“Destacamento Blood”- “Da 5 Bloods”, Estados Unidos, 2020
Direção: Spike Lee
O genial diretor negro faz seu novo filme retratar o
problema do racismo de maneira exemplar. Usa a Guerra do Vietnã como cenário,
de 1965 a 1973, anos da participação americana, com o discurso do
anticomunismo. Apoiavam o sul contra o norte do Vietnã. Os números dos mortos
entre os negros eram escandalosos: 34% do exército era de negros na época que
representavam 11% da população americana.
No começo vemos nomes famosos, líderes do movimento de
direitos civis como Muhammad Ali, numa entrevista, chamando a atenção sobre o
absurdo da guerra no Vietnã e o porquê de não se alistar: “...nunca me fizeram
mal, nem me atacaram com cães nas ruas...” Depois Malcom X: “...os pretos
cortaram algodão por 20 anos sem nenhuma paga, algum dia essas pessoas vão se
voltar contra vocês”. E Angela Davis em 1961 enche a tela lembrando para todos
nós o “Black is Beautiful”.
E lá do outro lado do mundo, monges se queimavam pela paz.
Soldados morriam e matavam a população civil também. E um general vietnamita do
Vietnã do sul, aliado dos americanos, dá um tiro na cabeça de um homem que cai
morto na frente da câmera. E o horror no filme mostrando crianças desesperadas
correndo com o corpo queimado pelo napalm. Saigon cai em 1975 e os refugiados
do sul superlotam balsas.
Décadas depois chegam os “Bloods” em Ho Chi Min City, antiga
Saigon. Esse nome não é familiar para nossas plateias. Trata-se de gangues
violentas de Los Angeles, que usam a cor vermelha.
No hall do hotel se reúnem com alegria os quatro soldados
americanos negros que lutaram juntos sob o comando do sargento “Stormin’
Norman”, que morreu na guerra. O número 5 do título do filme.
A razão da viagem era a recuperação do corpo do sargento,
autorizados pelos americanos, para ser sepultado em Arlington. Bem, essa era a
missão oficial. Mas por trás dela havia um segredo bem guardado: o ouro da CIA
destinado a pagar os vietnamitas do sul.
O diretor insere filmes reais da guerra em preto e branco e
faz flashbacks dos enfrentamentos em que participaram os quatro atores e não
muda o visual deles. Talvez para mostrar que são lembranças onde o único que
morreu aparece jovem. O ouro foi enterrado para ser resgatado por eles depois
da guerra.
Assim Melvin (Isiah Whitlock Jr), o médico Otis (Clark
Peters), Eddie (Norm Lewis) e Paul, o líder “cabeça quente” (Delroy Lindo, ator
espetacular), se abraçam e fazem piadas, intimamente antecipando o tesouro
enterrado.
De improviso chega no hotel o filho de Paul, David (Jonathan
Majors), preocupado com o pai, que não gosta da presença dele.
“- Norman era uma religião para seu pai”, diz Otis para
David que conta que o pai está perturbado e violento. Em pesadelos grita o nome
de Norman.
Combinam ir com um guia vietnamita até certo ponto e depois
seguir sozinhos. Claro, o segredo do tesouro era crucial. Tinham mapas e
localizador de metais. Mas não antecipavam os perigos que teriam que enfrentar.
Hedy (Melanie Thierry) uma francesa de uma ONG, diz para
David:
“- As guerras levam muito tempo para acabar. Não vê as minas
terrestres ainda matando gente? E as bombas? “
Paul se destaca como o mais desequilibrado e traumatizado.
Ele vai fazer uma viagem interna para um passado que quer esquecer mas não
consegue. Seus demônios internos aparecem e ele vai sofrer uma catarse
necessária, numa belíssima cena.
O filme de Spike Lee tem diversas camadas de entendimento e
referências a filmes como “Apocalypse Now”, com “As Valquírias” de Wagner e o
helicóptero negro contra o disco vermelho do sol, por exemplo.
E o belo som das canções de Marvin Gaye.
O filme termina com o discurso de Martin Luther King que foi
também lembrado nas manifestações em torno ao assassinato de George Floyd por
jovens do mundo todo contra o racismo e a violência.
“Black
Lives Matter” porque “All Lives Matter”.