terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Gebo e a Sombra



“O Gebo e a Sombra”- Idem, Portugal, 2012
Direção: Manoel de Oliveira

Leonor Amarante, uma das atrizes preferidas de Manoel de Oliveira, estava presente na sessão da Mostra Internacional de Cinema do ano passado, quando fui ver o filme “O Gebo e a Sombra”. Ela contou para a plateia que haviam pedido para o diretor fazer um filme sobre a miséria mas que ele acabou fazendo um filme sobre a condição humana.
“O Gebo e a Sombra” é quase teatro filmado, com a câmera praticamente imóvel, filmando grandes atores numa sala de uma casa pobre, em pleno inverno.
Para mim foi um prazer rever Jeanne Moreau, que faz uma velhinha charmosa e opinativa, a Candinha, Claudia Cardinalle, a que se lamenta o tempo todo, Dorotea, mulher de Gebo e o grande Michael Lonsdale que é Gebo, o contador. Ricardo Trêpa, neto do diretor, é o filho ladrão, de Gebo e Dorotea.
A trama, baseada numa peça de teatro de 1920 do dramaturgo português Raul Brandão, parece resumir a natureza humana em seis personagens. Cada um deles vive a vida à sua maneira e, apesar de serem todos muito pobres, em alguns há resignação, em outros revolta e em outro ainda, uma saída dessa miséria pela escolha da arte como trabalho de uma vida. Outro mais, vive a idealização do que seria uma boa vida.
A melhor frase do filme é de Gebo:
“- Será que viemos a esse mundo para ser felizes?”
Soa muito atual essa preocupação em buscar uma felicidade que nos escapa, que está na vida dos outros e não na nossa e na ânsia de entender por que ela  foge assim de nós...
“- Será que temos só essa vida?”, é a pergunta de Leonor Amarante, que faz a nora de Gebo.
O velho contador é o personagem que aceita a vida como ela se apresenta, mostra compaixão e, na longa vida que teve, parece que aprendeu do que trata o tempo de uma existência humana.
Gebo parece ser o alter-ego do diretor, combinado ao personagem que põe a arte no centro de seu mundo.
Manoel de Oliveira, ainda surpreende com seu filme no qual o tempo e o que fazer dele é o tema principal.
Que ele continue a compartilhar conosco sua sabedoria por quanto tempo ainda ele puder.
Anunciou-se que seu próximo filme será  “A Igreja e  o Diabo”, baseado num conto de Machado de Assis.
Deve ser ótimo.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Indicações Ao Oscar 2014





Veja todos os indicados ao Oscar 2014:
FILME
“Trapaça”
“12 Anos de Escravidão”
“Gravidade”
"Capitão Phillips"
“O Lobo de Wall Street”
“Philomena”
“Nebraska”
“Ela”
“Clube de Compras Dallas”

ATOR
Matthew McConaughey, “Clube de Compras Dallas”
Chiwetel Ejiofor, “12 Anos de Escravidão”
Bruce Dern, “Nebraska”
Christian Bale, “Trapaça”
Leonardo DiCaprio, “O Lobo de Wall Street”

ATRIZ
Cate Blanchett, “Blue Jasmine”
Sandra Bullock, “Gravidade”
Judi Dench, “Philomena”
Meryl Streep, “Álbum de Família”
Amy Adams, “Trapaça”

ATOR COADJUVANTE
Jared Leto, “Clube de Compras Dallas”
Barkhad Abdi, “Capitão Phillips”
Michael Fassbender, “12 Anos de Escravidão”
Bradley Cooper, “Trapaça”
Jonah Hill, “O Lobo de Wall Street”

ATRIZ COADJUVANTE
Lupita Nyong'o, “12 Anos de Escravidão”
Jennifer Lawrence, “Trapaça”
June Squibb, “Nebraska”
Julia Roberts, “Álbum de Família”
Sally Hawkins, “Blue Jasmine”

DIRETOR
David O. Russell, “Trapaça”
Alfonso Cuaron, “Gravidade”
Steve McQueen, “12 Anos de Escravidão”
Martin Scorsese, “O Lobo de Wall Street”
Alexander Payne, “Nebraska”

ROTEIRO ORIGINAL
Spike Jonze, “Ela”
Eric Singer, David O. Russell, “Trapaça”
Bob Nelson, “Nebraska”
Woody Allen, “Blue Jasmine”
Craig Borten, “Clube de Compras Dallas”

