quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Garota Dinamarquesa


“A Garota Dinamarquesa”- “The Danish Girl”, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha
Direção: Tom Hooper

Eles são bonitos, jovens, elegantes e artistas. São pintores e vivem em Copenhague, Dinamarca. Estamos em 1926.
Gerda (Alicia Vikander, ótima) é retratista e Einar (Eddie Redmayne, maravilhoso) pinta paisagens, lembranças de sua terra natal. Estranhamente, temos a impressão de que sempre pinta a mesma paisagem, com pequenas variações e se esforça muito para achar as cores certas. Há algo que Einar procura...
Já Gerda é mais espontânea, criativa e um dia sugere que o marido use as meias da amiga bailarina Ulla (Amber Head) para que ela possa terminar seu retrato. Os dois brincam e riem.
Gerda e Einer Wegener parecem um casal feliz. Numa manhã inspirada, ela usa o rosto do marido para pintá-lo como uma mulher nua, fumando com piteira, numa pose lânguida. O retrato faz sucesso com o “marchand” dela, que quer comprar todas as telas com a modelo, que Gerda diz ser uma prima do marido.
Surpresa e encantada, ela leva as boas notícias para casa. Ela não sabe que acaba de abrir uma caixa de Pandora, que vai afetar para sempre a vida dos dois.
A princípio relutante, Einar inventa uma personagem, Lili, e o casal leva a brincadeira mais longe, a ponto dele ir vestido de mulher no baile dos artistas.
É fascinante ver Einar dar vida a Lili, a mulher dentro dele. Os gestos, olhares, posição de cabeça, braços e mãos, jeito de andar, vão se aperfeiçoando e não vemos mais Einar. Mesmo quando vestido de homem, Einar é Lili.
Há uma verdade intensa nessa mudança de identidade, que Einar vai levar até as últimas consequências.
O roteiro do filme foi escrito por Lucinda Coxan, baseado no livro de David Ebershoff e que, por sua vez, é uma biografia, com toques de ficção, de Lili Elbe, nome adotado por Einar Wegener, o primeiro transexual a tentar uma operação de mudança de sexo.
O filme é comovente e belo. A “designer” de produção, Eve Stewart, escolheu e montou os mais belos cenários. Paco Delgado encanta com os figurinos e Danny Cohen mostra paisagens deslumbrantes. O mestre Alexandre Desplat ajuda a emoção, escolhendo as notas certas.
Tom Hopper de “O Discurso do Rei”2010, “Les Miserables” 2012, 43 anos, acrescenta mais um sucesso à sua lista.
E os atores são um par de talentos difícil de encontrar. Eddie Redmayne, o mago das transformações, torna-se Lili Elbe perante os nossos olhos, que se enchem de lágrimas por ela. E Alicia Vikander, forte e bela, convence como a companheira leal e amorosa, apesar da angústia e aflição que vive sua personagem. Os dois estão na lista do Oscar 2016, merecidamente.
“A Garota Dinamarquesa” é um filme imperdível porque testemunhamos o sofrimento psíquico que sofre uma pessoa transexual, que o grande público preconceituoso talvez nem perceba que existe.

E há também um deleite para os olhos pela beleza das imagens e um show de interpretações. 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Brooklyn


