passado e ao que aconteceu no Vietnã e que eles guardam por tanto tempo como uma zona proibida que, entretanto, queima por dentro. A viagem vai ser uma ocasião para uma reparação necessária e uma elaboração da culpa que é um bálsamo para as feridas ainda abertas.
Ninguém é julgado aqui.  As coisas ruins acontecem e temos que lidar com elas, parece dizer o diretor através dessa história. Ele é um observador atento, interessado nos conflitos que habitam as almas humanas.

Amante por um Dia



“Amante por um dia”- “L’Amant d’un Jour”, França, 2017
Direção: Philippe Garrel

Amor? É um sentimento buscado pela maioria das pessoas e quase sempre é difícil de ser vivido.
O diretor francês, Philippe Garrel, 69 anos, faz desse sentimento o tema de seu cinema que é simples e sofisticado, ao mesmo tempo universal, já que fala sobre a natureza humana e seus conflitos.
“Amante por um Dia” fecha uma trilogia que começou com “O Ciúme - La Jalousie” de 2013, já resenhado nesse blog. Nele há um personagem que aconselha Louis Garrel, filho do diretor e o protagonista:
“- Ela te ama na medida da capacidade de amar que ela tem. Todos vivemos uma história pessoal. Barreiras, receios, dificuldades… Existem limitações no amar.”
E quando o jovem responde que seu amor pela mulher que ele ama não tem limites, o personagem mais velho e mais experiente adverte:
“- Cuidado Louis, isso é perigoso…”
Ficamos sem o segundo filme, “A Sombra de uma Mulher”, que não passou por aqui e agora temos em cartaz o fecho da trilogia, “Amante por um Dia”.
O ângulo escolhido para falar sobre o amor, agora é a fidelidade.
Na cena inicial, uma morena bonita, jovem, de cabelos longos, transa de pé no banheiro da faculdade com um homem mais velho. Ela é intensa e vemos em seu rosto em “close” que parece usufruir um grande prazer com aquela transa. Repete “Oh mon Dieu!” antes do orgasmo.
Depois vemos uma garota que chora aos soluços, sentada na calçada, à noite. Uma grande mala está a seu lado. Sempre chorando muito, ela arrasta a valise pesada. Sobe uma escada e toca a campainha de um apartamento.
“- Filha? O que aconteceu?”diz o pai com carinho.
Uma voz feminina em “off”, marca dos filmes de Garrel, conta que o namorado colocou ela na rua. Essa mesma voz vai aparecer de tempos em tempos explicando a trama. Para o diretor não interessa ir e vir com outras cenas.
Gilles (Eric Caravaca) é professor de filosofia na faculdade e Jeanne (Esther Garrel, filha do diretor), é sua filha.
Ao observer uma bolsinha de maquiagem sobre a mesa onde estão sentados, Jeanne fica sabendo que o pai tem uma namorada morando com ele, aluna da facudade, Ariane (Louise Chevilote, alta e bela). Reconhecemos, quando ela aparece, a moça da transa no banheiro.
Jeanne e Ariane tem a mesma idade, 23 anos.
No começo se estranham, competem pela atenção de Gilles, que está preocupado com a filha. Para apaziguar Ariane, numa noite em que ela está brava com ele por causa de Jeanne, ele solta uma frase infeliz. Diz que ela tem a liberdade de sair com quem quiser.
As duas garotas, agora sobre o mesmo teto, acabam se aproximando e trocando confidências. São opostas no que se refere à fidelidade no amor.
Jeanne, que diz que ama Matteo, o namorado que a expulsou de casa, não admite pensar em infidelidade. Já Ariane acha que fazer sexo sem amor, ter “um amante por um dia”, não tem nada de mais. O importante é que o homem não fique sabendo.
“- Os homens são infiéis mas ficam muito frágeis quando é a mulher que trai.”
Vamos ver em “Amante por um Dia” as idas e vindas do amor, que quase sempre é possessivo.
Philippe Garrel que escreveu o roteiro com Caroline Deruas, sua mulher, e com o escritor Jean-Claude Carrière, que trabalhou com Bunuel, filma sempre em preto e branco. Isso faz com que se concentre no detalhe, no “close”dos rostos, na emoção da cena.
Um filme simples mas longe de ser simplório, que colabora para que pensemos sobre questões importantes  não tão fáceis de ser vividas.

