sexta-feira, 31 de maio de 2013

A Datilógrafa




“A Datilógrafa”- “Populaire”, França 2012
Direção: Régis Ronsard

Deliciosa. Aliás há mais adjetivos para qualificar essa comédia romântica francesa, charmosa, antiguinha, divertida, previsível e com um final feliz, como devem ser as comédias que falam do amor.
Quando o filme começa, distinguimos no lusco-fusco de um depósito de uma loja, uma máquina de escrever, daquelas que existiam antes dos computadores. E uma mocinha de uns 20 anos, cuidadosamente acaricia suas teclas. Põe o papel na máquina e escreve algo, “catando milho” ou seja, só com dois dedos.
Ela sonha enquanto lê seu nome impresso na folha: Rose Pamphyle.
Entram os créditos no estilo dos anos 50 e uma música animada lembra os filmes que a gente via com Doris Day e Rock Hudson.
Mas no desenho final, um toque extra de sofisticação, faz lembrar que aquelas pernas, o vestido e o sapato de salto vermelhos com o fundo negro, sinalizam que só podemos estar na França.
Aquela mocinha (Déborah François), sonhava em deixar a província onde vivia para conquistar o disputado posto a que muita mulher almejava na época: ser uma secretária. Porque são elas que cuidam do patrão e algumas até se casam com eles? Não para Rose, que diz:
“- Ser secretária é moderno!”
Na sala onde as candidatas ao emprego de secretária de Louis Échard (Romain Durin) discutem as qualidades que deve ter uma boa secretária, Rose se destaca. É a mais bonita, com sua franjinha, rabo de cavalo e o ar um pouco petulante.
Vai ser seu talento com a máquina de escrever que a levará a lugares nunca antes sonhados por ela.
Seu patrão, esportista de alguns troféus na juventude, convocado para a guerra, tornou-se deprimido e inseguro depois dela. Não se casou com a moça que amava (Bérénice Béjo, numa ponta com talento), esposa agora de seu melhor amigo. E já que não consegue fazer nada por si mesmo, ele precisa ajudar alguém a ser o que a pessoa é, mas não desconfia.
E Rose é a escolhida. Mal sabe ele que também está atraído por outras qualidades dela, que ele finge não perceber.
Uma releitura do espírito de “My Fair Lady” e o embate de Eliza com o Professor Higgins? Pois é. O filme faz, de propósito, alusão a várias comédias românticas que já vimos no cinema.
Rose é uma mistura de Audrey Hepburn e Grace Kelly com toques de Natalie Portman. E como é encantadora quando luta pelo que quer e se apaixona perdidamente, como todas as mocinhas de filmes de amor.
A química entre os protagonistas é palpável. A cena da dança na noite de Natal coloca um sorriso no rosto do mais carrancudo dos espectadores.
E tem os concursos de velocidade na datilografia em que Rose tem que mostrar ao mundo a que veio. Verdadeiras maratonas com suspense.
Régis Ronsard acertou em cheio em seu primeiro longa, já que agradou até a Harvey Weinstein (o Midas do cinema) que já comprou os direitos do filme.
Não perca tempo. Corra para se divertir e se encantar com “A Datilógrafa”. Você vai me agradecer o conselho.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Sem Proteção






“Sem Proteção”- “The Company You Keep”, Estados Unidos 2012
Direção: Robert Redford

