segunda-feira, 31 de outubro de 2016

13 Minutos


“13 Minutos”- “Elser”, Alemanha, 2015
Direção: Oliver Hirschbiegel
Um herói anônimo e desconhecido, por muito tempo depois de sua morte, é o personagem central desse filme de Oliver Hirschbiegel, famoso por “A Queda – As Últimas Horas de Hitler” de 2004, com o fantástico ator Bruno Ganz.
Johann Georg Elser (Christian Friedel) é o nome do alemão nascido em 4 de janeiro de 1903 e que morreu em Dachau, executado com um tiro na nuca, em 9 de abril de 1945, dias antes da libertação do campo de concentração pelos aliados. Uma execução cercada de segredo e da qual poucos oficiais nazistas teriam conhecimento.
Mas por que esse carpinteiro e operário alemão, simpatizante do comunismo, foi escondido?
A resposta é simples: vergonha. Como pode ter acontecido de um simples carpinteiro executar tal plano e ainda por cima sozinho, como afirmava? Como poderia Elser, um qualquer, executar um atentado contra a vida de Hitler em novembro de 1939, numa reunião em Munique à qual compareceram Goebbels, Heydrich e Himmler, entre os 3.000 membros do Partido Nacional Socialista presentes?
Isso não fazia sentido para o orgulho nazista. Por isso tentaram conseguir com torturas, as mais cruéis, a confissão de Elser de que não agira sozinho e sim a mando e ajudado pelos Estados Unidos e Inglaterra.
Mas não tiveram sucesso, por mais que se esforçassem e acabaram solucionando o caso à sua maneira. Enforcaram um oficial nazista como o responsável pelo atentado e esperaram para executar o verdadeiro cabeça em sigilo absoluto, para que nenhuma sombra de incompetência pairasse sobre o partido.
A Elser, os nazistas quiseram tirar o mérito e a honra que a História poderia conceder-lhe. Esse homem do povo, que via o que muitos não percebiam ainda, quase conseguiu seu intento e a História teria tomado outros rumos.
Hitler escapou por um triz. A bomba explodiu 13 minutos depois que ele deixou às pressas o local da reunião, devido a um nevoeiro que poderia impedi-lo de sair de Munique, se não se apressasse.
O filme conta o que aconteceu depois do atentado que fez vítimas e em “flashback” faz conhecer a história desse herói pacifista, que deu sua vida pelo bem da humanidade, sem qualquer outro interesse que não fosse o de evitar o que ele pressagiava: a Segunda Guerra e seus 55 milhões de mortos.
“Elser”, o título original do filme, faz vir à luz a vida desse homem amante da música e das mulheres e seu grande amor por Else, que não aconteceu como ele queria, com um final feliz, porque ele colocou o seu projeto de salvar a humanidade do mal que significava Hitler, à frente de sua própria felicidade pessoal.

Um homem raro.

sábado, 29 de outubro de 2016

A Garota do Trem


“A Garota no Trem”- “The Girl on the Train”, Estados Unidos, 2016
Direção: Tate Taylor