quarta-feira, 21 de março de 2018

Em Pedaços




“Em Pedaços”- “Aus dem Nichts”, Alemanha, França, 2017
Direção: Fatih Akin

Existem filmes que contam sobre os limites do ser humano. Quando alguém chega nesse território, é difícil o caminho de volta. Essa é a história contada no filme “Em Pedaços”.
Katja, uma bela loura que mora em Hamburgo (Diane Kruger, melhor atriz do Festival de Cannes 2017), leva pela mão seu filho Rocco. Vai deixá-lo com o pai, no escritório dele.
Katja e Nuri, o marido nascido na Turquia, casaram-se quando ele estava preso por tráfico de drogas. Estudou na prisão e quando saiu abriu seu escritório de contabilidade. Quando Rocco nasceu, prometeu a Katja que não iria vender drogas.
Naquele dia, Katja foi a um clube fazer sauna com sua amiga.
Quando volta, sua vida não existe mais. Como um robô, ela ouve a polícia dizer que uma bomba explodiu e que não poderia ver os corpos do marido e do filho porque só restavam pedaços.
Pálida, calada, fumando sem parar, ela ajuda a investigação da polícia contando o que observou quando saiu do escritório do marido.
Perguntada sobre quem ela pensava que fizera aquilo, ela responde:
“- Foram os nazistas! ”
Quando começa o julgamento dos suspeitos no tribunal, ela não consegue esconder seu ódio.
O diretor Fatih Akin, filho de turcos, diretor do sucesso mundial do ano passado “Lion”, faz de “Em Pedaços” uma denúncia contra o ressurgimento de grupos neonazistas na Alemanha e outros países da Europa, que tem cometido assassinatos de imigrantes.
“- Há um escândalo político por trás disso”, disse o diretor em entrevista no Festival de Cannes onde o filme estava em competição.
“Em Pedaços” é então um libelo contra esse tipo de terrorismo “nacionalista” que não tem o mesmo eco na imprensa que o terrorismo de estrangeiros.
Através da personagem interpretada por Diane Kruger com alma, “Em Pedaços” mostra que quando não há justiça, pode acontecer de alguém se revoltar e enlouquecer.
Um filme forte e atual.