Meninos americanos morriam lá longe, na selva asiática, entre 1965 e 1973. Voltavam em sacos negros. Ou o que restou deles.
Todos os dias os americanos ouviam notícias sobre aquela guerra travada “em nome da liberdade e da democracia” e sentiam orgulho pelos meninos mortos por uma causa nobre.
Mas, depois de um tempo, relatos dos massacres de civis como o de Mi Lay e de atrocidades cometidas pelos soldados, fotografadas e filmadas, levaram a surgir vozes dissonantes dentro da própria sociedade americana, a chamada contra-cultura.
Os “Weathermen Underground” foi um grupo radical anti-guerra e de esquerda, batizado por uma canção de Bob Dylan e formado por jovens estudantes, que atuou entre 1969 e metade dos anos 70. Traziam a guerra aos Estados Unidos para acordar o país e fazer com que as pessoas pressionassem o governo a terminar com a guerra. Colocavam bombas em edifícios públicos mas avisavam antes para que ninguém se ferisse. A mais famosa delas foi colocada nada menos que no Capitólio. Assaltavam bancos mas não usavam armas para matar.
É disso que trata o novo e nono filme de Robert Redford como ator e diretor.
Carismático, com posições políticas liberais, ele sempre foi um homem bonito e inteligente que encantou plateias em filmes inesquecíveis como “Butch Cassidy e Sundance Kid”(1969). Quem não se lembra de “Out of Africa”(1985) ou mesmo de “O grande Gatsby”(1974) e “Todos os Homens do Presidente”(1976)?
Como diretor, Robert Redford ganhou um Oscar por “Gente como a Gente”(1980), filme tocante e iconoclasta.
Desde os anos 80, ele dirige o Sundance Institute que promove o Festival Sundance que apoia novos cineastas e filmes independentes. E continua políticamente ativo.
Com toda essa bagagem, Robert Redford, 76 anos, surpreende em seu novo filme, “Sem Proteção”, porque vai refletir sobre o passar do tempo e colocar uma questão interessante: filhos mudam as pessoas?
Jim Grant, interpretado pelo próprio diretor, é um advogado que defende causas de direitos civis e mora numa cidadezinha tranquila dos Estados Unidos. É viúvo recente e cuida amorosamente da filha de 12 anos. Ninguém diria que aquele homem pacato foi um ativista dos Weathermen e é procurado há 30 anos pelo FBI por causa de um assalto a banco que causou a morte de um policial.
Quando Susan Sarandon, que interpreta uma ex-ativista do mesmo grupo que se envolveu no assalto, se entrega à polícia, Jim Grant vai ter que defender sua própria causa. Sua identidade verdadeira vem à tona, descoberta por um jovem repórter inescrupuloso e esperto(Shia LaBoeuf).
Pensando na filha, ele tem que provar sua inocência e vai à procura de pessoas de seu passado. Nessa viagem pelo país ele encontra seus ex-companheiros, todos na clandestinidade (Nick Nolte, Richard Jenkins e Julie Christie).
A grande força do filme não está no enredo mas sim no elenco de peso que Redford reuniu. Atores que envelheceram mas que mantém seu carisma na tela.
O próprio Redford não tem medo de filmar a si mesmo cansado e envelhecido. A idade pesa para todos mas o brilho próprio de uma pessoa permanece quando ela é fiel a si mesma e à sua verdade.
Essa é uma lição de vida que esse filme nos ensina.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Terapia de Risco

“Terapia de Risco”- “Side Effects” Estados Unidos, 2013
Direção: Steven Soderbergh

Ela parece tão frágil, ao lado do marido, naquela sala de visitas na prisão onde ele estava cumprindo pena por crime de “colarinho branco”. Ele, um homem grande, afetuoso, que abraça ela e a mãe dele com gosto, no dia de sua libertação.
Tudo fazia crer que aqueles dois poderiam retomar a vida boa de antes. Era só uma questão de tempo.
Mas a vemos cada vez mais triste, mais longínqua, fora do mundo. Uma avezinha com a asa quebrada. E seu olhar era de medo, ansiedade por não conseguir nem retomar a vida social com os amigos do marido.
No banheiro da festa, chorando, ouve de sua amiga que também ela sofrera de períodos de depressão na vida e que um remédio a tinha salvado. O mesmo lhe diz sua chefe.
E Emily vai atrás dessa solução, depois de ir parar no hospital porque não freara frente um muro na garagem do prédio. Antes, acelerara.
O médico simpático que a atendeu, concordou em não interná-la, passando a atendê-la no consultório.
Sabemos como o termo “depressão” virou coisa comum hoje em dia. A antiga tristeza cedeu vez a essa doença. E, na cultura competitiva em que vivemos, onde todos querem se realizar e ser felizes, essa “doença” se espalha. Ninguém tolera frustração, perdas, não atingir metas sonhadas. E aquela pílula parece que faz tão bem...
“- Faz você se sentir você mesmo, no auge de suas potencialidades”, dizem os que a usaram e mesmo os psiquiatras. E a propaganda corre de boca em boca.
Só que ninguém está preparado para os efeitos colaterais, “side effects” do titulo original. Nossa sociedade adoeceu e a pior coisa que nos acontece não é essa “depressão”, novo nome da velha tristeza.
A ambição de grupos vai de encontro às pessoas que se vendem, com desculpas de que estão, por exemplo, fazendo pesquisa. No campo da medicina, é comum os grandes laboratórios financiarem os médicos que aceitam comprovar os benefícios de drogas novas no mercado ou até ampliar o uso de remédios indicados a casos especiais. Sem saber o que fazem. Essa é uma denúncia importante que “Terapia de Risco” tem a coragem de fazer.
O filme de Steven Soderbergh é um “thriller” muito inteligente. Trata de efeitos colaterais no sentido específico do termo e também num sentido mais amplo. Porque o ser humano, infelizmente, tem falhas que nenhum remédio pode curar.
Falar algo mais sobre o enredo de Scott Z. Burns é fazer o filme perder a graça.
Steven Soderbergh reuniu nomes famosos e talentosos como os de Rooney Mara, Jude Law, Catherine Zeta-Jones, Channing Tatum e contou uma boa história que prende o espectador e o faz pensar.
O que mais se pode pedir de um bom filme? Tomara que a anunciada aposentadoria do mestre Soderbergh seja apenas um boato.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O Grande Gatsby

