quarta-feira, 26 de agosto de 2020

Crimes de Família



“Crimes de Família”- “Crimenes de Família”, Argentina, 2020
Direção: Sebastián Schindel

Um estreito corredor de ladrilhos e ao fundo, uma porta com um visor de vidro opaco. Há alguém se movimentando lá dentro. A porta se abre e uma mulher, quase que em silhueta, sai descalça e com passos lentos. Algo obscuro e sombrio é um sentimento que paira no ar.
Em seguida, a câmera mostra os retratos emoldurados da família, distribuídos entre os móveis da sala de estar. Uma casa de classe média alta, deduzimos.
Alicia (Cecilia Roth, uma das maiores atrizes da Argentina) recebe três amigas para uma aula de ioga e chá com bolos, em sua casa. Uma delas pergunta sobre o filho de Alicia, algo que a perturba mas que não é esclarecido. Um segredo?
Depois que saem as amigas, a dona da casa vai até a cozinha, onde comenta com Gladys, a empregada, que ela deveria começar um regime:
“- Você tem que se cuidar. Olha essa barriga ... Não está grávida novamente, espero. Aqui não há lugar para mais um. ”
Mas um menino de uns 5 anos, que também está na cozinha, interrompe Alicia, que chama de “Tia”, para mostrar seus desenhos. Ela responde com carinho ao pedido da criança.
Toca o telefone. É um chamado do presídio. Daniel quer falar com a mãe. Qual será o crime que cometeu?
Na próxima cena, num hospital, Gladys pede ajuda mas não é atendida. Está algemada à cama. Outro crime?
Depois vemos Alicia e seu marido (Miguel Ángel Solá) que estão visitando o filho deles na prisão. Daniel é um rapaz jovem, bonito, cabelos e olhos claros mas com um semblante angustiado. A mãe o abraça e o pai pede que conte o que aconteceu.
“- Sempre a Marcela. Sabe como ela é. Não me deixa ver o meu filho. Eu fui na casa dela e ela fez um escândalo e me denunciou. Tem aquela coisa de não poder chegar perto dela por causa da sentença do juiz...”
Entendemos que Daniel estava preso porque tinha sido acusado de abuso e tentativa de homicídio por sua  mulher, de quem estava separado. Ela o acusava também de ser viciado em crack.
O diretor Sebastián Schinel, disse em uma entrevista:
“- É um filme sobre mulheres, uma história de três mães que são capazes de tudo por amor a seus filhos.”
Schindel baseou-se em dois crimes da vida real para escrever o roteiro. Tais crimes não tinham nada a ver um com o outro, salvo a questão de “agravo pelo vínculo”, ou seja, havia uma relação íntima entre o acusado e a vítima.
Schindel continua:
“- Decidi combinar dois casos que nada tem que ver para que aconteçam na mesma família que tem como matriarca Alicia, que vai ser a protagonista involuntária desta tragédia, na qual, talvez atuando com as melhores intenções, toma as piores decisões. “
A pandemia foi a responsável pelo lançamento do filme na NETFLIX e o diretor diz ter gostado dessa chance de mostrar seu filme a milhões de espectadores.
Que terminarão de ver o filme com olhos marejados.
“Crimes de Família” é comovente.


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domingo, 23 de agosto de 2020

