sexta-feira, 17 de julho de 2015

Uma Nova Amiga


“Uma Nova Amiga”- “La Nouvelle Amie”, França, 2014
Direção: François Ozon

Nossa sexualidade foi mapeada no século XX mas muito ainda está por ser visto e estudado.
O que chamamos de “novas sexualidades” é um campo que atrai François Ozon, diretor de cinema francês, 47 anos, sempre antenado naquilo que é secreto, bizarro, escondido (“Dentro da Casa”2012, “Jovem e Bela” 2013, “Ricky”2009).
“Uma Nova Amiga” começa com uma cena espantosa. Em close, vemos uma boca ser pintada, cílios maquiados, brincos colocados. Um homem veste uma bela moça morta. Um caixão branco, forrado de cetim vermelho, acolhe o corpo da moça vestida de noiva.
Na igreja, o elogio fúnebre de Laura, feito por sua melhor amiga, Claire (a belíssima Anais Demoustier), leva-nos em “flash back” ao tempo em que ainda eram meninas, inseparáveis, unidas pelo sangue de um pacto cigano:
“- Na vida e na morte!” bradam as duas na floresta.
Laura (Isild Le Besco) morreu deixando uma filha bebê, Lucie, que tem Claire como madrinha e ela torna pública uma promessa que fez à amiga:
“- Eu prometi cuidar de Lucie e David. E eu vou cumprir a minha promessa.”
O luto está sendo doloroso para Claire, que não consegue sair da cama. Quando sai, vê Laura em todos os cabelos louros que passam. Pensa até em pular da janela do escritório. Pede então uma licença médica e fica em casa.
O marido (Raphael Personnaz) pergunta por que não vai ver Lucie. Ela diz que teme sofrer ainda mais pensando em Laura.
Mas vai.
E o susto que Claire leva quando entra na casa de Laura, já que a porta está aberta, vendo David (Romain Duris, surpreendente) dar a mamadeira para Lucie, é enorme. Para seu espanto e mesmo horror, ele está vestido com as roupas de Laura, maquiado e com uma peruca loura.
“- Faço isso por causa de Lucie. Ela não queria mamar nem dormir mas desde que me vesti com as roupas de Laura, ela está feliz. Sou uma presença materna para ela.”
Claire reluta em aceitar essas desculpas. Está assustada porque não sabe como lidar com tudo isso. Tenta censurar David mas ele explica que não é gay, adora mulheres e talvez por isso precise vestir-se assim de vez em quando:
“- Laura sabia e aceitava. Só pediu para eu não fazer isso em público.”
E o travestismo de David vai mexer muito mais com Claire que batiza o marido de Laura com o nome de Virginia. E
as duas tornam-se melhores amigas. Passam tardes no shopping escolhendo maquiagem, vestidos, bijuterias, vão ao cinema, papos e risos. Virginia atraindo olhares, Claire discreta.
Mas a história se complica porque tem mais coisas que Virginia quer fazer:
“- Quero uma vida nova. Você apareceu e para mim foi um renascimento”, diz para Claire.
François Ozon não toma partido. Não julga. No máximo parece dizer que o desejo é fluido, mutável.
Numa bela cena num cabaré, vemos emoção e tristeza estampadas nas lágrimas da plateia, velhos travestis e em Virginia, ao lado de Claire, quando a exótica transformista dubla “Une Femme avec Toi”. A letra da música repete “com você, eu sou mulher, finalmente”.
E esse é o dilema que se coloca para Claire: quem é Virginia para ela? O marido de Laura que ela prometeu cuidar? Laura rediviva? Uma nova amiga? Um novo amor?
Talvez só o respeito pelos próprios sentimentos consiga fazer com que a vida seja melhor, liberando as escolhas de preconceitos e censuras alheias.
Difícil? Mas possível.

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