“O Grande Gatsby”- “The Great Gatsby”, Estados Unidos/ Austrália 2013
Direção: Baz Luhrmann

Será que sonhos podem tornar-se pesadelos? E alguém pode reviver o passado? O que faz o amor renascer?
Essas são as perguntas que estão no cerne da história contada por F. Scott Fitzgerald (1896-1940) em “O Grande Gatsby”, seu famoso livro de 1926, que já foi vivido no cinema por cinco elencos diferentes e seus diretores. A última adaptação, mais presente na memória das pessoas, tinha Robert Redford e Mia Farrow e foi sucesso de público mas teve críticas mistas.
A nova versão que tem Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan é muito diferente das outras. O realizador de “Moulin Rouge!” recria alguns dos climas vistos ali, no mesmo espírito de fantasia que fez a fama de Baz Luhrmann e marcou a carreira de Nicole Kidman.
O diretor australiano escolheu uma narrativa que vai do conto de fadas ao clima de cabaré e filme “noir”, em uma estética neo-barroca que pode não agradar a mentes mais conservadoras.
A outros vai justamente divertir porque há uma intenção de acompanhar as artes plásticas contemporâneas, com alusões a caricaturas, quadrinhos e excessos carnavalescos. Os malabarismos com a câmara e o 3D são usados de maneira criativa e ajudam na criação dos estados de alma dos personagens.
A cena que apresenta Daisy Buchanan à plateia é de ficar na memória para sempre: cortinas esvoaçam, um braço emerge do sofá, um diamante perfeito no dedo. É Carey Mulligan, divertida, sestrosa, mimada. Vestida por Prada e Miu Miu com brilhos, rendas, transparências e franjas de cristal, ela encanta com a raposa azul emoldurando seu rosto e jóias no cabelo curto nas cenas da festa na casa de Gatsby.
O narrador e testemunha de todas as reviravoltas da história é Toby Maguire, que faz Nick Carraway, primo de Daisy. Como sempre, Toby Maguire é o excelente ator que ajuda na criação de um clima exagerado em torno aos personagens, todos excessivos.
O marido de Daisy,Tom Buchanan, vivido com brilho por Joel Edgerton, é o herdeiro milionário, presunçoso e preconceituoso, além de egoísta ao extremo. Ele e Daisy são a elite endinheirada que se considera acima das leis e da moral. Dão o tom dos “alucinados anos 20” que antecederam à famosa crise de 29.
Leonardo DiCaprio cria um Jay Gatsby com um charme mais infantil do que Robert Redford mas com nuances depressivas. Está ótimo no papel, expressando bem a mania de grandeza, a inadequação e os delírios do personagem, assim como dá vazão ao seu romantismo e ingenuidade pueris.
Sempre à procura de algo que lhe escapa, Gatsby é uma figura angustiada e maníaca mas também sedutor e atraente. Uma mistura irresistível para o lado mais infantil e aventureiro de Daisy.
Ao som de Gershwin, jazz, “Let’s Misbehave” e a bela canção original “Young and Beautiful” cantada por Lana Del Rey, as cenas vão se desenrolando frenéticas até o momento da tragédia. Aí o ritmo da narrativa muda e a fachada estética não desaparece mas cede lugar a uma realidade mais sombria.
Aposto que “O Grande Gatsby” que está prometido para 7 de junho nos cinemas, vai agradar às plateias brasileiras assim como fez com os franceses, que aplaudem o filme no final.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Reality - A Grande Ilusão







“Reality – A Grande Ilusão”- “Reality”, Itália/ França, 2012
Direção: Matteo Garrone