ROTEIRO ADAPTADO
John Ridley, “12 Anos de Escravidão”
Terrence Winter, “O Lobo de Wall Street”
Steve Coogan, “Philomena”
Billy Ray, “Capitão Phillips”
Julie Delpy, Ethan Hawke, Richard Linklater, “Antes da Meia-Noite”

FILME ESTRANGEIRO
“A Grande Beleza” (Itália)
“Alabama Monroe” (Bélgica)
“L’Image Manquante” (Camboja)
“A Caça” (Dinamarca)
“Omar” (Palestina)

ANIMAÇÃO
“Frozen – Uma Aventura Congelante”
“Vidas ao Vento”
"Ernest and Celestine"
“Meu Malvado Favorito 2”
“Os Croods”

DOCUMENTÁRIO
“O Ato de Matar”
“A Um Passo do Estrelato”
“Cutie and the Boxer”
“Guerras Sujas”
“The Square ”

FOTOGRAFIA
"Gravidade”
“Inside Llewyn Davis”
“Os Suspeitos”
"Nebraska”
“O Grande Mestre”

EDIÇÃO
“Gravidade”
“Trapaça”
“Clube de Compras Dallas”
“12 Anos de Escravidão”
"Capitão Phillips”

DIREÇÃO DE ARTE
“Trapaça”
“Gravidade”
“12 Anos de Escravidão”
“O Grande Gatsby”
“Ela”

FIGURINO
“Trapaça”
“O Grande Mestre”
“O Grande Gatsby”
“The Invisible Woman”
“12 Anos de Escravidão”

MAQUIAGEM
“Clube de Compras Dallas”
“Jackass Apresenta: Vovô Sem Vergonha”
“O Cavaleiro Solitário”

MIXAGEM DE SOM
“Gravidade”
“O Grande Herói”
“Inside Llewyn Davis”
“O Hobbit: A Desolação de Smaug”
“Capitão Phillips”

EDIÇÃO DE SOM
“Até o Fim”
“Gravidade”
“Capitão Phillips”
“O Hobbit: A Desolação de Smaug”
“O Grande Herói”

EFEITOS VISUAIS
“Gravidade”
“O Hobbit: A Desolação de Smaug”
“Homem de Ferro 3”
“O Cavaleiro Solitário”
“Além da Escuridão: Star Trek”

TRILHA SONORA
“A Menina que Roubava Livros”
“Gravidade”
“Ela”
“Philomena”
“Walt nos Bastidores de Mary Poppins”

CANÇÃO ORIGINAL
“Alone Yet Not Alone” – Bruce Broghton (“Alone Yet Not Alone”)
“Happy” – Pharrell Williams (“Meu Malvado Favorito 2”)
“Let it Go” – Kirsten Anderson-Lopes (“Frozen: Uma Aventura Congelante” )
“The Moon Song” – Karen O. (“Ela”)
“Ordinary Love” – U2 (“Mandela”)

CURTA-METRAGEM
"That Wasn't Me"
"Just Before Losing Everything"
"Helium"
"Do I Have To Take Care of Everything?"
"The Vooman Problem"

CURTA-METRAGEM - ANIMAÇÃO
"Feral"
"Get a Horse"
"Mr. Hublot"
"Possessions"
"Room on the Broom"

CURTA-METRAGEM - DOCUMENTÁRIO
"CaveDigger"
"Facing Fear"
"Karama Has No Walls"
"The Lady in Number 6: Music Saved My Life"
"Prison Terminal: The Last Days of Privat Jack Hall"


 
 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Album de Família



“Álbum de Família”- “August: Osage County”, Estados Unidos, 2013
Direção: John Wells

