sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Nostalgia da Luz


“Nostalgia da Luz”- “Nostalgia de la Luz”, França, Alemanha, Chile 2010
Direção: Patricio Guzmán

O que podem ter em comum astrônomos, arqueólogos e buscadores de corpos de desaparecidos?
“- A célebre imagem da Terra azul vista do espaço, ostenta uma única mancha marrom: é o deserto de Atacama, no Chile”. Com essas palavras, o narrador de “Nostalgia da Luz”, o roteirista e diretor Patricio Guzmán, nos apresenta o cenário do seu filme.
Lá, conta ele, a atmosfera é límpida e permite uma melhor observação das estrelas. Por isso, aí foram construídos gigantescos telescópios, com ajuda internacional, para que um grupo de cientistas procure responder à pergunta: de onde viemos? Escutam as estrelas e esperam registrar a energia do Big Bang que, de um passado ultra longínquo, espera com seus mistérios.
E o clima ultra seco do deserto é favorável para os arqueólogos, explica o narrador, que pesquisam os desenhos de lhamas e outros personagens inscritos nas pedras desde a pré-história. Até mesmo corpos, desse povo que habitou o lugar há 1.000 anos, ficaram preservados, mumificados pelo ar seco, enterrados na areia milenar. Contam a história do passado histórico do Chile.
Mas e aquelas mulheres, que parecem tristes e desoladas, com pequenas pás cavocando o solo duro e catando pedacinhos de ossos branqueados pelo sol, que a câmera mostra? Olham para baixo, atentas, movidas por um macabro elo com o passado mais recente, dos fins do século XX.
São vítimas da ditadura de Pinochet que matou seus entes queridos. Elas procuram seus corpos. Só encontram rastros. O passado esconde seus mortos. Para onde os levaram?
Assim, diferentes passados unem astrônomos, arqueólogos e buscadores de corpos de desaparecidos no mesmo deserto de Atacama, conta o narrador.
Patricio Guzmán, 73 anos, escreveu o roteiro e dirigiu o documentário “Nostalgia da Luz”, titulo emprestado do livro do francês Michel Cassé.
Arte, ciência e política estão presentes nas imagens poéticas de nebulosas distantes, na beleza das paisagens de areias vermelhas, no espanto com as descobertas arqueológicas e no desespero calado das mulheres que procuram seus desaparecidos.
Nascido no Chile, Guzmán também é uma vítima da ditadura cruel que matou milhares de pessoas e exilou outras tantas. Ele vive na França e volta ao país natal só para filmar.
Mestre dos documentários, Guzmán figura na lista do British Institute dos 50 maiores de todos os tempos, com “Batalha do Chile” e esse “Nostalgia da Luz”.
Numa das imagens finais, observamos crateras da Lua e não percebemos a transição imperceptível para a superfície de um crânio humano, que aos poucos se revela.
O sublime e o horrendo, o deslumbramento e o pavor, se tocam de maneira magistral nesse documentário magnífico. Quem gosta de obras primas, não pode perder.

Nenhum comentário:

Postar um comentário