domingo, 18 de março de 2018

Maria Madalena



“Maria Madalena”- “Mary Magdalene”, Reino Unido, 2018
Direção: Garth Davis

Intrigante, a primeira imagem é a de um corpo afundando na água sem resistência. Há uma entrega total.
E ouvimos uma voz de mulher perguntar:
“- Como será o reino? ”
E a voz de homem responde:
“- É como uma semente. Um grão de mostarda que uma mulher planta em seu jardim. Germina, cresce e as aves do céu virão fazer ninhos em seus galhos. ”
Através da metáfora e da parábola, nesse diálogo de introdução, sentimos que é com o coração que se deve ouvir as palavras daquele homem que alguns chamam de “o curador”, outros de “profeta” e os mais íntimos de “rabi”, rabino.
Muito poucos vão compreender o que ele diz. Maria Madalena, a jovem da aldeia de pescadores Magdala, parece ser uma dessas pessoas. Porque ela não quer nada, a não ser a proximidades dele. Abandona tudo para segui-lo. Ouvi-lo.
Entrega total.
Os outros estranham. A família dela acha que enlouqueceu de vez. Por que não quer casar com Efraim? Cuidar dos filhos dele e fazer uma família?
Ela não responde mas desde que ele entrou em sua casa para tirar o demônio que diziam estar nela e falou: “Não há nenhum demônio aqui ”, ela anseia pela presença serena dele.
Quando Maria Madalena decidiu seguir aquele homem, sua vida mudou. Adquiriu um sentido. Ele a batizou nas águas do lago e pediu para ela batizar em seu nome. As mulheres tinham medo mas não dela que tudo fazia com doçura e delicadeza.
Os olhos límpidos dela procuravam os dele. Havia um entendimento mútuo e paz quando estavam próximos. Um sentimento profundo os unia.
Quando Maria Madalena encontra a outra Maria, mãe dele, ouve dela:
“Você o ama...prepare-se para perdê-lo...”
Estamos no ano 33 na Judeia. Os romanos que dominavam a região haviam colocado Herodes no poder. Mas o povo estava descontente e sofrendo. E falavam sobre aquele profeta assassinado que dizia que o Messias estava vindo.
O povo via os milagres e acreditava que aquele era o Messias, o Salvador. Mas não entenderam de qual reino ele falava. Sonhavam com um rei poderoso que comandasse exércitos contra os romanos.
Rooney Mara interpreta Maria Madalena com uma força suave. Faz com talento aquela que só foi reconhecida como a “apóstola dos apóstolos” em 2016, a mando do Papa Francisco. Até então era dita a prostituta que fora perdoada por Jesus.
E esse filme é a história vista pelos olhos dela. Judas (Tahar Rahim, excelente) não é o das escrituras mas um homem ingênuo que anseia pela vinda do reino porque quer reencontrar a mulher e a filha mortas pela fome. E Pedro (Chivetel Ejiofor) tem ciúmes da discípula predileta e afasta Maria Madalena depois da morte de Jesus. Fundador da Igreja Católica, nela não há lugar para as mulheres.
E Joachim Phoenix faz um Jesus original. Passa na tela uma força amorosa que emociona mas também sabe brincar e  brigar.
O jovem diretor australiano de “Lion”, pesquisou muito e conversou com estudiosos, padres e rabinos para fazer seu filme. O roteiro é de duas mulheres (Helen Edmundson e Philippa Goslett) e recupera a relação próxima de Maria Madalena e Jesus. Homenageia assim uma mulher injustiçada que já foi tida como prostituta, mulher de Jesus, irmã de Lázaro e outras mil lendas.
Nada melhor e mais propício numa época em que vemos as mulheres ocupando os territórios que tradicionalmente lhe foram negados.
E você não precisa ser religioso nem cristão para gostar desse belo filme.


quarta-feira, 14 de março de 2018

Assumindo a Direção




“Assumindo a Direção”- Learning to Drive”, Estados Unidos, Inglaterra, 2014
Direção: Isabel Coixet

É duro realizar que o marido vai deixar o casamento de 20 anos dentro de um taxi. O motorista indiano está visivelmente constrangido com a briga do casal aos gritos. Ele (Jake Weber) não quer discutir o assunto e por isso escolheu um lugar público para dar a notícia em poucas palavras. Para o taxi e deixa ela (Patricia Clarkson) falando sozinha.
Claro que Wendy não acredita que tudo terminou. Afinal, foram já duas vezes que ele fez isso e voltou correndo para casa:
“- Você não viu que ele nem levou os livros dele? ”diz para a filha que consola a mãe, não acreditando que ela ainda alimenta esperanças.
A filha (Grace Gummer, na vida real filha de Meryl Streep) estuda e mora longe de Nova York e a mãe que não sabe dirigir, pede que ela venha visitá-la mais vezes.
“- Você janta comigo hoje, né? ”
Constrangida, a filha responde que marcou um jantar com o pai naquela noite, o que deixa a mãe furiosa e ainda mais deprimida.
E o taxista indiano (Bem Kingsley, sempre impecável)? Ele volta à elegante da casa de Wendy num endereço prestigiado e devolve o pacote que ela deixou no carro.
Atrapalhada, confusa, rosto transtornado, Wendy procura dinheiro para recompensar o taxista mas ele a interrompe com delicadeza dizendo que não era preciso se preocupar com isso.
Ainda sem saber o que fazer, Wendy se dá conta que ele dirige um carro de autoescola. Impulsivamente pede um cartão. Afinal ela nunca se importou em aprender a dirigir porque o marido estava lá, ao lado dela. Mas e agora? Como visitar a filha Tasha num lugar longe sem ônibus nem trem?
Nas primeiras lições de direção de Wendy com Darwan a gente se pergunta como vai acabar aquilo. Parece que tudo separa aqueles dois seres humanos tão diferentes.
Wendy, beirando os 50, depois que finalmente sorri depois de muitas reclamações e até uma batida nas primeiras lições, vai aprender algumas lições com Darwan. Mas, principalmente, vai ter que focar na direção e nas palavras de Darwan, esquecendo assim, aos poucos, suas tempestades internas durante as lições de direção.
Nunca é tarde para se abrir para a vida e tentar viver com o que se tem. Ou procurar outras coisas, se é o que se quer.
Cada momento não volta e se não foi bem aproveitado, paciência.
O filme é simpático, dirigido pela catalã Isabel Coixet e é gostoso participar das tardes com Wendy e Darwan, pelas ruas de Nova York.