O Vesúvio, imponente, trona sobre a cidade de Nápoles.
A câmara foca a cidade de cima e vai descendo, procurando por um veiculo inusitado. Uma carruagem dourada, puxada por dois cavalos brancos e conduzida por um cocheiro de chapéu e vestimentas com “paétès” vermelhos.
Nós nos perguntamos: do que se trata?
E, quando a carruagem adentra os portões de uma vila italiana decadente mas ainda com belos jardins, vemos que é um casamento bizarro. Noivo e noiva, de branco, estão sentados no cetim branco dos bancos, felicíssimos.
Chegam no local da festa e o noivo corta uma fita inaugural com uma tesoura dourada. Pombos brancos voam, libertados de caixas em formato coração. Pagens vestidos de cetim de cores berrantes ladeiam o cortejo. Tudo ao som da Marcha Nupcial.
E, coitados dos noivos, tudo muito cafona.
Mas aí pensamos: os convidados devem estar achando aquilo o máximo. Pois até aplaudem!
E logo é anunciado um convidado especial: Enzo, do “Grande Fratello”, o “Big Brother” local. Ovação, gritos, pedidos de autógrafos e fotos.
Enzo (Raffaele Ferrante), de blaser xadrez e chapéu de turista americano, é todo sorrisos e ridículo. Fica cinco minutos, fala seus clichês e corre para o helicóptero prateado. Mas tem que dar atenção a um homem vestido de mulher, peruca azul e boá de penas vermelhas, com uma menina no colo.
“- Enzo, minha filha quer uma foto!
“- OK!”, diz Enzo, um pouco chateado mas acrescentando o seu refrão, “Never give up” e “nunca desista de seus sonhos! “
Luciano (Aniello Arena), o pai da menina e mais dois filhos, que costuma fazer performances nas festas da família, é dono de uma peixaria, casado com Maria, vive num cortiço e aplica pequenos golpes para ganhar um dinheirinho extra.
Mas, preparem-se porque aquele homem simpático, cordato, feliz até, vai mudar completamente na frente dos olhos de todos.
Para não desistir de seu sonho, Luciano vai visitar o inferno. Delírios de grandeza, mania de perseguição, paranoia e ideias fixas. Luciano vai enlouquecer completamente, por causa de um sonho. Bobagem, para muitos de nós mas a salvação de sua vida, para ele e outros como ele.
Com produção de arte de Paulo Bonfini e fotografia de Marco Onorato, que usam e abusam das luzes coloridas de palco no cenário e música de Alexandre Desplats, de inspiração felliniana, assistimos a uma tragicomédia entre personagens caricatos, falastrões e com um gestual exagerado e até patético.
O filme levou o Grande Prêmio do Juri em Cannes 2012 e a interpretação de Aniello Arena foi muito elogiada. Ele é um ex-mafioso, condenado à prisão perpétua por três homicídios, que aprendeu teatro na cadeia e obteve permissão do juiz para participar da filmagem.
“Reality - A Grande Ilusão”, dirigido por Matteo Garrone, que também trabalhou no roteiro, é uma fábula contemporânea sobre o velho tema de vender a alma ao diabo, com a novidade que aqui alguém não consegue isso e afunda na loucura. O desejo é de obter fama e fortuna. Sabemos que dramas faustianos nunca acabam bem.
“Reality - A Grande Ilusão” é um filme divertido, patético e oportuno, num mundo de “celebridades” instantâneas em que vivemos hoje em dia.

sábado, 4 de maio de 2013

O Sonho de Wadjda



“O Sonho de Wadjda”- “Wadjda” Arábia Saudita/ Alemanha, 2011
Direção: Haifaa Al Mansour