“Brooklyn”- Idem, Irlanda, Reino Unido, Canadá, 2015
Direção: John Crowley

Eilis Lacey (Saoirse Ronan, ótima) é uma típica jovem irlandesa. Olhos muito azuis, pele branca, cabelos claros e um jeito sério, escondem uma personalidade que tem medo de se manifestar.
Vive num pequeno povoado perto do mar e tem uma vida simples, sem muita coisa para contar. Mas sua irmã mais velha, Rose (Fiona Glascott), sonha para ela uma vida diferente. E convence Eilis que ela deve imigrar para os Estados Unidos.
Tímida, bastante assustada, Eilis está a bordo do navio que a levará para Nova York. Rose providenciou uma pensão e trabalho numa loja de departamento “chic” para a irmã, através de um padre conhecido dela (Jim Broadbent).
No porto, dando adeus da murada do navio para Rose e a mãe delas, que é viúva, percebe-se o quanto a jovem imigrante está dividida. A irmã Rose, a melhor amiga e mesmo a mãe distante e fria, já começam a fazer falta para ela.
O que vai acontecer do outro lado do oceano?
Quando ela passa pela imigração, com sua capa verde (uma das cores da bandeira da Irlanda) e abre a porta azul que dá para a rua americana, sentimos nela uma vontade de viver que briga com sua timidez.
“Brooklyn” é um filme delicado que foca sobre a auto-estima e sua importância na vida do ser humano. Eilis foi criada por uma mãe fria e Rose era seu porto seguro. As duas irmãs se amavam. Deixá-la para trás para viver uma nova vida enchia Eilis de culpa e receio. Mas, ao mesmo tempo, abria um espaço para que ela pudesse ver do que era capaz.
E um jovem italiano, Tony (Emory Cohen) vai ter um papel importante no desabrochar da mocinha irlandesa. Ela não se joga numa aventura, porque não é do seu feitio. Eilis avança devagar nos sentimentos.
E por que o título “Brooklyn”? Talvez porque o lugar onde queremos viver e fazer casa, ninho, não seja fácil de escolher para um imigrante. Há sempre uma nostalgia do lugar onde nasceram, que atrapalha a tomada de decisão. Para criar raízes, há que existir uma razão forte. E é isso que Eilis vai descobrir.
A interpretação de Saoirse Ronan é feita de nuances, detalhes, olhares. Muito expressiva, ela não precisa falar para passar ao público os sentimentos contraditórios que sente. Merecida indicação para o Oscar de melhor atriz.
Os figurinos dos anos 50 são bem criados e a reconstituição de época é primorosa.
E o que mais atrai no visual do filme é o belo uso da cor. Seja nos tecidos das roupas, nos móveis, papéis de parede, na maquiagem e acessórios, seja nas ruas do bairro americano, parques e praças, quanto nas paisagens irlandesas, tudo é muito bonito.
Baseado no livro do irlandês Colm Tóibín, com roteiro do escritor Nick Horny e bem dirigido por John Crowley, “Brooklyn”, indicado na lista dos melhores filmes do ano para o Oscar 2016, é um filme sobre as escolhas difíceis que a vida traz, para quem se aventura a ir fundo nos próprios sentimentos.

