Direção: Bernardo Bertolucci
O que foi que aconteceu com aquele garoto, sentado
incômodo, frente ao terapeuta? Este, que já não é jovem, usa uma cadeira de
rodas e pergunta com paciência sobre o acontecimento traumático que envolveu seu
paciente e um amigo.
Nada feito. Lorenzo (Jacopo Antinori) , de 14 anos, a
tudo responde com uma frase lacônica:
“- Normal. Ele teria feito o
mesmo.”
E o terapeuta diz:
“- Mas o que é “normal” para você?
“
O garoto olha o relógio e dá por terminada sua
hora.
Parece que Lorenzo nada contra a
corrente.
No restaurante com a mãe (Sonia Bergamasco),
superprotetora, separada do pai dele,
ele encena um complexo de Édipo exagerado, quase certamente para
irritá-la. E ela explode:
“- Você parece um menino de 6
anos!”
Adolescente, cheio de espinhas e com os olhos azuis
encobertos por uma sombra, Lorenzo não está bem. Construiu uma carapaça para onde se retrai
quando alguém chega perto demais.
A expedição de ski do colégio serve como o momento certo
para ele atuar esse estado de alma que é psicológico, tranformando-o em um
evento concreto. O porão de sua casa vai ser seu “habitat” por uma semana. Finge
que foi com os colegas e refugia-se lá embaixo, levando seus discos e comida,
para ter paz.
Mas algo inusitado vem quebrar seu
isolamento.
Olivia (Tea Falco), sua bela meia-irmã, mais velha do
que ele, aparece de repente, procurando coisas dela naquele
porão.
Os primeiros movimentos de Lorenzo são de retraimento e
raiva. O que faz ali aquela estranha? Mas, aos poucos, vamos observando sinais
de curiosidade entre ambos.
Houve uma entrega total dos jovens atores aos seus
personagens, sob a batuta do maestro Bertolucci.
E eu me pergunto se o diretor, que adaptou o livro “Eu e
Você” de Nicolò Ammariti, editado no Brasil pela Ed. Bertrand Brasil, e que
passou por um periodo difícil, tetraplégico e sem filmar, desde “Os Sonhadores”
de 2003, não se identifica com Lorenzo, que passou por algo terrível e não
consegue mais viver no mundo. Certamente ele também teve que lutar para poder
chegar na cadeira de rodas e voltar a dirigir um filme. Bertolucci disse numa
entrevista:
“- Acho que a maioria dos meus filmes fala sobre o
universo jovem, de seus medos, suas vontades, seus desafios. Talvez seja porque
me interessa muito a energia que o jovem tem, que tem muitas vêzes de aprender a
usar para poder viver num mundo que não o compreende.”
Voltar a filmar depois de 9 anos afastado, numa cama,
cheio de dores e depressivo, como confessa num documentário imperdível,
“Bertolucci por Bertolucci” de Luca Guadagnino e Walter Fasano, foi muito
difícil e “Io e Te” é sua retomada cinematográfica.
A lista de obras-primas do cinema assinadas por ele é
imensa. Mas é só lembrar de “La Luna” 1978, “O Último Tango em Paris”1972, “O
Último Imperador”1987, “Novecento”1976, “O Céu que nos Protege”1990, para
entender que ele ainda tem muito a dizer.
“Eu e Você” é um filme intimista que desvela com
delicadeza as dificuldades de seres humanos. Ultrapassar as próprias, faz do
filme um depoimento concreto e valioso de Bernardo Bertolucci, mestre do cinema.
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