“Sem Evidências”- “Devil’s Knot”, Estados Unidos,
2013
Direção: Atom Egoyan
Quando crianças são vítimas de crime, causam um grande
impacto na comunidade onde viviam. É tabu. E é ainda mais traumático se o crime
envolve crueldade e sexo.
Em 5 de maio de 1993, a cidade de West Menphis no
Arkansas, sul dos Estados Unidos, foi sacudida por notícias preocupantes. Três
meninos de oito anos tinham sumido.
A polícia, a princípio lenta, foi intimada pela mãe de
um dos meninos (Reese Witherspoon), a procurar as crianças, que ninguém podia
imaginar que tinham tido um triste destino.
As buscas envolveram a população naquela noite e na
manhã seguinte, mas nem um sinal. As crianças haviam desaparecido sem deixar
pistas.
E o horror acabou mostrando-se pior do que o
imaginado.
Ao ver um sapato de criança boiando num poço lamacento
na floresta, um policial começou a procurar às cegas na água rasa com as
próprias mãos e, para seu grande susto, trouxe à tona o primeiro corpo. Um a um
os meninos mortos foram depositados na beira da água, com marcas de
espancamento, tornozelos amarrados aos pulsos por cadarços de tênis. Um deles
tinha sido castrado.
Boatos começaram a surgir no clima de histeria
reinante.
E ninguém prestou atenção ao relato do dono da
lanchonete que contou para a polícia que um homem negro ensanguentado havia
pedido para usar seu banheiro. As marcas de sangue estavam lá mas o homem
desaparecera.
Não deram ouvidos a esse fato, porque a cidade e a
polícia voltaram seus olhos para estranhos rumores que corriam a respeito do
envolvimento de rapazes da cidade com satanismo.
Diziam que dois deles, estudantes do colégio local,
faziam sacrifícios de animais numa casa abandonada. E mais, em noites de lua
cheia, em torno à fogueira, dariam vazão a seus instintos perversos em orgias
sexuais.
A polícia interrogou longamente um rapaz que tinha
retardo intelectual, que confessou aquilo que queriam que ele dissesse. Jessie
Misskelley Jr (Kristopher Higgins), de 17 anos foi preso um mês depois, junto
com Damien Echols (James Hamrick) de 18 anos e Jason Baldwin (Seth Meriwether)
de 16.
Os dois últimos eram cabeludos, vistos pela cidade
caipira como “outsiders”, marginais, porque gostavam de rock “heavy metal”,
vestiam-se de preto e tinham interesse em livros sobre satanismo. Para os
habitantes de West Memphis eles eram adoradores de Satã e bebiam sangue antes de
seus rituais macabros.
Atom Egoyan, o diretor canadense, sabia que esse crime
parou os Estados Unidos na época. Todos viam na televisão, todo dia, notícias
sobre o caso.
No mesmo lugar onde “as bruxas de Salem” tinham sido
mortas na fogueira no século XVII, estava acontecendo tudo de
novo.
Colin Firth faz o investigador a serviço da defesa, Ron
Lax, que não acredita que os rapazes foram os assassinos. Não havia provas
contra eles. Mas não consegue impedir o julgamento.
O filme mostra claramente que a justiça, nesse caso, não
era cega. Todos já haviam condenado os rapazes antes mesmo do juiz assinar uma
sentença baseada em fatos sem evidência.
Sem provas, a condenação foi moral. É um exemplo cruel
do que acontece quando bodes expiatórios são escolhidos para pagar pelos pecados
dos outros.
Os suspeitos foram escolhidos a dedo. Eram os
diferentes, pecado capital numa sociedade em que todos precisam ser
iguais.
Mas até a mãe de um dos meninos, interpretada com alma
por Reese Witherspoon, vai se convencendo de que a verdade era bem outra. Muito
diferente da primeira versão que incriminara os três
rapazes.
Baseado no livro de 2002 de Mara Leveritt, “The Devil’s
Knot: The True Story of the West Menphis Three”, o filme de Atom Egoyan é
documental, frio, sem apelação para cenas de horror. Parece que o que se quer
provar aqui é que a justiça dos homens não é sempre cega, nem confiável. E muito
menos imparcial.
Temos que ter muito cuidado porque a mesma injustiça
pode se repetir muitas e muitas vezes.
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