“Lady Macbeth”- Idem,
Inglaterra, 2016
Direção: William Oldroyd
Quando a vemos pela primeira
vez, Katherine porta um véu branco de noiva e ouvem-se cânticos de igreja. Mas
algo nada romântico cerca aquela mocinha. Está em seus olhos.
E logo a vemos ser vestida
com uma camisola pela empregada negra, que pergunta:
“- Está nervosa?”
Ela responde que não e
senta-se na cama, à espera do marido.
Quando ele chega, muito tempo
depois, é para dizer que ela deve ficar dentro de casa e para ordenar com
rudeza que tire a camisola. Nua, ela espera mas o marido joga-se na cama, sem um
olhar para ela.
Na cena seguinte a câmara
mostra a paisagem de colinas crestadas pelo frio. Ouvem-se trovões.
Aos poucos, o ritual
quotidiano se repete, com Katherine num vestido azul-pavão brilhante que
contrasta com a falta de cores da casa e dos tons escuros da paisagem. Sentada
ereta no sofá com a saia armada pela anágua dura e o corpo apertado num
corpete, o longo cabelo preso em tranças num coque, ela espera. E a espera é
sempre longa e entediante. Nada acontece.
Mas Katherine, debaixo de sua
aparente natureza dócil, esconde algo que vai surgir e florescer nesse ambiente
de servidão onde vive.
À noite, nua e olhando para a
parede, ouve o marido perpetrar sua rotina de masturbação, sem permitir que ela
o encare.
Katherine (a excelente
Florence Pugh, de apenas 19 anos) foi comprada como mercadoria pelo pai de seu
marido (Paul Hilton), muito mais velho do que ela, sendo o sogro um brutal dono
de minas de carvão (Christopher Fairbanks) que só quer que ela dê um herdeiro à
família. Ele faz com que ela se lembre desse dever o tempo todo e a trata tão
mal quanto trata a empregada negra, Anna (Naomie Ackie, uma atriz que fala com
os olhos).
Mas Katherine, debaixo de sua
aparente natureza dócil, esconde algo que vai surgir e florescer nesse ambiente
de servidão onde vive. A rebeldia começa pela procura de ar puro, algo que a
livre do clima claustrofóbico da casa. Agasalhada com seu xale, cabelos ruivos
ao vento, ela visita as colinas terrosas de Northumberland, norte da
Inglaterra.
O marido mais viaja do que fica
em casa, o que faz com que Katherine descubra o alojamento dos empregados e lá
encontre Sebastian (Cosmo Jarvis), para quem a sexualidade de Katherine se abre
e ele a torna mulher.
Vemos no rosto expressivo da
atriz Florence Pugh a transformação ocorrida quando ela se instala no
território feminino e exerce livremente seus poderes de sedução.
E é aqui que Lady Macbeth
encontra Lady Katherine, pois ambas buscam o poder. O que o marido lhe nega,
ela busca por si mesma e começa uma escalada de tomada do poder na casa dos
Leicester. Katherine quer sempre mais. E, por isso, vai precisar eliminar aqueles
que se interpõem entre ela e seu alucinado desejo de liberdade.
O roteiro foi escrito por
Alice Birch que adaptou a novela do russo Nikolai Leskov de 1865, “Lady Macbeth
do Distrito de Mtsensk”. A ação foi deslocada para a Inglaterra vitoriana do
século XIX e bem sabemos que não era fácil ser mulher nessa época. E o final
foi mudado para se adaptar com mais clareza à psicose desenvolvida por Lady
Katherine.
O diretor estreante, William
Oldroyd, veio do teatro e conta a história de maneira seca, quase sem música
que, quando aparece, faz pesar ainda mais o clima naquela casa dos Lester.
E os personagens secundários
e servos são negros, outra mudança na história russa, numa alusão direta ao
racismo e classe social, assunto tão candente nos dias de hoje.
Exemplar é a transformação do
agredido em agressor, com todas as consequências que isso trouxe para Lady
Katherine.
Não é a natureza humana livre
que se expressa nela mas o peso da explosão de seus limites.
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