domingo, 24 de janeiro de 2016

A Grande Aposta




“A Grande Aposta”- “The Big Short”, Estados Unidos, 2015
Direção: Adam McKay

Sabe aquele sonho da casa própria que todo mundo tem?
Pois é. Pode virar um pesadelo, quando a ambição aumenta e encontra pessoas de má fé, prontas a emprestar força perversa para uma avidez desmedida.
“A Grande Aposta” mostra que vivemos num sistema financeiro alimentado por ganância e corrupção, com total desprezo pelo cidadão comum que precisa de bens para viver e sentir-se feliz assim.
Mais. Existem saqueadores que seduzem e tiram o que podem das pessoas mais ingênuas. Ricas e pobres.
Todo mundo já ouviu falar da crise de 2008, nos Estados Unidos, que jogou na rua milhares de desempregados e deixou outros tantos na penúria, sem um teto para cobrir a cabeça. Pois bem, o filme mostra como tudo começou, como ninguém prestou atenção, nem teve juízo.
“A Grande Aposta” demonstra como as pessoas não abrem o olho se tudo está, aparentemente, correndo bem para elas. Não notamos ou esquecemos daquilo que pode toldar o brilho dos nossos dias. E aí começa a encrenca.
Quem não entende, como eu, de economia, pode se atrapalhar bastante com o jogo dos corretores e dos representantes dos bancos frente à bolha no mercado imobiliário americano. São muitos personagens e termos em “economês” que a pessoa comum mal sabe que existe. E essa é mais uma das espertezas desse sistema: o uso de termos complicados e siglas estranhas, de propósito, para enganar os ingênuos que não querem passar por ignorantes.
O diretor Adam McKay, que adaptou o livro de Michael Lewis, de 2010, usa de um estratagema divertido e eficaz quando chama pessoas conhecidas para explicar o “esquema”, através de exemplos fáceis, que todo mundo entende. O “chef” Anthony Bourdon, por exemplo, explica para o público como se vende um peixe encalhado de três  dias, transformando-o em um produto novo, o ensopado. É o que fazem esses corretores inescrupulosos.
A maneira de contar essa história real é com a câmara agitada e cortes abruptos e uma introdução de cenas que ilustram o espírito do que está se passando com os personagens. E a trilha sonora acompanha com comentários musicais.
Christian Bale, um dos envolvidos, é aquele que vê, antes de todo mundo, o que vai acontecer e aposta contra o sistema, que ele sabe que vai terminar mal. Considerado louco, é o único que viu o tsunami anos antes, só fazendo o que ninguém faz, ou seja, prestando atenção nos números.
Ryan Gosling, um dos narradores e participantes da história, apesar de compreender o que está acontecendo, o drama que vai acontecer para muitas pessoas, aproveita-se bem da situação e faz sua conta bancária engordar. Enquanto que Steve Carell, é o personagem mais angustiado e indignado com o que vê acontecer.
Brad Pitt, que também é um dos produtores do filme, faz uma ponta e é aquele que vive de acordo com o que todo mundo sabe como deveria viver nos dias atuais. O ex-banqueiro é fã de comida orgânica da própria horta e pomar, vive longe das grandes cidades mas está ainda ligado ao mundo financeiro como uma espécie de consultor, apesar de não concordar com o que fazem seus colegas.
O filme foi indicado para cinco Oscars: filme, diretor, ator coadjuvante (Christian Bale), roteiro adaptado e montagem. E já ganhou o prêmio de melhor filme do Sindicato de Produtores dos Estados Unidos, que também votam no Oscar. Pode surpreender?
“A Grande Aposta” expõe uma chaga do mundo contemporâneo. Tudo isso aconteceu mais de uma vez e vai acontecer novamente, se deixarmos.
Saímos do cinema perplexos.




sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O Regresso


“O Regresso” – “The Revenant”, Estados Unidos, 2015
Direção: Alejandro Inarritu

Imagens iniciais fascinantes. A câmara mostra uma floresta de árvores enormes, raízes seculares, invadida pela água. Uma floresta escura. Dois homens armados caminham à espreita da caça. Eis aí os temas principais de “O Regresso”.
Já estamos frente ao medo e o perigo, o homem e o animal sempre ameaçados e a natureza imponente, majestosa e impávida frente à fraqueza dos seres que a habitam. Pensamos com receio na pequenez das criaturas que lutam para sobreviver nesse cenário selvagem.
O filme é uma adaptação feita por Inarritu e Mark L. Smith do livro escrito por Michael Punke, em 2002, que conta, com toques de ficção, as aventuras de Hugh Glass, um personagem real que trabalhava em 1823-24 para a “Mountain Fur Company”, guiando caçadores de peles de castor num terreno hostil. Com ele está o filho adolescente, Hawk (Forrest Goodluck), descendente da tribo dos Pawnee, pelo lado da mãe. Aliás, vamos ver, no decorrer da história, representantes das várias tribos que habitavam a região e viam o homem branco como usurpador.
Hugh Glass sonha muito com essa bela mulher, morta quando a tribo dela foi atacada. As cenas dessas lembranças sonhadas são belíssimas. O filho Hawk é fictício e empresta um toque amoroso ao caráter de Glass, dando uma direção emotiva à sua luta pela sobrevivência.
Há cenas de arrepiar mas a mais horripilante vem logo no início de “O Regresso” e ficará na história do cinema. Uma mãe ursa e seus dois filhotes são surpreendidos pela presença de Hugh Glass. A fêmea ameaçada ataca com ferocidade. É um “grizzly”, urso conhecido por sua agressividade. Filmada num único “take”, faz o espectador afundar na cadeira, tal a veracidade com que o enorme animal é concebido. O ataque só não é fatal porque Glass consegue atirar e ferir mortalmente o animal. Mas Glass fica muito machucado. As garras e os dentes do animal, ferido e pesado, fazem um estrago no homem frágil frente a uma força muito superior à dele. Depois da morte da ursa, Glass jaz debaixo do corpanzil e os homens pensam que ele está morto.
Ele está vivo mas não consegue mais falar, nem andar. Seu corpo está retaliado e o pescoço tem cortes profundos. Glass não pode mais ser o guia dos caçadores. É deixado com o filho e dois outros para que possam dar a ele um enterro digno. Todos estavam certos de que ele não resistiria.
Mas esta é a surpresa. Em inglês, “revenant” quer dizer “o que voltou dos mortos” e Glass sobrevive quando todos o acreditavam morto.
Ele vive para uma vingança.
A dificuldade que o diretor mexicano Inarritu e sua equipe tiveram que enfrentar para filmar em locação foram terríveis. Todo dia, duas horas de carro até as montanhas no Canadá (Alberta) e uma temperatura de muitos graus   abaixo de zero.
O mago das lentes, Emmanuel Lubeski, além de belas imagens da natureza, acompanha com sua câmara os esforços de Leonardo DiCaprio para lutar contra o frio, sua dificuldade de caminhar e encontrar abrigo, comida e segurança. Há momentos em que está tão perto da ação que fica embaçada pela respiração do ator enquanto em outras é respingada pelo sangue que jorra.
Leonardo DiCaprio mostra ser um ator completo. Emoção, medo, desespero e força de vontade, vemos em seus olhos. Arrastando-se, abrigando-se numa carcaça para se aquecer, lutando contra águas revoltas, tudo que ele faz mostra um empenho de seu corpo e mente para fazer justiça ao homem que ele interpreta com seu imenso talento. Já ganhou o Golden Globe e está na lista dos indicados a melhor ator no Oscar 2016.
“O Regresso – The Revenant” é um filme excepcional que homenageia o cinema verdade, aquele de antigamente, com locações em regiões perdidas e uma luta não só do ator mas de toda a equipe para fazer aquele filme e levar o espectador muito longe e, assim fazendo, nos confrontar com nossa fragilidade mas também com a insuspeitada força que nos garante a sobrevivência quando tudo está contra nós.
O filme ganhou o Golden Globe de melhor diretor e melhor filme e tem 12 indicações para o Oscar 2016.

