Direção: François Ozon
Nossa sexualidade foi mapeada no século XX mas muito
ainda está por ser visto e estudado.
O que chamamos de “novas sexualidades” é um campo que
atrai François Ozon, diretor de cinema francês, 47 anos, sempre antenado naquilo
que é secreto, bizarro, escondido (“Dentro da Casa”2012, “Jovem e Bela” 2013,
“Ricky”2009).
“Uma Nova Amiga” começa com uma cena espantosa. Em
close, vemos uma boca ser pintada, cílios maquiados, brincos colocados. Um homem
veste uma bela moça morta. Um caixão branco, forrado de cetim vermelho, acolhe o
corpo da moça vestida de noiva.
Na igreja, o elogio fúnebre de Laura, feito por sua
melhor amiga, Claire (a belíssima Anais Demoustier), leva-nos em “flash back” ao
tempo em que ainda eram meninas, inseparáveis, unidas pelo sangue de um pacto
cigano:
“- Na vida e na morte!” bradam as duas na
floresta.
Laura (Isild Le Besco) morreu deixando uma filha bebê,
Lucie, que tem Claire como madrinha e ela torna pública uma promessa que fez à
amiga:
“- Eu prometi cuidar de Lucie e David. E eu vou cumprir
a minha promessa.”
O luto está sendo doloroso para Claire, que não consegue
sair da cama. Quando sai, vê Laura em todos os cabelos louros que passam. Pensa
até em pular da janela do escritório. Pede então uma licença médica e fica em
casa.
O marido (Raphael Personnaz) pergunta por que não vai
ver Lucie. Ela diz que teme sofrer ainda mais pensando em Laura.
Mas vai.
E o susto que Claire leva quando entra na casa de Laura,
já que a porta está aberta, vendo David (Romain Duris, surpreendente) dar a mamadeira para Lucie, é enorme.
Para seu espanto e mesmo horror, ele está vestido com as roupas de Laura,
maquiado e com uma peruca loura.
“- Faço isso por causa de Lucie. Ela não queria mamar
nem dormir mas desde que me vesti com as roupas de Laura, ela está feliz. Sou
uma presença materna para ela.”
Claire reluta em aceitar essas desculpas. Está assustada
porque não sabe como lidar com tudo isso. Tenta censurar David mas ele explica
que não é gay, adora mulheres e talvez por isso precise vestir-se assim de vez
em quando:
“- Laura sabia e aceitava. Só pediu para eu não fazer
isso em público.”
E o travestismo de David vai mexer muito mais com Claire
que batiza o marido de Laura com o nome de Virginia. E
as duas tornam-se melhores amigas. Passam tardes no
shopping escolhendo maquiagem, vestidos, bijuterias, vão ao cinema, papos e
risos. Virginia atraindo olhares, Claire discreta.
Mas a história se complica porque tem mais coisas que
Virginia quer fazer:
“- Quero uma vida nova. Você apareceu e para mim foi um
renascimento”, diz para Claire.
François Ozon não toma partido. Não julga. No máximo
parece dizer que o desejo é fluido, mutável.
Numa bela cena num cabaré, vemos emoção e tristeza
estampadas nas lágrimas da plateia, velhos travestis e em Virginia, ao lado de
Claire, quando a exótica transformista dubla “Une Femme avec Toi”. A letra da
música repete “com você, eu sou mulher, finalmente”.
E esse é o dilema que se coloca para Claire: quem é
Virginia para ela? O marido de Laura que ela prometeu cuidar? Laura rediviva?
Uma nova amiga? Um novo amor?
Talvez só o respeito pelos próprios sentimentos consiga
fazer com que a vida seja melhor, liberando as escolhas de preconceitos e
censuras alheias.
Difícil? Mas possível.
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