A Duquesa




“A Duquesa”- “The Duchess”, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, França, 2008
Direção: Saul Dibb
A seda do vestido verde claro acaricia a grama do seu jardim secular. Giorgiana Spencer (antepassada de Lady Di) brinca com seus amigos e amigas, todos da aristocracia inglesa. Aos 16 anos, ela é alegre, romântica e dona das ideias que divertem seu grupo.
Bela, cabelos ruivos, tez delicada, olhos de gazela, corpo esguio e desejável, ela tem carisma.
Mas sua vida de mocinha está para acabar. Sua mãe (Charlotte Rampling, sempre perfeita) vai casá-la com o Duque de Devonshire, o homem mais importante do reino, que preside o partido Whig e é riquíssimo. Muito mais velho do que ela e solteiro. Ralph Fiennes consegue dar alma ao personagem que, de Giorgiana, só quer um herdeiro.
A história que vai ser contada no filme é real e começa na Inglaterra em 1774. Lady Giorgiana Spencer, futura Duquesa de Devonshire (Keira Knightley, maravilhosa), personagem fascinante, vai se tornar uma das mulheres mais célebres de seu tempo que, deve ser lembrado, dava muito pouco espaço às mulheres.
Apesar do casamento ser um desapontamento para G, como ela é chamada pelos íntimos, já que o marido não é carinhoso na cama, não conversa com ela, preferindo a companhia de seus cães, ela se esforça para agradar.
Trata como filha a menina que vem morar com ela, fruto de uma relação do duque antes do casamento e é mãe de duas meninas adoráveis, que não merecem a atenção do pai.
G é maternal por natureza e é um encanto ver como ela brinca com as meninas.
Além de bela, a duquesa tem bom gosto e não tarda a tornar-se a imperatriz da moda em Londres. O que ela usa hoje, todas vestirão amanhã.
Interessada pelas ideias de liberdade e de um mundo novo, que vinham da Europa e da América, ela empresta sua popularidade ao partido Whig e é a atração dos comícios do jovem Charles Gray (Dominic Cooper), seu amigo de infância que ambiciona tornar-se Primeiro Ministro. Ele vai conquistar o coração de G e ela vai pagar um alto preço por seu amor.
Pior, vai ter que se sujeitar a um casamento a três com Lady Elizabeth Foster (Hayley Atwell).
O filme de Saul Dibb é muito bem cuidado. Reprodução de época, cenários belíssimos no campo inglês, castelos, recriação fantasiosa de chapéus, joias e vestidos, tudo de encher os olhos. É agradável de se ver, apesar de não ter a pretensão de aprofundar o psicológico dos personagens.
Quem gosta de filmes de época não vai ter do que reclamar.


