“As Duas Irenes”, Brasil,
2017
Direção: Fabio Meira
Aquela garota de costas para
nós, magrinha, está com uma pedra na mão. Olha fixamente a janela de uma casa
simples. Quando ela atira a pedra e quebra o vidro da janela, percebemos a
raiva que não sabemos de onde vem.
Pedalando sua bicicleta ela
parece mais leve.
Estamos numa cidadezinha de
ruas de pedra, ladeiras, no interior do Brasil. A menina Irene (Priscila
Bittencourt) é a segunda filha do casal que tem três filhas e mora numa casa
maior e mais bonita que a da janela de vidro quebrado. Vemos a família almoçando.
Mas Irene, calada, não está bem. Há um turbilhão dentro dela e quando coça a
cabeça, irrita a mãe (Susana Ribeiro):
“- De novo com piolho,
Irene?”
Ela é a filha “sanduiche” e
sente-se rejeitada. A conversa na mesa é sobre o vestido de Solange, a mais
velha, que vai debutar. E a menor é a gracinha do pai.
Irene, 13 anos, magrela, não
gosta do que vê no espelho. E pior. Outra coisa a incomoda. Descobriu que o pai
(Marco Ricca) tem outra família e outra filha de 13 anos. A outra Irene
(Isabela Torres).
Daí a pedra na janela.
Mas não é tão simples. A
raiva de Irene se mistura com uma curiosidade de saber como vive a outra, como
ela é. Sente-se atraída pela outra casa do pai.
E ela segue em frente com seu
plano de aproximação. Neusa (Inês Peixoto, ótima atriz), a mãe da outra Irene,
é costureira e lá vai a nossa pedir que faça uma blusinha para ela.
“- Me chamo Madalena”, mente
ela, usando o nome da boa empregada da casa dela.
E quando a outra Irene chega
e conta que vai ao cinema, quem sabe levando o pai, Irene aparece por lá, como
quem não quer nada:
“- Você não vinha com seu
pai? ”, pergunta.
“- Ele não podia vir... Sabe
que você é bonitinha? Poderia participar do concurso lá do meu bairro. ”
Irene já andara espiando
escondida o tal concurso e vira o pai jogar beijos e levar flores para a outra
Irene.
Mas o que parecia uma raiva
invejosa daquela outra Irene, bonita, corpo desenvolvido e despachada, vai se
transformando numa aliança. Uma amizade que traz para a nossa Irene aquilo que
lhe faltava: um modelo a ser imitado.
A outra Irene é o espelho no
qual a nossa Irene gosta de se ver. Vai ficando mais solta, mais risonha, mais
livre.
A Dona Mirinha, arrogante e
encantada com a filha mais velha, “a cara da mãe”, é o contrário do que Irene
quer ser. É por causa dela que o pai arranjou outra. Na casa da outra, a mãe é
mais simples, mais carinhosa e nada mandona. Lá há cantos e danças. Por isso
Irene até entende o pai. Mas, assim mesmo, há mágoa.
Há uma sede de vingança mas
mais dirigida contra a mãe do que ao pai. Este ofereceu o motivo e é por aí que
a nossa Irene vai conseguir o quer: que a casa caia.
“Duas Irenes” é o primeiro
filme do goiano Fabio Meira, que diz ter se inspirado numa história familiar
para escrever o roteiro. O filme ganhou quatro Kikitos em Gramado: melhor ator
coadjuvante (Marco Ricca), roteiro, direção de arte e melhor filme da crítica.
A fotografia de Daniela
Cajías é elegante, criando quadros encantadores que emolduram o espaço feminino
das duas meninas.
E o final do filme é surpreendente.
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