Bravo Inarritu!

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Joy - O Nome do Sucesso


“Joy – O Nome do Sucesso”- “Joy”, Estados Unidos, 2015
Direção: David O. Russell

A vida de Joy (Jennifer Lawrence, divina) não era nada fácil. Muito jovem teve que desistir da faculdade para trabalhar e sustentar a família porque seus pais se separaram.
Na casinha branca de Long Island moravam três gerações de mulheres muito diferentes umas das outras. A avó de Joy, Mimi (Diana Ladd), que ela adorava e a incentivava a ser criativa, a fóbica mãe de Joy (Virginia Madsen), que passava os dias em seu quarto, frente à TV, vendo novelas e a própria Joy, seus filhos e o ex-marido, do qual se divorciara mas que não tinha para onde ir e foi ficando. Ajudava Joy com as crianças.
O pai dela (Robert De Niro) saira de casa por causa de uma outra mulher mas separou-se e acabava de voltar, inesperadamente. Ela, que não sabia dizer não, põe o pai para morar com o ex-marido (Edgar Ramirez) no porão.
Através de “flashbacks”, vemos como Joy foi uma menina que gostava de inventar histórias e encená-las com papel e tesoura. Montou uma casinha e dizia que lá tinha tudo que ela precisava. E achava dispensável o “príncipe encantado” sugerido pela meia-irmã Peggy (Elizabeth Rohm), já que ela possuía “poderes especiais”. As duas não se davam muito bem.
É graças a esses dons que ela sabia possuir, esperteza aliada a uma inteligência acima da média e sua criatividade, que Joy vai dar a volta por cima naquela vidinha sem graça.
Isabella Rossellini faz Trudy, uma viúva rica que namora Robert De Niro e que será a investidora num negócio baseado na invenção de Joy, um esfregão útil e bem bolado, o melhor do mercado, como ela mesma diz.
Joy encarna o espírito de uma nova mulher que, ao contrário da mãe e da avó, vai à luta, já que os homens da família não servem como provedores.
Sua capacidade de resistir às reviravoltas do destino é o seu ponto forte. Joy não desiste. Mesmo quando tudo parece ir contra ela.
Bradley Cooper faz uma ponta, sempre bonitão e a melhor amiga de Joy (Dasha Polanco) revela-se uma excelente parceira.
A história é real e Joy Mangano, criadora de um império, foi a inspiração para David O. Russell escrever o roteiro. Aliás, esse é o terceiro filme da dupla diretor/atriz favorita. Os outros foram “Silver Linings Playbook - O Lado Bom da Vida” 2012 e “American Hustle - Trapaça” 2013.
Com momentos divertidos e outros dramáticos, “Joy - O Nome do Sucesso” é um filme agradável, com boas interpretações e, principalmente, com o brilho de estrela de primeira grandeza que é Jennifer Lawrence. É sempre um prazer vê-la na tela.
Com apenas 25 anos de idade, a bela já tem  um Oscar e três Golden Globes na mão. Um deles, graças à sua interpretação como Joy.
Aliás, ela é o filme.





