“Mãe só há uma”- “Don’t call me son”, Brasil,
2016
Direção: Anna Muylaert
Na primeira vez que vemos Pierre (o talentoso estreante
Naomi Nero), ele está transando no banheiro de uma boate com uma garota. Sobre
os longos cabelos dele, um enfeite de plumas. Suas unhas são azuis e os olhos
estão delineados de negro. Um adolescente bonito.
A câmara vai descendo pelo corpo dos dois e um detalhe é
mostrado. Por baixo de suas calças, Pierre usa uma calcinha preta fio dental e
cinta-liga.
Ele tem uma banda de rock e flagramos um beijo na boca
de outro garoto que usa um brinco de crucifixo.
A sexualidade de Pierre é ambígua. Ou melhor, serve para
ele investigar sua identidade. As experiências dele tem o cunho de um erotismo
polimorfo, uma infantilidade que busca um caminho para crescer. Pierre não sabe
quem é. Ainda não.
Quieto, solitário, andando pela Paulista de madrugada, a
impressão que passa é que ele se sente deslocado. As roupas e maquiagens seriam
disfarces, fantasias de um carnaval de emoções que ele vive sem
alegria?
Em casa, a irmã menor Jacqueline (Lais Dias) tem também
um jeito retraído mas se preocupa em alimentá-lo enquanto a mãe não chega. Cuida
dele.
Uma bomba está prestes a explodir naquela casa de um
bairro de classe média baixa. A polícia ronda e um exame de DNA leva Aracy para
a cadeia. Ela roubara Pierre da maternidade, 16 anos
atrás.
Para culminar, Jacqueline também fora roubada do mesmo
jeito. E quando os pais biológicos vem buscá-la, as questões de Anna Muylaert e
seu roteiro (Marcelo Caetano é co-autor e assistente de direção), vão ficando
mais claras. Centram-se na família e no dilema “nature x nurture” ou seja,
hereditariedade x criação. Qual é a verdadeira família? A que tem o seu sangue
ou a que cria?
Mas com Pierre a coisa é bem pior do que com Jacqueline.
A família biológica dele também não tem afinidade com sua criação. São pessoas
de um bom nível econômico mas, ingênuos e bem intencionados, acham que Pierre,
que chamam de Felipe, vai se adaptar rapidinho, se o encherem de coisas. A cena
na loja de roupas arrepia.
A sexualidade investigativa de Pierre passa a ser o
campo onde ele exerce sua rebeldia e exprime seu desgosto por ter perdido o
ninho conhecido e estar sendo obrigado a se adaptar à força ao “amor de
sangue”.
A diretora colocou em seu filme um achado para nos
confundir e assim promover uma maior identificação com Pierre/Felipe. É a mesma
atriz, Dani Nefussi, que faz as duas mães. Mas bem dirigida, faz de tal forma,
que durante o filme todo temos a impressão de que são duas atrizes, duas mães.
Mas mãe só há uma, não diz o título do filme? E através desse jogo, ganha força
o drama do filho que não tem nenhuma.
O pai, Matheus Nachtergaele, sempre um assombro de ator,
pergunta para o filho recém encontrado e novamente perdido, já que não é quem
ele desejaria que fosse:
“- Quantas vezes vamos ter que te
perder?”
Ao que Pierre/Felipe responde com a frase mais
contundente do filme:
“- Eu fui roubado duas vezes. Uma na maternidade e outra
agora por vocês!”
Resta a decepção para todos.
A cena final, de uma delicadeza infinita, envolve o novo
irmão menor de Felipe/Pierre (Daniel Botelho, comovente) e parece que mostra que
qualquer adolescência, com os conflitos exacerbados, é mesmo um terreno difícil.
Principalmente em tempos de uma liberdade oferecida pelo
ambiente contemporâneo, que faz com que não se saiba para onde ir e leva a
experimentar de tudo e sofrendo com isso, já que não há livre escolha para a
sexualidade.
Anna Muylaert conseguiu fazer um filme seco e reflexivo,
com um assunto que daria um melodrama em mãos menos
competentes.
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