“Você Não Estava Aqui”- “Sorry we missed you”, Inglaterra,
2019
Direção: Ken Loach
Você já pensou em como funciona o nosso atual sistema de
entregas rápidas? Claro que do ponto de vista de quem é o comprador, não há
maiores queixas. Inclusive num cenário muito competitivo só sobrevive quem
consegue fazer o que promete quem vende.
Esse novo sistema é o foco do novo filme do diretor
britânico Ken Loach, 83 anos, um dos cineastas mais coerentes em sua produção
cinematográfica. Ele ganhou a Palma de Ouro em Cannes em 2006 por “Ventos da
Liberdade” e sua segunda em 2016 por “Eu, Daniel Blake”. Quem já conhece o
cinema dele sabe que seu objetivo é sempre mostrar para os espectadores
problemas relacionados às condições de vida da classe operária e trabalhadora.
Aqui você vai ver o ponto de vista do entregador sobre seu
próprio trabalho. E acompanhar sua desilusão sobre o sonho de não ter patrão,
fazer seus próprios horários e ter mais tempo para a família.
Em “Você Não Estava Aqui” ele nos coloca vivendo com uma
família que, depois da crise de 2008, não consegue se aprumar financeiramente.
Eles se amam, pai e mãe são um casal afetuoso e há um filho adolescente e uma
menina de 11 anos.
Abby, a mãe (Debby Honeywood), trabalha como cuidadora de
idosos e deficientes que precisam de ajuda porque moram sozinhos. Ela é
carinhosa e competente e tem muita paciência e compreensão com seus clientes.
Por causa de sua dedicação, muitas vezes chega tarde em casa
e tem que orientar sua filha sobre o jantar pronto na geladeira. Quando chega,
sente-se culpada porque vê a filha esperando por ela, bem depois da hora em que
deveria estar dormindo. A escola começa cedo.
Num desses dias, Ricky (Kris Hitchen) e Abby conversam no
jantar sobre a dificuldade de encontrar emprego. É aí que o marido pede à
mulher que deixe ele vender o carro dela. O plano é empregar-se como autônomo
numa empresa de entregas rápidas. Para isso teria que dar a entrada para
comprar a prestações a van que é o veículo exigido pela empresa.
Ricky imagina que vai ser vantajoso não ter patrão, poder
fazer seus próprios horários e finalmente poder pensar em economizar para a
casa própria.
Abby fica desanimada porque seu carro é instrumento de
trabalho. Muitos clientes moram longe. Mas ela se sacrifica e vai pegar vários
ônibus todo dia. Talvez chegar mais tarde ainda à noite em casa.
E, infelizmente, vendido o carro e conseguida a última vaga
existente, Ricky percebe que se enganou com as condições de trabalho. Não se
leva em conta qualquer problema. Atrasos em entregas são multados, não
importando o caos do trânsito. Uma maquininha impõe horários e o cliente pode
seguir o trajeto da mercadoria do galpão até sua casa. Perder essa maquininha
significa ter que pagar 1.000 libras e faltas sem que haja substitutos custam
100 libras para o entregador. Não há a quem recorrer se o problema for de saúde.
Ou seja, o ritmo e as regras são desumanos. E Ricky não vai
ter tempo de ver a família. Trabalhará 14 horas seguidas e o banheiro será uma
garrafa.
A família toda vai sofrer. Ken Loach faz a gente parar para
pensar no que sustenta o nosso modo de vida contemporâneo. Somos mais felizes
às custas do sofrimento de outros. Qual o preço da infelicidade dos que prestam
serviços essenciais aos outros e são tratados dessa maneira?
O filme não vai mudar o mundo mas pode levar muitos de nós a
pensar no que nunca passou pela nossa cabeça.
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