Direção: John Wells
Antes mesmo dos títulos, o perfil de um cemitério na
colina, sob um sol incandescente, sugere o tom do que vamos ver numa paisagem
árida e clima sufocante, no Meio-Oeste americano, Oklahoma, Osage
County.
A voz de um homem cita uma frase de um poema de T. S.
Elliot: “A vida é longa.”
E continua:
“- Minha mulher toma pílulas, às vezes muitas... (pausa)
Não estou totalmente confortável com essa decisão...”
E eis que ela faz sua primeira chocante aparição. Meryl
Streep é Violet Weston, uma mulher que assusta mas que ainda não conseguimos
definir.
Sua figura é estranha. Cabelos brancos ralos, pele
amarelada, passo cambaleante. Entra no escritório do marido (Sam Shepard), que
está contratando uma empregada para ajudar na casa e ficamos conhecendo sua
língua ferina e sarcástica:
“- Essa é a mulher que lhe falei. Ela cozinha,
limpa...”
“- Uma índia? Ou devo dizer outra coisa? Você me acha
bonita?”
Diz tudo isso num tom irônico, mordaz. Perde o
equilíbrio e quase cai. Grita com o marido e volta-se para a mulher que a olha
num misto de medo e respeito:
“- Desculpe. Eu tomo pílulas por causa da minha
doença...”
E subitamente não consegue concluir a frase porque
enrola a língua, gagueja, ri. Sai tropeçando.
O marido está visivelmente desconfortável. Explica que
sua mulher faz quimioterapia porque tem câncer na boca.
“- Meu último refúgio são os livros. Prazeres
simples.”
E estende um livro para a moça morena (Misty
Upham).
E o quadro geral se completa quando o marido de Violet
desaparece e ela, transtornada, pede que a filha Ivy chame as outras duas que
moram longe dali.
E, quando elas chegam, começa o drama, quase uma
tragédia, com toques de humor negro. A convivência acirra os traços mais ácidos
da mãe, que, mais alucinada do que nunca, tem que enterrar o marido, Beverly,
cujo corpo foi achado.
O filme tem roteiro de Tracy Letts que escreveu a peça
de teatro em 2007 e ganhou um Tony na Broadway. É uma tragédia com momentos de
exagero. Centra-se nas relações perversas entre os membros de uma família, que
escondem segredos e competem pela frase mais agressiva e dolorosa que possam
dizer, num almoço após o funeral.
Um caldo de culpas, recriminações e ataques até físicos,
será servido para a plateia, que ri de nervoso.
O elenco é brilhante. Mas Meryl Streep leva sua
personagem como ninguém. Da megera que explode em ódio, à doçura de uma cena
onde procura uma dedicatória num livro do marido, ou quando, exausta, busca
conforto no colo de uma mulher, ela está perfeita. Complexa. Alucinada e
lúcida.
A filha do meio, Ivy, a mais doce e humana, a cargo da
atriz que veio da TV, Julianne Nicholson, traz um pouco de compaixão para a
tela.
A primogênita Barbara (Julia Roberts, num papel difícil
e bem levado), a preferida do pai, é cria da mãe dela, assim como a mãe foi cria
de outra, igual a ela agora.
Uma linhagem de mulheres não nascidas para o amor, nem
para a compreensão. São imaturas, infantis, ávidas por abocanhar pedaços dos
outros. Arrastadas pela compulsão para brigar e para odiar. Insanamente
carentes.
A caçula (Juliette Lewis), vive o que a vida oferece. E
foge para bem longe daquela arena sangrenta.
O diretor, John Wells, dá espaço para todo o elenco ter
o seu momento de centro do palco. Brilham todos. Os homens inclusive (Ewan
McGregor, Benedict Cumberbatch, Chris Cooper, sem falar do grande Sam
Shepard.)
“Album de Família” tem bons e maus momentos. Os
melhores, sem dúvida, na interpretação assombrosa de Meryl Streep, que não
ganhou o Globo de Ouro mas que, sem dúvida, estará na lista do
Oscar.
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