Cinco Graças


“Cinco Graças”- “Mustang”,Turquia, França, Catar, Alemanha, 2015
Direção: Deniz Gamze Erguven

Elas são adoráveis. Cinco irmãs orfãs, criadas pela avó, numa aldeia no norte da Turquia, longe de Istambul. Todas adolescentes, entre 13 e 17 anos, morenas, pele clara, cabelos compridos e esguias.
Aliás, o titulo original do filme, “Mustang”, faz uma alusão aos cavalos selvagens da América, que corriam livres pelos amplos campos e pradarias do oeste, quando os primeiros colonos os conheceram. Os indios montavam a pelo esses animais, descendentes dos cavalos trazidos pelos espanhois. Fortes, crinas ao vento, viviam em liberdade, até que foram capturados e amestrados. Assim como os mustangues, as meninas vão passar por um adestramento cruel.
No início do filme as vemos felizes e brincalhonas, festejando o último dia de aula com uma ida à praia. Elas e os meninos, seus colegas.
Não resistem ao apelo do mar azul e caem na água, com roupa e tudo. Duas sobem nos ombros dos meninos e lutam para ver quem cai primeiro. Tudo risos, liberdade de ser e ingenuidade infantil. Elas já são mulheres nos corpos de pequenos seios e longas pernas, mas estão longe de ser adultas.
Quando chegam em casa, a avó as espera com cara severa. Sonay (Ilayda Akdojan), Selma (Tugba Sunguroglu), Ece (Elit Iscam), Nur (Doga Doguslu) e Lale (Gunes Sensoy), tornaram-se a vergonha da família:
“- A sra Petek me contou que minhas netas são umas depravadas! Vocês se esfregaram no ombro dos meninos!”
Em seguida, o tio Erol (Ayberk Pekcan) leva as meninas ao posto de saúde local para um exame de virgindade. Inútil dizer que tais exames apenas comprovaram a inocência das meninas. Mas foi um aviso.
“- Tudo que pudesse nos perverter, foi proscrito”, ouvimos Lale, a narradora e menor das irmãs, dizer em “off”.
E, a partir desse momento, a casa vira uma prisão, na qual as meninas aprendem a ser boas donas de casa. Para isso é que elas servem. Não vão mais à escola. O destino comum é o casamento arranjado pelos pais e parentes.
Ainda hoje em dia, existem culturas que impõem total obediência às mulheres. A maioria delas, como bem mostra o filme, não tem escolha. E o machismo leva os homens a pensar que tem toda a liberdade para dirigir a vida delas.
O machismo, entretanto, tem duas faces. No filme, há uma cena onde se vê o tio, tão preocupado com a exigência da virgindade, entrar à noite no quarto das sobrinhas menores. Não vemos o que acontece ali mas Lale, a menor, esconde o rosto no travesseiro. Há portanto, uma conduta masculina perversa e cruel, para não dizer imoral e criminosa.
Mas não é só nas culturas exóticas que vemos acontecer barbaridades com as mulheres. Muito perto de nós acontecem casos semelhantes.
“Cinco Graças” foi o filme escolhido para representar a França no Oscar 2016, apesar de ser falado em turco e passar-se na Turquia. A diretora nasceu lá mas vive na França, de onde veio a maior parte dos recursos para a execução do filme.