Um trem passa pelo subúrbio de Nova York, Arsdley-on-Hudson, onde de um lado da linha férrea está o rio Hudson e, do outro, casas acolhedoras e seus jardins. Ouvimos em “off” a voz de Emily Blunt, num monólogo interior, que olha da janela do trem com melancolia:
“- Quem nunca fantasiou sobre a vida das pessoas que moram nessas casas? Imagino como são suas vidas, o que dizem esses casais um para o outro na hora de dormir...”
Rachel (Emily Blunt, perfeita no papel), bebendo numa garrafa de água, olha angustiada para a paisagem das casas. Numa delas, vemos o casal que parece a imagem da perfeição para Rachel. Sorriem um para  outro, sentados no jardim. Numa das varandas, uma outra loura alonga o belo corpo e olha o rio.
“- Eu não sou mais a garota que eu fui. Eu tinha uma vida numa dessas casas. Era tudo que eu queria e foi tudo que perdi”, continua ela em seu monólogo interior.
Rachel tem um caderno na mão e desenha casas e casais. Parece obcecada com essas imagens. Aos poucos, vamos percebendo que o que ela bebe não é água. Uma mãe com seu bebê muda de lugar assustada, quando vê as garrafas de vodca barata que Rachel leva na bolsa. Ela é alcoólatra.
O que faz ela naquele trem todo dia? O que faz com que ela precise olhar todo dia aquelas casas?
Existem três mulheres nessa história: Rachel que perdeu sua vida e sua casa e agora mora de favor com uma amiga, Megan (Haley Bennett) que é a loura do casal perfeito na cabeça de Rachel e Anna (Rebecca Ferguson) que tem um bebê pequeno e mora na casa que foi de Rachel com Tom (Justin Theroux), o ex-marido dela.
A passageira diária do trem foi trocada por outra.
E, apesar da raiva intensa que a sufoca, ela se sente culpada pelo que aconteceu. Num delírio masoquista está certa de que foi ela mesma que destruiu o seu casamento, quando soube que não conseguia engravidar. Desde então jogou-se na bebida e cometeu desatinos que afastaram o marido e o jogaram nos braços de outra, com quem é feliz e tem uma família.
Toda vez que bebe muito, e isso é todo dia, telefona para a casa dele e não fala nada. Quem atende é a babá, a vizinha Megan, contratada por Anna para ajudá-la com o bebê. Anna está assustada com esse assédio.
Mas nem tudo que Rachel imagina é verdade. Ou seja, com sua baixíssima auto-estima e seu estado de completa falta de lucidez por causa da bebida, Rachel é um perigo para si mesma e para os outros. Tem buracos na memória e não é uma testemunha fidedigna nem de sua própria vida.
Quando acontece um desaparecimento inexplicável numa daquelas casas, a verdade, nada brilhante, vem à tona.
O filme, adaptado com eficiência por Erin Cressilda Wilson do best-seller escrito por Paula Hawkins, mistura suspense, drama e crime. Tudo em dose certa e com “flashbacks” que vão contando o que aconteceu.
O diretor Tate Taylor assina um filme com uma história envolvente e belas imagens.
O final é surpreendente e vale toda a espera. O trio de belas atrizes convence e impressiona.
E Emily Blunt é a mais brilhante. Uma atriz que nunca se deixa levar pela vulgaridade, mesmo interpretando uma alcoólatra. Torcemos por ela, mesmo quando há fortes indícios de que ela pode ter cometido um crime do qual não se lembra, por causa da destruição de sua memória pela bebida.
Ela merece sua primeira indicação ao Oscar.
E “A Garota no Trem” merece ser visto por seus personagens complexos, sua história bem contada e por seu final nada óbvio.



sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O Contador


“O Contador”- “The Accountant”, Estados Unidos, 2016
Direção: Gavin O’Connor

Todos se lembram de Dustin Hoffman no filme “Rain Man” de 1988, interpretando Raymond, o irmão mais velho e esquecido de Tom Cruise, internado num hospital psiquiátrico e a quem o pai lega sua fortuna.
Os irmãos vão se aproximar mas o que ficou na nossa memória foi a estranha e extraordinária memória fotográfica de Raymond. Ele era um autista e pouco se falava sobre isso na época.
Dustin Hoffman ganhou o Oscar e o Globo de Ouro de melhor ator, interpretando um homem adulto que apresenta o quadro da síndrome de Savant, uma condição clinica na qual as pessoas desenvolvem tanto habilidades extraordinárias quanto graves. Raymond foi um personagem inspirado num caso real, o de Kim Peek, de 55 anos, que possuía a habilidade de decorar 98% de tudo que lia ou ouvia.
No filme “O Contador”, dirigido pelo irlandês Gavin O’Connor, Ben Affleck interpreta um personagem que apresenta um caso de autismo de alto grau de funcionamento, a síndrome de Asperger. Essas pessoas tem QI normal, leves problemas de coordenação motora e os problemas de comunicação, de interação social e comportamento repetitivo só são detectados pelos pais ou professores depois dos 5 anos de idade. Desenvolvem interesses específicos e obsessivos.
No caso do filme, Christian Wolff é altamente dotado para a matemática e se interessa por armas.
E no campo das lutas marciais, um estilo específico, o “silat”, torna-se uma especialidade e ele desenvolve habilidades de um super-herói. Seu pai, um ex-militar problemático, ensinou ao filho que ele era “diferente” e que, por isso iria assustar as pessoas. Era necessário que soubesse se defender porque o medo que ele causaria nas pessoas seria o pretexto para um ataque.
Vemos Christian e o irmão, que não tinha problemas, serem instruídos por um professor de artes marciais que, incentivado pelo pai dos meninos, levava os treinos aos limites do sadismo.
A mãe deles discorda das ideias do marido, principalmente desse treinamento que o pai considera indispensável para o filho e se vai chorando, numa cena que se repete muitas vezes no filme, quando Christian relembra a mãe indo embora e ele quebrando vários objetos da casa, num sério ataque de raiva, que também é uma das características da síndrome autista.
Ben Affleck torna-se um contador excepcional, devido à sua habilidade extraordinária com números. Mas se envolve com a máfia e a lavagem de dinheiro e aí começa o filme de ação. Uma matança, já que Chris é “expert”em armas e lutas corpo a corpo. Os cortes são rápidos e quase sempre tudo se passa no escuro da noite, com muito pouca luz.
Mas o roteiro de Bill Rubesque é complexo e mostra cenas muito boas, como a da descoberta das tramoias contábeis da empresa “Living Robots”, que Chris entende em apenas uma noite de trabalho, escrevendo números em todas as paredes da sala, para surpresa da contadora interpretada por Anna Kendricks. Ela mesma participa de uma outra cena que mostra a dificuldade de interação de Chris, quando se trata de afetos.
E uma das melhores é bem curta. Uma arma na nuca de J.K.Simmons, que faz um policial, mostra de onde vem um dos maiores traumas de Chris Wolff.
Tudo indica que vai ter uma continuação. Evitando o olhar da câmara, na cena final, Ben Affleck esboça um sorrizinho matreiro. Tomara. Bom para quem gosta de filmes de ação menos simplórios.