A Duquesa I e II Amazon



“A Duquesa I e II”- “La Duquesa I e II”, Amazon, 2011
Direção: Salvador Calvo

Desde menina ela passava tempos admirando o quadro da Duquesa de Alba, sua antepassada, pintado por Goya. Dona de um rosto delicado onde os grandes olhos negros sobressaiam, num vestido branco, corpete vermelho, ostentando uma vasta cabeleira encaracolada, ela era uma lenda. Diziam que seu carisma enlouquecia os homens e que Goya teria sido seu amante.
Cayetana, como a chamavam, tinha mais de 15 nomes e era a única filha de Jacobo Fitz-James Stuart, XVII Duque de Alba. Não tendo herdeiros homem, o pai educou-a severamente para sucedê-lo.
A mãe era 20 anos mais nova que o pai, de 42 anos, tinha sido dama de companhia da rainha Victoria e só depois de 6 anos de casada nasceu a filha.
Cayetana perdeu a mãe quando tinha 8 anos e nunca foram próximas, porque tendo contraído tuberculose, ela afastou-se da filha para evitar contágio.
Essa mulher vai se tornar a mais titulada da Espanha e também a mais rica, com uma fortuna de 3.5 bilhões de euros.
A série da AMAZON, com duas temporadas de dois capítulos cada uma, conta a história dela, na juventude interpretada por Irene Visido e depois por Adriana Ozores.
Muito bem produzida, com locações reais e direção de Salvador Calvo (“Adu”), a série “A Duquesa” mostra os palácios, jardins com fontes e estátuas, a rica coleção de obras de arte onde brilhavam Rubens, Tiziano, Goya, o mobiliário de museu e os detalhes da decoração luxuosa com pesadas cortinas de seda adamascada, tapetes antigos e lustres magníficos.
Vamos vê-la como uma menina que era educada para enfrentar as dificuldades da vida não se esquecendo nunca da dignidade de um Alba. E depois uma jovem atraente e charmosa, que apreciava touradas e toureiros.
Veremos a história de sua vida e de seus dois casamentos. Houve um terceiro, aos 84 anos, não aprovado pelos filhos e talvez material para uma terceira temporada.
O primeiro casamento com o primo Don Pedro Luis Martinez de Irujo y Artézcaz (1919-1972), casamento por amor e não arranjado como era o costume na aristocracia, com quem teve 6 filhos e durou 26 anos até a morte do Duque. E o segundo aos 52 anos, também apaixonada, com um ex padre jesuíta, Jesus Aguirre y Ortiz de Zorate (1939-2001) que durou 23 anos até a morte do marido.
A Duquesa de Alba era alegre, dançava flamengo com graça e apreciava o mundo da sociedade aristocrática e também o da noite. Os paparazzi viviam atrás dela e eram frequentes seus retratos nos jornais e revistas. Vestia-se de forma exuberante, muitas vezes extravagante.
Cayetana, uma Grande de Espanha, sabia da autoridade que possuía, não apenas por suas posses e títulos mas porque ela era assim. Poderosa.
Nascida no Palácio da Lira em Madrid em 8 de março de 1926, a 18ª Duquesa de Alba faleceu no Palácio de las Dueñas, em Sevilla, aos 88 anos de idade.
A série merece ser vista. É a primeira vez que comento a AMAZON mas agora em diante vou seguir mais de perto a programação.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Adu



“Adu”- Idem, Espanha 2020
Direção: Salvador Calvo

Adu é um menino negro de 6 anos, franzino, grandes olhos expressivos que, com sua irmã mais velha Ali, ouvem tiros na floresta e vão de bicicleta ver o que está acontecendo.  Arrastam-se no solo para não ser vistos e, com pesar, descobrem um elefante enorme morto com um homem serrando suas presas de marfim. As crianças conhecem Kimba pelo nome e sabem que ele era o animal mais importante da Reserva em Camarões.
Chegam os vigias e Gonzalo, o homem dono da ONG que pretende defender os elefantes dos caçadores ilegais. Tarde demais.
Amedrontadas, as crianças saem correndo e deixam suas bicicletas. Erro fatal. Porque a partir daí serão procurados pelos homens que temem as testemunhas da matança que poderão denunciá-los.
À noite entram na casa pobre sobre palafitas atrás das crianças que conseguem escapar nadando. Planejam sair dalí e ir para a Espanha. Como? Não sabem.
Dia claro, Gonzalo vai buscar sua filha Sandra no aeroporto. Cruza cm as crianças, que poderiam ser suas testemunhas, mas sua mente está preocupada com a chegada da filha que tem problemas com drogas.
Ao norte, na fronteira entre a União Europeia e o Marrocos, aconteceu uma morte à noite, quando imigrantes esfarrapados e famintos, tentavam escalar a grade que fecha a fronteira. Num acidente, um homem cai do outro lado e um policial bate nele. Outro policial, Mateo, tenta massagem no coração mas o homem morre. Vai haver sindicâncias e processo.
Essas três histórias irão se entrelaçar. Em todas há um apelo de ajuda e compaixão.
Adu é como se fosse a imagem da África. Nele o instinto de sobrevivência é muito forte. Escapa por um triz de situações difíceis e consegue ajuda e amizade de Massar (Adam Nourou), outro adolescente que fugiu aos maus tratos na Somália.
Gonzalo (Luis Tosar) e Sandra (Anna Castillo) vão ter que entender que ninguém consegue obrigar alguém a mudar seu jeito de viver, a não ser com ajuda amorosa. Pai e filha vão se confrontar.
E os policiais que respondem a processo pela morte do imigrante são os que vão resgatar Adu de uma quase morte.
O diretor espanhol Salvador Calvo conduz bem o ritmo do filme inspirado em histórias verdadeiras que ouviu quando rodava seu longa “1898-Los Ultimos Filipinos”. Mas quem mais surpreende é o pequeno Moustapha Oumarou, com a naturalidade de sua interpretação. Ele comove só com o olhar.
“Adu” mostra a África relegada, posta de lado. Um belo continente com populações que sofrem com miséria e doenças. É a África escondida que ninguém vê quando vai a safaris fotográficos mas que precisa ser mostrada para que haja alguma solução para tanto sofrimento.

