“Shame” – Idem, Inglaterra, 2011
Direção: Steve McQueen
A tela é uma cama com lençois azuis. Um belo homem está deitado nela, com a mão sobre o ventre. Imóvel por alguns segundos, deixa-se apreciar.
Surge o letreiro negro, “Shame”, sobre o azul dos lençóis.
Ele passa nu pela sala do apartamento quase monástico. Nas estantes de alumínio negro, não há objetos ou fotografias. Livros? Não sabemos... Mais parecem revistas, apostilas. Também não há quadros no apartamento. Grandes janelas de vidro e a vista lá fora denunciam New York.
Ele acessa a secretária eletrônica mas não pára, rumo ao banheiro.
“- Brandon... Atenda... Se está aí... Por favor...”, diz uma voz de mulher. Só nós ouvimos as súplicas que saem da máquina.
Na estação do metrô, vestindo lãs cinzas, de maneira sóbria e impessoal, Brandon está a caminho do escritório.
Este início do dia será repetido várias vezes e, a cada repetição, vamos conhecendo melhor o personagem Brandon Sullivan, na pele de Michael Fassbender, o ator do momento.
Com a mesma desenvoltura mecânica com que acorda e vai de metrô ao trabalho, ele segue um quotidiano que pode escandalizar alguns: masturba-se no banheiro durante o banho, fica horas diante do computador vendo pornografia e fazendo sexo virtual, transa na rua contra um muro. A cama dele é ocupada por várias mulheres, profissionais ou não, que se confundem, porque só pedaços delas são mostrados pela câmara.
No escritório inunda o computador de vírus ao frequentar sites pornográficos e vai muitas vezes ao banheiro, para se masturbar.
Nas ruas da cidade, no metrô ou no trabalho, ele é um tigre faminto à procura de presas.
Só que Brandon, infelizmente, nunca se satisfaz. A cada presa de que se serve, ele precisa de outras mais. Sexo para ele é como uma droga, a qual busca sem parar. Estamos longe do erótico ou do sensual.
Algo em sua mente precisa ser descarregado, para evitar que ele caia em um terreno perigoso. O impulso tirânico de procurar um buraco de carne para se livrar desse algo no outro, o invade sem cerimônia.
Há uma escalada da angústia porque Brandon tem medo de pensar sobre isso.
Réfem desse impulso descontrolado, ele vive uma existência oca, sem laços de qualquer espécie.
Até que, sem convite, aparece alguém em sua vida que o joga na crise da qual Brandon foge.
Sissy, a irmã (a excelente Carey Mulligan), que expõe sua carência, sua infelicidade e raiva voltadas contra si mesma (auto-mutilação e tentativas de suicídio), é o espelho que mostra o que ele tanto oculta de si mesmo: a fragilidade extrema, o medo da perda, os traumas do passado. A vergonha de não ser como os outros...
E ele corre, fatigando-se na noite da cidade, acompanhado pelo piano melancólico de Glenn Gould.
E é de Carey Mulligan o momento-revelação do filme, quando canta afinada e lindamente a canção "New York, New York", como um longo e triste lamento, arrancando uma lágrima pesada dos olhos do irmão.
“Shame” é o segundo filme de Michael Fassbender, 34 anos, com o diretor inglês Steve McQueen (homônimo do ator americano), que já foi artista plástico e que agora também é cineasta competente. No último festival de Veneza, Fassbender ganhou o prêmio de melhor ator e o filme foi escolhido como o melhor pelos críticos internacionais.
“Shame” é um filme que fala sobre o homem contemporâneo ao mostrar personagens limítrofes, sem moralismo.
Se você não se assusta com a sexualidade, vá ver “Shame” e fazer o que Brandon não consegue: pensar sobre a vida e assumir suas escolhas como gente grande.
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