sábado, 10 de março de 2018

Pantera Negra



“Pantera Negra”- “Black Panther”, Estados Unidos, 2018
Direção: Ryan Coogler

Filmes de super-heróis nunca foram o meu forte. O que eu mais gostei foi “Mulher Maravilha” com a Gal Gadot. E claro, os primeiros do “Superman” e do “Homem Aranha”. Esses outros heróis da Marvel não me emocionam. Detesto o barulhão e as lutas entre brutamontes.
Mas fui ver o “Pantera Negra” porque fiquei curiosa com o que ouvi dizer.
E acho que foi a beleza e a delicadeza do mundo de Wakanda, onde as planícies e as cachoeiras da África se misturam a uma civilização tecnológica que não esqueceu suas raízes, que me conquistaram.
O prólogo conta a origem lendária do povo daquela nação que o mundo desconhece e há ali um respeito aos ancestrais e às leis que ordenam essa civilização.
Ao invés de lutas violentas e irracionais, há uma família em luto e um filho que chora a perda do pai e sabe que deverá sucedê-lo.
Chadwick Boseman faz o Pantera Negra com grande dignidade. Ensina postura e atitudes em situações que envolvem a família, política e responsabilidade com o seu povo.
A cerimonia da consagração do novo rei passa por um belo ritual no qual há um contato com os ancestrais e aprendemos o que ocorreu no passado. É linda a cena da árvore de grandes galhos onde se deitam as panteras de olhos brilhantes, contra um céu estrelado, em tons de rosa, turquesa e magenta.
O roteiro explora, com acerto, o questionamento que o próprio rei se faz quando fica sabendo como o seu pai agiu em questões de família. E o posicionamento dele não será inflexível nem autoritário. E aí há mais um exemplo para os jovens. Lutar por seus ideais mas informar-se e, se necessário, mudar de opinião.
O racismo intolerável que existe em nosso mundo precisa ser questionado com argumentos. O filme coloca a questão em termos do que aconteceu nos anos 60, nos Estados Unidos, quando havia uma oposição entre o pacifismo de Martin Luther King e o ativismo radical dos Panteras Negras. São os dois que se defrontam, T’Challa e Killmonger (Michael B. Jprdan), em luta pela coroa.
E, na verdade, aquele que chega para questionar o rei, tem os seus motivos para agir como age. Lembramos da escravidão e das perseguições que ainda sofre o povo originário da África.
As mulheres do filme são fortes como a líder das guerreiras Dora Milaje, Okoye (Danai Gurira), sábias como a rainha mãe (Angela Basset), inteligentes como Shuri (Letitia Wright) e apaixonadas como Nakia (Lupita Nyong’o). Elas lutam como os homens e são eficientes e indispensáveis.
A originalidade e o atrativo dos figurinos (de Ruth C. Carter) ajudam a construir a personalidade da nação Wakanda. São cores, formas, adereços, pinturas no corpo e máscaras que unem o que conhecemos como tribal ao imaginário tecnológico. Do telefone com holograma às entranhas da montanha com trens que se movem por levitação magnética e a roupa que não deixa passar projéteis nem golpes, carregando a energia para ser usada contra o agressor do Pantera Negra, são surpresas a todo momento. Tudo à base de vibranium, uma espécie de metal que veio do espaço e existe em abundância em Wakanda.
As cenas de ação e as lutas estão a serviço de um roteiro bem escrito e não são a finalidade do filme. Mas quando acontecem são ferozes.
Se você também não é fã de super-heróis, dê uma chance ao “Pantera Negra”. Ele vai surpreender você.




quarta-feira, 7 de março de 2018

Pequena Grande Vida



“Pequena Grande Vida”- “Downsizing”, Estados Unidos, 2017
Direção: Alexander Payne