domingo, 16 de agosto de 2020

A Prima Sofia



“A Prima Sofia” – “Une Fille Facile”, França, 2019
Direção: Rebecca Zlotowiski

Uma pequena praia de seixos brancos, entre rochas altas e um mar esmeralda, convida aos prazeres do verão. Um corpo que nada, entra nesse belo retrato.
Na tela um dito de Pascal: “ A coisa mais importante da vida é descobrir sua vocação, embora isso dependa também do acaso”. Nada explícito mas vem a calhar nesse filme que mostrará uma escolha de vida. Veremos como depende da pessoa mas também do meio onde vive.
Voltando à primeira cena, um corpo feminino perfeito, emerge da água e se entrega ao sol na região em que o mar encontra as pedrinhas da praia. Ela usa só a parte de baixo do biquíni verde. A sereia é Sofia ( Zahia Dehar) que veio passar um tempo em Cannes com a prima Naima (Mina Farid).
É também o primeiro dia das férias e os alunos saem animados, comentando seus planos de verão. Naima faz 16 anos e seus amigos trouxeram um bolo com velinhas e cantam parabéns para ela. Dentro de um envelope um dinheirinho como presente de Dodo, seu melhor amigo.
Naima entra no apartamento pequeno onde mora com a mãe, chamando por Sofia, que ela não via desde que a outra mudara para Paris.
“Ela mudou bastante” pensa Naima, que observa as roupas e o rosto plastificado da prima, fascinada com a tatuagem bem acima do belo traseiro: “Carpe Diem”.
“- Significa que você tem que aproveitar o presente, aproveitar cada dia porque o futuro ninguém conhece” explica Sofia que acrescenta que o amor não a interessa. “- Quero viver a noite e seus prazeres. ”
E como Naima tinha se encantado com uma bolsa Chanel de Sofia, ganha uma igualzinha.
“- Estou chocada com os 4.000 euros que você gastou comigo... “
E lá vão as duas para o porto onde estão os belos iates e os rapazes.
Dia seguinte estão na praia lendo conselhos de tratamento para o cabelo numa revista, quando um belo iate branco se aproxima da praia e um homem moreno troca longos olhares com Sofia.
À noite vão se conhecer e Naima vai observar um outro lado da vida que Sofia escolheu.
A mãe de Naima trabalha num hotel e se preocupa com a influência sobre a filha:
“- Você acha que Sofia é livre? A liberdade vem do trabalho. Sofia escolheu um trabalho duro... Mas quero que você aproveite as férias e depois faça o estágio com o “chef” do hotel. ”
A diretora e roteirista Rebecca Zlotowski não fala em prostituição. Sofia, a sereia bela, gosta do que faz e não se entrega ao amor mas ao sexo, com o qual domina os homens que a olham com desejo quando ela passa. É sua escolha.
Naima a observa e também faz sua escolha.
As atrizes são excelentes, assim como os amigos do iate branco, Nuno Lopes que faz o milionário brasileiro que lida com arte e Benoit Magimel, seu braço direito, que ajuda Naima a pensar sobre a vida.
O filme é um conto moral mas sem julgamentos nem condenações. Não se aponta ninguém com o dedo do certo e do errado. Cada um que viva suas escolhas e as consequências que virão.


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Love Story - Uma História de Amor



“Love Story – Uma História de Amor”- “Love Story”, Estados Unidos,1970
Direção: Arthur Hiller