“Cinco Graças” além de mostrar atrizes talentosas e de uma beleza sedutora, defende a luta pela liberdade de escolha. Por tudo isso merece ser visto e apreciado.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados


“Os Oito Odiados”- “The Hateful Eight”, Estados Unidos 2015
Direção: Quentin Tarantino

Numa imponente paisagem de inverno, em meio a uma nevasca, uma carruagem com seis cavalos mas só quatro lugares estreitos, leva ao seu destino personagens que se apresentam e contam suas histórias. Mas será verdade o que dizem? Quem confirma a identidade de alguém naquele deserto branco e gelado, onde a sobrevivência está sempre por um fio? Suspeitas no ar.
Um que se diz caçador de recompensas, John “The Hangman” Ruth (Kurt Russell), espera receber 10 mil dólares no próximo vilarejo de Red Rock. Parece verdade pois uma mulher está algemada a ele, Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, em grande atuação). A forca a espera. O homem é rude e trata a mulher a tapas e socos. Ela traz um olho roxo mas não parece importar-se muito com esse tratamento. É durona.
Pelo caminho, encontram o negro Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson, brilhante) que porta o uniforme do exército ianque e que arrasta três corpos de criminosos congelados, contando receber recompensas, no mesmo vilarejo. Surpreendentemente, tem uma carta do presidente Abraham Lincoln, endereçada a ele, no bolso interno do casaco. A conversa sobre a carta define melhor quem é quem. Os dois caçadores de recompensas se conhecem.
Outro a ser resgatado logo depois, em meio à neve, é Chris Mannix (Walton Goggins, ótimo), ex-soldado do exército do sul, que se diz o novo xerife de Red Rock. Não que acreditem muito nele, mas entra na carruagem para não morrer congelado.
A próxima parada é um posto no meio do nada, onde os quatro esperam aquecer-se, alimentar-se e descansar antes de continuar a viagem.
Mas é justamente o oposto disso que vão encontrar.
A cabana de Minnie está tomada por quatro outros viajantes, que também contam histórias. O inglês (Tim Roth) diz que é o novo homem da forca de Red Rock, um general sulista não sai de sua cadeira (Bruce Dern) e notamos o desprezo com que olha o negro de uniforme inimigo. Um mexicano, Bob (Demián Bichir), diz que está tomando conta do armazém porque Minnie foi visitar a mãe e John Gage (Michael Madsen) tenta passar desapercebido.
Os oito odiados passam a criar o cenário de um inferno particular. Naquele lugar que seria um abrigo, é o contrário disso que espera por aqueles seres resgatados da nevasca fatal.
Quentin Tarantino, 52 anos, em seu oitavo filme, escreve o roteiro, faz a narração em “off” e cria uma metáfora do que é a América, uma nação dividida pela Guerra da Secessão (1861-1865), que jogou o sul contra o norte. O diretor parece dizer que toda vez que o ambiente é desfavorável, ameaçador, seja a nevasca, seja o caos pós-guerra, os homens se tornam selvagens, mentirosos e desconfiados uns dos outros. No passado, como agora. Nos Estados Unidos, como no mundo.
Lembrando a campanha de Obama para a regulamentação da venda de armas no país, mostra que armas só fazem piorar o estado brutal em que se encontram aqueles oito.
Mas o lado escuro da natureza humana é só violência, parece dizer também o diretor, num momento do seu cinema em que todos na tela são odiados e odiosos. Os que sobraram. Porque os bonzinhos já não estão mais aqui.
Ennio Morricone, um mestre, usa acordes que fazem esse filme de terror ficar ainda mais assustador, enquanto que a fotografia de Robert Richardson cria luzes e perfis iluminados pela neve, que entra pelas rachaduras da cabana, frágil proteção.
O sangue jorra e não há outro humor, que não o negro, nesse conto de horror sobre a natureza humana ameaçada de dentro e de fora.
Tarantino é um mestre em criar imagens terríveis e belas, bem como diálogos espertos que denunciam seus personagens.
“Os Oito Odiados” é imperdível, mesmo para quem não gosta de violência porque é um grande momento no cinema.