Como salvar a Terra da destruição? A superpopulação é um problema para os cientistas que procuram uma saída. Cada vez mais, nosso planeta pede que pensemos nisso. Ou será também a aniquilação da humanidade.
No filme “Pequena Grande Vida”, com roteiro do diretor Alexander Payne e seu colaborador John Taylor, é contada uma história original.
Num futuro próximo, na Noruega, cientistas conseguem uma solução que parece ser perfeita para o problema da destruição do planeta e dos homens que nele habitam: a miniaturização celular. Ou seja, um homem de tamanho normal, 1,80 m passaria a medir 12 centímetros. E toda uma comunidade viveria confortavelmente num espaço de 7 por 11 metros, diminuindo consideravelmente os danos ao meio ambiente.
Para demonstrar a eficiência da técnica, o próprio cientista norueguês que a inventou (o ator de “Um homem chamado Ove”) sua mulher e um grupo de voluntários, fundaram a colônia original nos “fjordes” e aparecem numa caixa, num congresso organizado pelo grupo que financia a ideia.
O público, surpreso e maravilhado, ouve com agrado que a miniaturização não tem contraindicação, apesar de ser irreversível e traz grandes vantagens, tanto financeiras, já que é tudo mais barato, quanto de uma vida de maior conforto para o cidadão comum.
Matt Damon é o terapeuta ocupacional Paul Safranik, casado com Audrey (Kristen Wiig), ambos quarentões, sem filhos. Numa reunião de ex-alunos são convidados por um colega, que aparece miniaturizado, para conhecer “Leisureland”, o paraíso dos pequenos, onde ele e a família vivem como sempre desejou.
No pavilhão que mostra como é a comunidade, onde tudo é mais barato e de boa qualidade, Laura Dern, dentro de uma banheira com espuma, mostra o conjunto de brilhantes que comprou naquela tarde por U$83,00.
As casas são luxuosas, com todo o conforto que os americanos de classe média invejam nos ricos, desde os lustres de cristal até as piscinas e as cozinhas super equipadas. Há campos de golfe com jardins manicurados, lagos para os barcos e jet-skis e a maior pista de ski na neve “indoor” do mundo (relativamente falando, é claro).
Paul e Audrey estão impressionados e decidem dar o passo.
O filme é tecnicamente perfeito. Nas cenas onde os pequenos convivem com os normais, como no avião ou no trem, as proporções são respeitadas nos mínimos detalhes e o processo de miniaturização mostrado convincentemente.
Mas Paul vai ter que enfrentar uma mudança total em sua vida. Ele não é como os outros que estão maravilhados com a vida rica e quase sem trabalho. Quando conhece seu vizinho, Dusan (Christoph Waltz) e seu irmão Joris (Udo Kier), os playboys do pedaço, que dão festas de arromba, além de viverem do contrabando, Paul também fica conhecendo uma dissidente vietnamita (Hong Chau), que se refugia numa parte escondida da comunidade rica. Ela vai reconciliar Paul com sua verdadeira natureza.
“Pequena Grande Vida” é um filme com ideias muito boas e bem realizadas, que sai do trilho banal das ficções científicas sem imaginação e propõe uma reflexão sobre nossos hábitos de consumo, o cuidado com o meio ambiente, a solidariedade entre os seres humanos e a importância do amor.

terça-feira, 6 de março de 2018

Descalços no Parque




“Descalços no Parque”- “Barefoot in the Park”, Estados Unidos, 1967
Direção: Gene Sacks

Rever esse filme dos anos 60 é um prazer para quem viveu essa época na juventude. Porque é como entrar numa máquina do tempo.
Para os mais jovens, o filme talvez guarde algum encanto também. Porque Jane Fonda e Robert Redford, que eram novatos no cinema, tornaram-se depois grandes nomes.
Em “Descalços no Parque” os dois fazem uma dupla com a química perfeita. Estão muito convincentes como o jovem casal em lua de mel aos beijos e agarramentos na carruagem puxada a cavalo no Central Park, em Nova York, pleno inverno.
Ela faz uma mocinha bem extrovertida e ele um cara mais tranquilo, um advogado, afinal. Mal tinham 30 anos mas era assim naquele tempo.
Jane Fonda é o centro do filme. Assim, ela joga o buquê de noiva para o guarda a cavalo, anunciando que são recém casados. No Plaza, hotel em que se hospedam, ela se agarra felicíssima no braço do marido de tal forma, que ele mal consegue preencher a ficha de cadastro do hotel.
E ficam 5 dias trancados no quarto. Não vemos nem ouvimos nada mas imaginamos a paixão que estão vivendo, só pela pilha de jornais intactos na porta do quarto, aumentando a cada dia e o aviso de “Não Perturbe”.
E quando, por fim, ele tem que trabalhar, ela muito sexy, usando só a camisa dele, vai até o elevador só para ver a cara do marido frente aos outros passageiros entre escandalizados e risonhos com aquela mocinha seminua.
É pura traquinagem, como se dizia, porque ela é uma menina engraçada e levada.
O apartamento deles, pequeno demais e sem elevador, um cômodo, banheiro e um armário que chamam de quarto, é o lugar de cenas hilárias. Todos que tem que subir os cinco lances de escada, chegam exaustos e com falta de ar. Principalmente a coitada da mãe dela, interpretada por Mildred Natwick, que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante do ano.
A noite no restaurante grego em Staten Island, em pleno fevereiro, o mês mais gélido em Nova York, é inesquecível. A animação de Jane Fonda com o ator francês mais velho e divertido, Charles Boyer, que faz o vizinho do casal que mora no sótão, é uma cena curta mas bem engraçada.
O filme foi adaptado para o cinema pelo próprio autor da peça na Broadway, Neil Simon, nascido em 1927 e ainda vivo e isso fez a diferença. São diálogos bem escritos com o “timing” que o autor percebeu nas reações das plateias da Broadway que lotavam o teatro e fizeram da peça um sucesso.
Edith Head, a legendária figurinista do cinema, veste Jane Fonda com jeans de veludo cotelê e suéteres que realçam seu corpo perfeito. Um conjunto pink de vestido e casaco é delicioso e poderia ser usado até hoje em dia.
Convido vocês a rever esse sucesso que está passando no Netflix e rir sentindo uma ponta de saudade de nós mesmos que vivemos aquela época.

