“Timbuktu”- Idem, França, Mauritânia,
2014
Direção: Abderrahmane Sissako
Um antílope corre entra as dunas do deserto, perseguido
por homens com o rosto e a cabeça amarrados em panos, só olhos para fora e
armados até os dentes. Eles atiram mas não conseguem atingir o
animal.
“- Ele vai se cansar. Nós vamos pegar!”grita um
deles.
Essa mesma cena se repete no fim do filme, sendo que uma
menina é agora perseguida, substituindo o animal. Nem um nem outro são
apanhados. Há esperança?
O diretor Abderramane Sissako, em seu quarto longa, usa
com maestria uma linguagem visual para que a plateia compreenda do que se
trata.
As armas não atingem o antílope mas destroem peças de
arte malinesas, impregnadas de séculos de tradição.
Em 2012, a cidade de Timbuktu, na República do Mali,
antigo Sudão Francês, caiu nas mãos de guerrilheiros jihadistas, que submeteram
a população às leis islâmicas ultra-radicais, principalmente proibições de tudo
que fosse liberdade e alegria. Uma intervenção militar de franceses e malineses,
em janeiro de 2013, acabou com essa usurpação.
Sissako conta a história real, filmando na Mauritânia,
seu país natal, nas cidades de Oualata e Nema. Com poesia e beleza, algumas
histórias ilustram o terror que esses jihadistas impuseram à população de
Timbuktu.
O iman local (Abdel Mahmoud Charif) tenta argumentar com
um dos chefes dos defensores de um dogma ultra-ortodoxo, em nome de Allah, que
aquilo não era a doutrina da religião islâmica:
“- Onde está o perdão? A clemência? Proibir música,
futebol, obrigar as mulheres a usar luvas sem nenhuma explicação? Vocês estão
fazendo mal ao Islã!”
Mas os jihadistas recém-chegados, que falam árabe,
inglês e francês, não escutam as palavras sábias do iman e nem entendem as
várias línguas faladas em Timbuktu, habitada por várias etnias. Precisam sempre
de intérpretes em suas imposições.
Os tuaregues, povo nômade, já deixaram o local,
afugentados pelo medo. Mas Kidane (Ibrahim Ahmed), pastor de gado, que mora numa
tenda no deserto, próximo de Timbuktu, com sua mulher e a filha de 12 anos e um
menino orfão, acredita que ninguém escapa de seu destino. E não ouve a mulher,
que quer sair dali.
Quando acontece que um pescador mata GPS, sua vaca
preferida, que invadira suas redes no rio, Kidane vai tirar satisfações e leva
uma arma, novamente sem ouvir o conselho de sua mulher para não fazer
isso.
O pior acontece e Kidane vê o pescador morrer pelo
disparo acidental da arma. É a ocasião para Sissako filmar uma linda cena de
desespero mudo e mostrar a diferença entre a lei e a usurpação cruel da lei
islâmica pelos jihadistas.
“Timbuktu” é uma proclamação humanista e uma condenação
da violência e da tirania. Ganhou o Cesar, o Oscar francês e foi indicado a
melhor filme estrangeiro do Oscar 2015. Merecido.
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