Antes mesmo dos títulos, o perfil de um cemitério na colina, sob um sol incandescente, sugere o tom do que vamos ver numa paisagem árida e clima sufocante, no Meio-Oeste americano, Oklahoma, Osage County.
A voz de um homem cita uma frase de um poema de T. S. Elliot: “A vida é longa.”
E continua:
“- Minha mulher toma pílulas, às vezes muitas... (pausa) Não estou totalmente confortável com essa decisão...”
E eis que ela faz sua primeira chocante aparição. Meryl Streep é Violet Weston, uma mulher que assusta mas que ainda não conseguimos definir.
Sua figura é estranha. Cabelos brancos ralos, pele amarelada, passo cambaleante. Entra no escritório do marido (Sam Shepard), que está contratando uma empregada para ajudar na casa e ficamos conhecendo sua língua ferina e sarcástica:
“- Essa é a mulher que lhe falei. Ela cozinha, limpa...”
“- Uma índia? Ou devo dizer outra coisa? Você me acha bonita?”
Diz tudo isso num tom irônico, mordaz. Perde o equilíbrio e quase cai. Grita com o marido e volta-se para a mulher que a olha num misto de medo e respeito:
“- Desculpe. Eu tomo pílulas por causa da minha doença...”
E subitamente não consegue concluir a frase porque enrola a língua, gagueja, ri. Sai tropeçando.
O marido está visivelmente desconfortável. Explica que sua mulher faz quimioterapia porque tem câncer na boca.
“- Meu último refúgio são os livros. Prazeres simples.”
E estende um livro para a moça morena (Misty Upham).
E o quadro geral se completa quando o marido de Violet desaparece e ela, transtornada, pede que a filha Ivy chame as outras duas que moram longe dali.
E, quando elas chegam, começa o drama, quase uma tragédia, com toques de humor negro. A convivência acirra os traços mais ácidos da mãe, que, mais alucinada do que nunca, tem que enterrar o marido, Beverly, cujo corpo foi achado.
O filme tem roteiro de Tracy Letts que escreveu a peça de teatro em 2007 e ganhou um Tony na Broadway. É uma tragédia com momentos de exagero. Centra-se nas relações perversas entre os membros de uma família, que escondem segredos e competem pela frase mais agressiva e dolorosa que possam dizer, num almoço após o funeral.
Um caldo de culpas, recriminações e ataques até físicos, será servido para a plateia, que ri de nervoso.
O elenco é brilhante. Mas Meryl Streep leva sua personagem como ninguém. Da megera que explode em ódio, à doçura de uma cena onde procura uma dedicatória num livro do marido, ou quando, exausta, busca conforto no colo de uma mulher, ela está perfeita. Complexa. Alucinada e lúcida.
A filha do meio, Ivy, a mais doce e humana, a cargo da atriz que veio da TV, Julianne Nicholson, traz um pouco de compaixão para a tela.
A primogênita Barbara (Julia Roberts, num papel difícil e bem levado), a preferida do pai, é cria da mãe dela, assim como a mãe foi cria de outra, igual a ela agora.
Uma linhagem de mulheres não nascidas para o amor, nem para a compreensão. São imaturas, infantis, ávidas por abocanhar pedaços dos outros. Arrastadas pela compulsão para brigar e para odiar. Insanamente carentes.
A caçula (Juliette Lewis), vive o que a vida oferece. E foge para bem longe daquela arena sangrenta.
O diretor, John Wells, dá espaço para todo o elenco ter o seu momento de centro do palco. Brilham todos. Os homens inclusive (Ewan McGregor, Benedict Cumberbatch, Chris Cooper, sem falar do grande Sam Shepard.)
“Album de Família” tem bons e maus momentos. Os melhores, sem dúvida, na interpretação assombrosa de Meryl Streep, que não ganhou o Globo de Ouro mas que, sem dúvida, estará na lista do Oscar.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Noite do Globo de Ouro 2014