domingo, 4 de março de 2018

O Oscar 2018



O Oscar 2018
Não sei porquê achei a cerimonia dos 90 anos do Oscar meio engessada. O apresentador Jimmy Kimmel parecia apressado demais... Um discurso muito comprido no começo e depois piadas avulsas como a sobre os cachorros de Barbra Streisand que me deixou com a impressão que eu perdi algo. Nem ouvi risadas...
Mas tudo bem. O povo do cinema estava lá, bem vestido e comportado. Só que eu fiquei com a mesma impressão de alguém que disse que a visita surpresa ao cinema ao lado foi mais divertida que o Oscar.
Fiquei com um pouco de saudades das cerimonias de anos atrás, mais solenes. Bem mas isso deve ser coisa minha.
Os prêmios não surpreenderam porque ganharam os favoritos. E merecidos todos.
Amei os prêmios para “A Forma da Água”, o de melhor filme e diretor para o Guillermo del Toro, a trilha sonora para o maravilhoso Alexandre Desplat e a direção de arte esmerada.
Frances McDormand ganhou todos os prêmios de melhor atriz, só faltava mesmo o Oscar. E o discurso dela foi curto mas importante, chamando a atenção dos roteiristas para as mulheres maravilhosas da plateia. Só a ideia de que todas que ganharam um Oscar na vida subissem no palco é que foi um pouco exagerada.
Gary Oldman teve um ano excelente. Levou todos os prêmios de melhor ator.
“Dunkirk” de Christopher Nolan ganhou prêmios técnicos mas marcou presença. E “Blade Runner 2049”de Ridley Scott merecia o de efeitos especiais e fotografia.
“Trama Fantasma” foi destacado pelos figurinos, o mínimo que podiam fazer pelo belo filme de David Day-Lewis.
O Oscar para o filme estrangeiro acertou em cheio porque Daniela Vega é uma grande atriz e o filme de Sebástian Lelio é comovente e atual.
No mais, ator e atriz coadjuvante ganharam também os preferidos, Sam Rockwell de “Três Anúncios para um Crime” e Allison Janney de “I Tonya”.
Melhor canção foi “Remember me” de “Viva – A vida é uma festa”, animação mexicana.
E gostei do prêmio de roteiro adaptado para James Ivory de 89 anos que escreveu para “Me Chame pelo seu Nome” e roteiro original para Jordan Peele que também dirigiu o surpreendente “Corra!”
Os curtas eu não vi, então não sei dizer se eram os melhores.
Os cenários eram quase todos azuis o que não realçou os belos vestidos. Para mim as mais bonitas foram Jennifer Garner de azul, Margot Robbie de branco e Nicole Kidman também de azul. Jane Fonda desfilou seu Balmain branco com um corpo perfeito do alto de seus 80 anos e Gal Gadot mostrou que continua a Mulher Maravilha.
Warren Beatty não deixou Fay Dunaway pegar sequer o envelope mas foi brincadeira porque eles não tiveram culpa da desordem do ano passado.
O Oscar é sempre o Oscar e a gente volta todo ano para ver! Até o próximo.


