“Mate-me por favor”, Brasil, Argentina, 2015
Direção: Anita Rocha da Silveira
Dramaticamente maquiada, uma garota bela e triste olha
para nós. Seus olhos escuros enchem-se de lágrimas. Chora sem
soluços.
Senta-se no meio fio da calçada. Parece desanimada.
Drogada? Afasta-se do posto de gasolina onde está um grupo de jovens. Caminha
pela rua vazia. Prédios ao fundo com poucas luzes acesas. É tarde da
noite.
A música, antes muito alta, agora sugere um suspense
contido. Ela anda rápido, quase correndo. Olha sempre para trás. Parece que foge
de alguém. Ouvimos sua respiração ofegante. Cai. De bruços, vira-se e grita
desesperada.
Na tela, o “Mate-me por favor” em letras
garrafais.
Mas não é um filme de terror. Nessa primeira cena, temos
os temas principais que serão vivenciados: rejeição, solidão, falta de rumo,
angústia, medo. A crise da adolescência que todos conhecemos.
Mas também haverá o namoro com o perigo, a excitação de
andar à beira do precipício, o sexo ligado à dominação.
Há um não saber que a fantasia ajuda a viver, estimula a
imaginação, colore os sentimentos.
Mas cuidado. Há perigo no perder-se em devaneios. Por
outro lado, como pedir foco na realidade aos 15 anos?
A história tem como protagonista Bia (Valentina
Herszage, ótima, premiada no Festival do Rio) e suas três amigas inseparáveis. E
o cenário é o bairro da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Mas podia ser qualquer
outro lugar em que meninas e meninos começam a fazer sexo.
Quando a conhecemos, Bia diz para as
amigas:
“-Dormi muito mal...Tive um sonho muito
louco.”
E conta como apareceu aquele cara lindo que a forçou a
fazer sexo com ele, tapando sua boca. Não podia fugir nem gritar. Sangrava
muito.
“- E daí?”
“- Eu morri.”
“- Você é muito pirada! Que morreu que
nada!”
Percebemos o elo evidente que une Bia e a mocinha
estuprada e assassinada da primeira cena. Quando o sexo é forçado, a mulher é
vítima sem culpa. Para elas e eles, o sexo traz culpa. Só de pensar. Quanto mais
em fazer.
A narrativa do filme envolve essa mistura de sonho,
devaneio e realidade. Privilegia aquela hora onde tudo está escuro e o dia
começa a clarear com neblina. Sem contornos nítidos.
Quando escutam os boatos sobre os assassinatos naquele
matagal perto do colégio, um clima de histeria domina. Medo e prazer. Dor e
gozo. Bia começa a alimentar pesadelos.
O rito de passagem da adolescência para a vida adulta
acontece sempre envolvido em conflitos. No filme não vemos adultos. Porque, na
verdade, eles não tem nada a ver com isso.
Bia, seu irmão e os outros adolescentes do filme vão em
frente, cada um à sua maneira. Não há receita. O pior que pode acontecer é
tornar-se zumbi, diz a última cena, aludindo à desumanização, à
psicose.
Porque foi a realidade que inspirou a diretora. O
assassinato cruel da atriz, filha de Gloria Perez, anos atrás, impressionou
Anita e foi a semente do seu roteiro.
O primeiro longa da diretora carioca tem um visual
impactante (belíssima fotografia de João Atala), bom ritmo e não tem moralismos.
Observa as quatro meninas (que foram premiadas no Festival de Veneza), bem
dirigidas e com uma atuação convincente. A trilha sonora, bem escolhida, é a
cara dessa geração.
“Mate-me por favor” é um filme esteticamente atraente,
que não propõe respostas às perguntas apresentadas, já que isso é o trabalho de
cada jovem e no seu próprio tempo.
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