Noite dos Prêmios do Globo de Ouro 2014

Essa é a mais importante premiação antes dos Oscars e isso porque os votantes são os jornalistas estrangeiros, a Hollywood Foreign Press Assocation. A opinião deles vale como se o mundo inteiro opinasse. Representam as plateias que pagam nos países do globo para ver os filmes. E, apesar das indicações muitas vezes coincidirem com as do Oscar, nem sempre os premiados são os mesmos. A Academia tende a ser mais conservadora.
Ontem a festa estava animada. O Oscar é apresentado num palco, enquanto que no Golden Globe os indicados estão em mesas , mais descontraídos. Ou pelo menos mais falantes e as expressões de alguns perdedores e a de todos os vencedores aparece mais nitidamente.
Uma coisa que atrapalha é a divisão entre cinema e televisão. Nem todo mundo segue as séries e os shows indicados. E, no cinema, eles dividem filmes e atores em drama ou comédia/musical. Às vêzes fica bem estranho.
Mas eu gostei de quase todos os resultados.
A melhor canção foi para Bono e o U2. Eu ainda não vi “Mandela- Longo caminho para a liberdade”, por isso não sei dizer se foi justo. Mas eles foram muito aplaudidos e simpáticos. Bono fazia brincadeiras o tempo todo para a câmera da TV. Ficou feliz com o Globo.
Daí foi a vez da garota mais invejada do momento. Jennifer Lawrence num longo branco Dior e brinco de esmeralda, ganhou melhor atriz coadjuvante por “Trapaça”, o maior vencedor da noite porque Amy Adams, de vermelho confirmou a dobradinha com o melhor atriz de filme/comédia. Além do filme ser o premiado como melhor filme/comédia do ano. Não era o meu favorito mas as atrizes realmente estavam ótimas.
Outro filme que eu ainda não vi, “Dallas Buyers Club” levou prêmios para melhor ator coadjuvante e melhor ator/drama. Jared Leto e, finalmente, o ótimo Matthew
McConaughey, que já merecia um prêmio para o seu grande talento.
O melhor roteiro foi para Spike Jonze por “Her – Ela” e o prêmio foi entregue por Emma Thompson fazendo gracinha de sapatos na mão e copo na outra. Uma piada sobre o convite enviado pela primeira dama, Michele Obama, para a festa dos seus 50 anos, sugerindo sapatos cômodos para as mulheres poderem dançar e informando que era melhor comer em casa porque só haveria petiscos. Quem não sabia dessa história ficou intrigado. Logo a Emma!
Um momento emocionante foi quando a bela Laura Dern anunciou o filme “Nebraska” no qual atua o pai dela, um dos indicados a melhor ator, Bruce Dern. Bonito ver essa continuidade de gerações no cinema.
“A Grande Beleza” ganhou melhor filme estrangeiro, merecidíssimo e Paolo Sorrentino foi todo feliz apanhar seu Globo.
Melhor animação foi para “Frozen” da Disney.
Woody Allen ganhou um prêmio honorário, o Cecil B. de Mille e foi homenageado com uma mixagem de cenas dos 40 filmes dele. Mas o mais tocante foi Diane Keaton, que recebeu o Globo por ele, cantar uma musiquinha sobre a amizade, que é o que a liga há tanto tempo com o diretor.
Woody Allen que fez um dos grandes filmes do ano, como sempre foi esquecido mas Cate Blanchett, linda em rendas negras e brincos de brilhantes, foi a melhor atriz/ drama com sua interpretação magnífica em “Blue Jasmine”.
Um prêmio que eu adorei foi o de melhor diretor, entregue por Ben Affleck ao mexicano Alfonso Cuarón por “Gravidade”. Na plateia, Sandra Bullock ainda esperava o seu Globo por melhor atriz...
A bela da noite, Jennifer Lawrence dá o melhor ator a Leonardo DiCaprio, super merecido por esse papel em “O Lobo de Wall Street” e muitos outros. Adorei o Leo agradecendo a um Scorsese visivelmente emocionado.
E, finalmente, Johnny Depp entrega o Globo de Ouro de melhor filme/drama a Steve McQueen por seu “12 Years a Slave”, com a plateia cantando a canção do filme. Emocionante.


 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O Lobo de Wall Street




“O Lobo de Wall Street” – “The Wolf of Wall Street , Estados Unidos, 2013
Direção: Martin Scorsese

Onipotência, megalomania e ganância são uma combinação perigosa. Quando a esse estado de alma é acrescentado o uso indiscriminado de drogas pesadas, temos uma situação explosiva. Não há nenhuma possibilidade que algo dê certo, para ninguém, nunca.
“O Lobo de Wall Street” conta uma história real, acontecida no fim dos anos 80 e 90, relatada nas memórias de Jordan Belfort, interpretado com loucura, testosterona e talento por um Leonardo DiCaprio, que se entrega ao papel de uma forma total. Dá até medo presenciar essa incorporação de um gênio do mal.
Tudo começa com um garoto entusiasmado entrando para uma corretora pelas mãos de um louquíssimo “broker”, na pele do maravilhoso Mattew McConaughey, que aproveita a ponta para mostrar o ótimo ator que ele é.
Os olhos do rapaz brilham. Ele chegou ao mundo com que sonhava. Mal sabe ele que haverá uma “Black Monday” e que ele vai ter que procurar outro emprego. Essa vai ser a sua perdição.
O talento que Jordan possuía como vendedor,vai fazer com que ele convença gente pouco cultivada e, mesmo seus clientes mais ricos, a investir no que chamaram de “penny-stock”, isto é, ações baratas que não rendiam nada, a não ser as comissões de 50% para o corretor.
Muito dinheiro entra a rodo na vida de Jordan e seus colegas, tão toscos como ele. Mansões, iates, roupas caras e mulheres atraentes era tudo que eles queriam. E toneladas de cocaína e “qualuds” para fazer com que se sentissem os donos do mundo. E sexo, muito sexo.
A cena em que os dois amigos de falcatruas e drogas, DiCaprio e Jonah Hill, passam uma noite em que os comprimidos de “qualud” ingeridos, muitos, pareciam não fazer efeito, é hilária e genial. Antológica.
Falta de educação, egos monstruosos, nenhuma capacidade de perceber o que é certo e o que é errado, sem remorsos, movidos a ingredientes que diminuem ainda mais o discernimento, esses homens faziam o que faziam sem preocupação nenhuma de serem desmascarados.
E Leonardo DiCaprio é tão convincente e carismático que a gente se pega com pena dele quando o FBI, na pessoa do agente incansável Patrick Denham (Kyle Chandler) faz esse castelo de areia desmoronar.
Martin Scorsese, 71 anos, mostra do que é capaz novamente. Ele cria um clima eletrizante que atordoa e mexe com nossos sentidos como se fosse uma droga. O diretor faz do espectador um conhecedor do que é o excesso. De tudo. E como faz mal.
Saímos exaustos do cinema. Mas admirados com a força desse filme assinado por um gênio do cinema.