Corra!



“Corra!”- “Get Out”, Estados Unidos, 2017
Direção: Jordan Peele

Confesso que quase perdi esse filme. Quando passou por aqui, a chamada era para um filme de terror e não costumo ver esse gênero, com raras exceções.
Mas quando percebi que estava entre os 9 indicados ao melhor filme do ano no Oscar, corri atrás. E só hoje, dia da 90ª edição do prêmio é que eu posso dar razão à Academia. Acabei de ver “Corra!”.
O filme não é exatamente do gênero terror mas um suspense muito bem feito, com tintas de “thriller” psicológico e ficção científica. E o enredo é esperto e envolvente, podendo suscitar várias questões sobre o racismo, principalmente o americano, a brutalidade do ser humano, a esperança da perfeição do corpo e da mente, a sobrevivência e a vida mais longa a qualquer custo.
A ciência a serviço do aperfeiçoamento da natureza é um tema recorrente na literatura e no cinema e é esse o caminho que inspirou o talentoso diretor e roteirista Jordan Peele.
Tudo começa com uma cena noturna. Um homem negro numa rua de um bairro de classe média alta branca, começa a ficar assustado quando não encontra o endereço que procura. A rua está deserta e escura. Um carro branco estaciona ao longo da calçada onde ele anda e vê-se o medo nos olhos dele. Um homem com um capacete sai do carro e ataca o negro, arrastando-o para a mala do carro. Sai em disparada.
A cena muda completamente para mostrar o apartamento acolhedor de Chris Washington (Daniel Kaluuya, excelente ator britânico), que é fotógrafo. Ele namora uma branca, Rose Armitage (Allison Williams) e vão passar o fim de semana na casa dos pais dela.
“- Você contou que sou negro? ”
“- Não, mas meus pais não são racistas. Você vai ver. Eles votariam uma terceira vez em Obama, se pudessem”
E lá se vão eles pela estrada, ela guiando e conversando. Inclusive, Chris liga no celular para o amigo (Lil Rel Howery) para certificar-se que ele vai tomar conta do cachorro.
De repente, o carro bate em algo. Um cervo foi atingido e sumiu de vista. Assustados, param o carro. Sangue e vidro quebrado. E Chris escuta o lamento do animal que está mortalmente ferido. Num estado alterado ele vai ver o pobre animal. E o espectador fica intrigado com a emoção desmesurada de Chris. Do que foi que ele se lembrou naquele momento?
Quando chegam na casa, os pais dela os esperam para dar as boas vindas ao casal. O pai (Bradley Whitford), neurocirurgião, leva Chris para conhecer a casa e a mãe (Catherine Keeler, ótima) psiquiatra, conversa com a filha.
A primeira nota estranha são os empregados negros da casa, herdados dos avós. Quietos e sorridentes mas parecem robotizados.
À noite, Chris não consegue dormir e sai no jardim para fumar. Leva um susto com o empregado negro que aparece correndo e quase o atropela. E quando entra na casa, a mãe de Rose o espera na sala. Com uma xícara de chá de porcelana e uma colher de prata, induz um transe hipnótico no rapaz que conta para ela sobre a morte da mãe por atropelamento e de como ficara em casa diante da TV sem saber de nada, não podendo fazer nada. Chora.
“- Você está com tanto medo...  Está paralisado como naquele dia. Afunde no chão. ”
E a cena fica surreal e linda. Ele flutuando no espaço sideral, um astronauta sem a roupa certa e a psiquiatra na TV, lá longe, como uma nave mãe.
“- Agora você está no lugar do Esquecimento ”, ele ouve ela falar.
Dia seguinte ele acorda e os convidados para a festa estão chegando. Estranhamente todos comentam algo sobre Chris e suas qualidades genéticas, beleza, força, bom gosto. Examinam o rapaz como se ele estivesse à venda. Como um escravo?
A partir daí tudo vai ficando mais claro e perigoso para Chris. E vamos nos envolvendo e temendo por sua vida.
O filme tem 4 indicações para o Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor ator, melhor roteiro original.