Direção: Patricio Guzmán
O que podem ter em comum astrônomos, arqueólogos e
buscadores de corpos de desaparecidos?
“- A célebre imagem da Terra azul vista do espaço,
ostenta uma única mancha marrom: é o deserto de Atacama, no Chile”. Com essas
palavras, o narrador de “Nostalgia da Luz”, o roteirista e diretor Patricio
Guzmán, nos apresenta o cenário do seu filme.
Lá, conta ele, a atmosfera é límpida e permite uma
melhor observação das estrelas. Por isso, aí foram construídos gigantescos
telescópios, com ajuda internacional, para que um grupo de cientistas procure
responder à pergunta: de onde viemos? Escutam as estrelas e esperam registrar a
energia do Big Bang que, de um passado ultra longínquo, espera com seus
mistérios.
E o clima ultra seco do deserto é favorável para os
arqueólogos, explica o narrador, que pesquisam os desenhos de lhamas e outros
personagens inscritos nas pedras desde a pré-história. Até mesmo corpos, desse
povo que habitou o lugar há 1.000 anos, ficaram preservados, mumificados pelo ar
seco, enterrados na areia milenar. Contam a história do passado histórico do
Chile.
Mas e aquelas mulheres, que parecem tristes e desoladas,
com pequenas pás cavocando o solo duro e catando pedacinhos de ossos branqueados
pelo sol, que a câmera mostra? Olham para baixo, atentas, movidas por um macabro
elo com o passado mais recente, dos fins do século XX.
São vítimas da ditadura de Pinochet que matou seus entes
queridos. Elas procuram seus corpos. Só encontram rastros. O passado esconde
seus mortos. Para onde os levaram?
Assim, diferentes passados unem astrônomos, arqueólogos
e buscadores de corpos de desaparecidos no mesmo deserto de Atacama, conta o
narrador.
Patricio Guzmán, 73 anos, escreveu o roteiro e dirigiu o
documentário “Nostalgia da Luz”, titulo emprestado do livro do francês Michel
Cassé.
Arte, ciência e política estão presentes nas imagens
poéticas de nebulosas distantes, na beleza das paisagens de areias vermelhas, no
espanto com as descobertas arqueológicas e no desespero calado das mulheres que
procuram seus desaparecidos.
Nascido no Chile, Guzmán também é uma vítima da ditadura
cruel que matou milhares de pessoas e exilou outras tantas. Ele vive na França e
volta ao país natal só para filmar.
Mestre dos documentários, Guzmán figura na lista do
British Institute dos 50 maiores de todos os tempos, com “Batalha do Chile” e
esse “Nostalgia da Luz”.
Numa das imagens finais, observamos crateras da Lua e
não percebemos a transição imperceptível para a superfície de um crânio humano,
que aos poucos se revela.
O sublime e o horrendo, o deslumbramento e o pavor, se
tocam de maneira magistral nesse documentário magnífico. Quem gosta de obras
primas, não pode perder.
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