        

Inch'Allah



“Inch’Allah” – Idem, Canadá/França, 2012
Direção: Anais Barbeau-Lavalette

Toda guerra é difícil para os seres humanos envolvidos nela. Toda guerra é cruel com os homens e mulheres de ambos os lados do conflito. E, no entanto, as guerras continuam a existir e a fazer manchetes nos noticiários.
A que opõe israelenses e palestinos é uma guerra que se estende por anos a fio, tem um contexto histórico complicado e não parece que vai ser resolvida tão cedo.
Pior, fará inúmeras vítimas ainda e muitas famílias ficarão enlutadas.
O filme franco- canadense “Inch’Allah” comove e assusta.
Vemos o que se passa entre Israel e o campo de refugiados palestinos em Ramallah, pelos olhos de uma médica obstetra canadense, que mora em Jerusalém e trabalha na clínica da ONU, situada do outro lado do muro que divide os territórios.
Ela vive no mesmo prédio onde mora sua amiga israelense Ava (Sivan Levy) que trabalha, como militar, na fronteira que separa os dois povos, nessa guerrilha diária, onde um diz que se defende atacando o outro. A médica tem que enfrentar todo dia, ida e volta, esse ponto tenebroso.
Ava, a israelense, é baixinha, amorosa e quando está com sua amiga Chloé, parece que consegue divertir-se como qualquer garota de sua idade. Na fronteira, onde filas enormes se formam do lado palestino e há revolta no ar, Ava tenta fazer o possível para acalmar os ânimos. É firme na revista e na observação rigorosa dos documentos mas sente-se uma delicadeza nela.
Chloé ( Éveline Brochu) é uma jovem problemática. Faz seu trabalho com carinho, atendendo as mães com seus bebês na clínica dirigida pelo médico francês Michael (Carlo Brandt). Mas guarda algo melancólico, que não é de agora, em seu coração. O rosto dela está quase sempre crispado e o cabelo em desordem esconde os olhos sempre baixos. É de falar pouco.
E, no entanto, quanta feminilidade na cena em que pinta a boca de Rand (Sabrina Ouazan), sua amiga palestina grávida do primeiro filho, com o batom que Ava mandou como um presente. Um gesto amigável entre mulheres, que consola do ódio diário com que convivem.
Chloé não consegue resolver seus próprios problemas. E, talvez por isso, envolve-se de maneira louca com uma guerra que não é dela.
“- Essa não é sua guerra”, dizem os dois lados a Chloé.
Mas ela não ouve. Nos diálogos com a mãe no Canadá, pelo computador, sente-se que ela não está bem, não tem um lugar para chamar de seu, está perdida mas não sabe.
A diretora e roteirista canadense Anais Barbeau-Lavalette, em seu segundo longa, lida com um assunto que é um campo minado. Com a ajuda do pai, o fotógrafo Philippe Lavalette, que consegue imagens que falam mais do que mil discursos, a diretora nos coloca frente a frente com o perigo do envolvimento impulsivo com questões perigosas. Mas também acena com esperança.
A última cena do filme, algo quase à parte, conta uma parábola sobre um futuro possível, através dos olhos de uma criança.
“Inch’Allah” é um filme duro mas sensível.