Aquele rapaz curvado e só, olhar perdido, sentado na frente de uma pista de patinação no gelo vazia, pergunta para si mesmo:
“- O que se pode dizer de uma menina de 25 anos que morre? Ela era linda, brilhante e gostava de Bach, Mozart, The Beatles e de mim. “
E começamos a ver a história já emocionados mas querendo saber o que foi que aconteceu.
O primeiro encontro foi na biblioteca de Radcliffe, uma universidade só para mulheres, no Estado de Nova York, onde ela estudava música. Um tom de brincadeira se instala desde o começo, já mostrando que aqueles dois tem uma atração enorme um pelo outro. Ele é rico, bonito, estuda em Harvard. É Oliver Barrett IV (Ryan O’Neal). Ela é Jenny Cavilleri (Ali MacGraw) pobre, bonita, muito charmosa e tem sempre uma reposta para tudo.
Ele não se sente à vontade quando ela pergunta o sobrenome dele porque há uma imensa diferença social entre eles. E Oliver não se orgulha do dinheiro do pai banqueiro. O contrário. Os dois estão brigados.
Mas ela não se interessa pelo dinheiro dele. Está atraída por ele. Quando saem juntos da biblioteca e chegam ao prédio do campus da universidade onde ela mora, acontece o primeiro beijo. Quando chega em seu quarto, olhos brilhantes, ele liga para ela:
“- O que diria se eu dissesse que estou apaixonado por você? “
“- Conheço sua fama “, responde ela rindo.
Como são bonitos aqueles dois juntos. As cenas no campo branco de neve onde fazem “anjos”, rolam e brincam como crianças, rindo sem parar, são deliciosas. Estudam com ela no colo dele e os dois com livros nas mãos e a cabeça em outra coisa.
Ele não pode mais viver sem ela. Quando ela conta que vai estudar em Paris onde conseguiu uma bolsa de estudos, ele se adianta:
“- Você vai depois do nosso casamento! ”
Os dois se olham encantados.
Quando vão conhecer os pais de Oliver, aquela mansão num parque de arvores centenárias, ela comenta:
“- Não sabia que era tanto...Rico demais para mim...”
Mas na verdade Jenny tem um temperamento amoroso e quer ajudar Oliver a sair de sua posição intransigente frente ao pai. Não consegue e se casam com simplicidade e o encanto da juventude e do amor impregnando todos os poucos ao redor deles. Inclusive Phil, pai de Jenny, que vai dar suporte a Oliver quando ela se for.
“Amar é nunca ter que pedir perdão”, é o lema do filme que nos anos 70 foi sucesso pelo mundo afora. A música de Francis Lai ganhou o Oscar.
“Love Story” vai sempre mexer com as nossas emoções. É um clássico do cinema.


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Queen



“Queen”, Índia, 2013
Direção: Vikas Bahl

A casa de Rani, em Nova Delhi, está tumultuada. Daqui a dois dias ela vai se casar e muitos são os preparativos que a envolvem e também às amigas e parentes que vieram para a festa.
Rani sabe que seu nome que dizer “Rainha” e se sente o centro das atenções. E gosta disso, apesar de ter fama de ser tímida. Um véu vermelho bordado de dourado emoldura seu rosto radiante.
Rani é morena de pele clara, longos cabelos negros e grandes olhos num rosto harmonioso. Seu casamento com Vijay (Raj Kummar Ra) não foi um daqueles arranjados pela família. Eles se amam, ela tem certeza. Sonha com o futuro, enquanto suas mãos estão sendo pintadas com hena, um costume indiano.
Todas as convidadas cantam e dançam, celebrando a felicidade de Rani. Palitos de fogos de artifício iluminam mais ainda a cena colorida e alegre.
Mal sabe Rani que a visita do noivo no dia seguinte vai cair como uma bomba:
“ - Rani, sinto muito, não posso me casar com você. Minha vida mudou. ”
Estão num pequeno café e Rani chama a atenção de todos porque é impossível não chorar com essa notícia abrupta que muda toda a vida e os sonhos dela.
Rani chega em casa e se tranca no seu quarto. A mãe chora e o pai não sabe o que fazer.
Rani relembra como se conheceram na loja de doces do pai dela. Ele a perseguia em todos os lugares e chamava Rani de “My Queen”. Um dia apareceu numa moto com balões vermelhos em forma de coração. Como não se apaixonar por aquele rapaz romântico?
Ele vai estudar Engenharia em Londres e diz que tatuou o nome dela no coração. Todas essas lembranças machucam.
Mas Rani, no dia seguinte, surpreende a família dizendo que vai fazer a lua de mel sozinha. Enlouqueceu?
Pois esse foi o primeiro passo na direção oposta a aquela para a qual se preparara. Sem noivo, sem amigas, mal arranhando o francês, ela voa para Paris. Sempre fora a cidade que ela quisera conhecer.
E lá vai nascer um nova Rani que enfrentará os obstáculos do caminho enfrentando tudo com forças internas que ela não sabia que tinha.
Adeus à Rani chorona. Benvinda a nova Rani, de cabelos soltos, aberta para as coisas boas que a vida tinha para oferecer. Mas sem perder seu jeitinho correto de ser.
O filme foi sucesso de público e crítica. A atriz principal, Kangana Ranaut, é muito expressiva e o elenco dá uma piscadela para o tema do racismo e da aceitação do diferente, já que reúne jovens de todas as cores de pele.
Como o orçamento era baixo foi filmado “in loco”, tanto em Paris como em Amsterdan, o que deu bastante cor local ao filme, com cenários verdadeiros e uma bela fotografia.
“Queen” nos fala também da nova mulher que nasce na Índia, se aventurando sozinha pelo mundo e aproveitando as oportunidades que a vida oferece. O casamento não será o único destino dessa nova mulher que pode escolher o que quer viver, sem a tutela dos pais e dos casamentos arranjados respeitando castas.
É um filme sem pretensão mas que diverte. E como em todo filme indiano, muita música mas que aqui segue o roteiro e as aventuras de Rani.
Vale ver.