Ela só queria ter uma bicicleta. Um sonho comum de qualquer menina da idade dela. Mas lá onde Wadjda vive, só meninos podem andar livremente de bicicleta, entre outras coisas que só meninos e homens podem fazer.
Mas ela é teimosa e quando quer uma coisa, sai da frente, como diria sua mãe.
Não podendo esperar ganhar dos pais esse presente, que meninas de bem não cobiçam, ela tratou de arranjar dinheiro para a bicicleta. Sabendo de um concurso na escola para ver quem é a melhor estudante do Corão, livro sagrado dos muçulmanos e mais, que o prêmio era em dinheiro, ela não hesita. Dedica-se ao estudo como se fosse uma religiosa fanática.
E faz o homem da loja prometer que a bicicleta verde está reservada para ela. Todo dia passa por lá, para acariciar o guidão enfeitado com fitas.
O amiguinho da menina, que a ensina a andar de bicicleta, ainda não tinha se tornado um homem que olha as mulheres de cima, como o pai de Wadjda. Um dia, ele até disse, com olhos de admiração, que quando crescesse ia se casar com ela.
Abdullah faz a gente pensar que algo pode mudar na Arábia Saudita se meninas como Wadjda conseguirem se impor. Quem sabe?
Aliás, a diretora do filme “Um Sonho de Wadjda”, Haifaa Al Mansour, foi uma dessas meninas. Pioneira, lutou contra os preconceitos e a tradição machista e conseguiu tornar-se a primeira mulher da Arábia Saudita a fazer um filme de ficção, rodado em Riad, capital do país. Ela, que tem mestrado em direção e estudos de cinema na Universidade de Sydney, Austrália, já tinha assinado quatro documentários antes de “Um Sonho de Wadjda”.
É um filme corajoso. Mostra a vida no país como ela é. Sem disfarces, aponta o lugar inferior reservado às mulheres e denuncia como é difícil mudar essa tradição, sem plantar na mente das meninas e mulheres que elas tem direitos pelos quais podem lutar, sem ter forçosamente que bater de frente com a religião.
Cada cultura tem os seus preconceitos que, aos olhos de um estrangeiro, podem parecer ridículos ou até ofensivos. Mas, se alguém, de dentro dessa cultura aspira por mudanças, por que não? Será só uma questão de tempo.
E claro, de persistência de muitas Wadjdas.
E parece que isso já está acontecendo porque está na cara que esse é o sonho da diretora desse belo filme que enternece até os corações mais duros.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

O Abismo Prateado



 
“O Abismo Prateado”- Brasil, 2011
Direção: Karim Ainouz

O mar à noite, ressoa em toda a sua imensidão prata e negra, quebrando em espuma de ondas brancas numa praia vazia.
Um homem solitário mergulha naquelas águas, depois olha à sua volta como se procurasse algo. Torso nu, só de sunga, atravessa, como um fantasma, as ruas de uma Copacabana iluminada pelos faróis dos carros, no trânsito pesado.
Depois, uma transa em “close”, o corpo dela sobre o dele, mas sentimos que ali não é tanto o tesão quanto a angústia, que ele trouxe com ele, que assume o comando. Vem o gozo mas não a paz para ele.
E na manhã seguinte, ela se prepara para o trabalho alheia ao que está acontecendo com ele, que se deixa rolar na cama, como se não tivesse descansado naquela noite.
“- Acorda, vai, amor. Vem tomar café com a gente. Que horas é o seu voo?”
E ele respira no escuro, buscando ar.
Quando o filho adolescente vem até o banheiro se despedir do pai, ele ensaia palavras:
“- Deixa eu falar com você...” diz puxando o filho pelo braço.
“- Você tá molhado pai”, responde o garoto se esquivando, “boa viagem.”
Está claro que nada vai bem para esse homem.
E Violeta, a bela e eficiente dentista, mulher dele, vai levar um susto durante o dia. Não com o tombo de bicicleta logo cedo mas com a mensagem que seu marido deixou gravada no celular dela.
Pequeno, delicado, enternecedor. Assim é “O Abismo Prateado”, filme dirigido por Karim Ainouz e roteirizado pelo diretor e Beatriz Bracher.
Inspirado na canção “Olhos nos Olhos” de Chico Buarque, que todo mundo conhece, conta um abandono sofrido por uma mulher.
Alessandra Negrini, atriz esplêndida, brilha no filme que é dela. E seguimos seu percurso dolorido, enquanto ela lava e faz curativos nas feridas de seu corpo por causa dos tombos que levou naquele dia, sabendo que as feridas do coração estão abertas e sangram à sua revelia.
Como é difícil passar pela rejeição... O chão falta, a dor é surda, o choro não ajuda.
Ela anda a esmo pela cidade com um olhar escuro. Nada a conforta, até que encontra outros seres humanos abandonados (Gabi Pereira e Thiago Martins) e descobre que há muitos caminhos pela vida que valem a pena ser trilhados. Entendendo isso, a ferida no coração de Violeta começa a cicatrizar. E ela termina esse dia tomando um sorvete enquanto o sol nasce em Copacabana.
Procure essa memória afetiva dentro de você e vá recordá-la nesse filme lindo.