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O Mestre dos Gênios


“O Mestre dos Gênios”- “Genius”, Inglaterra, Estados Unidos, 2016
Direção: Michael Grandage

Talvez escape ao público a importância de um bom editor para o sucesso do livro de um escritor. Esse filme ensina o quanto valeu Max Perkins (1884-1947) para alguns dos mais famosos nomes da literatura americana do século XX.
Discreto, apaixonado pelo seu trabalho e eficiente, Perkins lançou F. Scott Fitzgerald (1896-1940), autor de “O Grande Gatsby”, Ernest Hemingway (1899-1961) de  “O Velho e o Mar” que ganhou o Pulitzer em 1952 e o prêmio Nobel em 1954 e Thomas Wolfe (1900-1938).
Max Perkins foi uma lenda nos meios literários. Entregava-se todo a seus escritores, não apenas lendo e sugerindo cortes ou mesmo mudanças nos textos mas compartilhando suas vidas e ajudando-os até mesmo financeiramente.
Seu casamento com Louise (Laura Linney) lhe deu cinco filhas que ela achava que ele negligenciava.
Na verdade, Max sempre quis ter um filho e ele chegou em sua vida quando Thomas Wolfe, no fim da década de 20, entrou no escritório do mais famoso editor de sua época, com um manuscrito de 1.100 páginas, que ninguém queria publicar.
Vemos Colin Firth, sempre magnífico, com o chapéu na cabeça que Perkins nunca tirava, usar de firmeza e paciência com aquele rapaz narcisista e exagerado (Jude Law, talvez um pouco maníaco demais) e conseguir fazer dele, com menos de trinta anos e em seu primeiro livro, um escritor reconhecido.
“O Lost”, o nome original foi mudado para “Look Homewark, Angel” e misturava dados da vida de Wolfe com ficção, num estilo impressionista e poético. Mas extremamente prolixo. O editor conseguiu enxugar os excessos e transformar o livro num sucesso de vendas. As cenas dessa batalha são as melhores para contrapor a atuação de Colin Firth com a de Jude Law.
O ator britânico que faz Max Perkins dá um show de autoridade e calma, fazendo o contraponto ao excessivo e endemoniado Jude Law, tomado pelo espírito agitado do escritor que viveu apenas 38 anos.
O diretor estreante no cinema, Michael Grandage, veio do teatro inglês e contou a história do ponto de vista da parceria brilhante que lançou o  nome de Wolfe como um dos melhores de sua geração.
Mas isso enfraqueceu os outros personagens como F. Scott Fitzgerald vivido por Guy Pearce e Ernest Hemingway por Dominic West. Mesmo a mulher de Perkins na pele de Laura Linney e Aline Bernstein, a amante de Wolfe, bem interpretada no pouco que aparece por Nicole Kidman, são figuras esboçadas, mal aproveitadas pelo roteiro de John Logan.
Adaptado do livro de A.Scott Berg, “Max Perkins – um editor de gênios” de 1978, o filme tem o mérito de reunir um elenco oscarizado para contar a história desse homem por trás de seus escritores/gênios, que foi amigo e até figura paterna de um rapaz extravagante, deixando-se permanecer na sombra, como força vital e artística, posta inteiramente a serviço da melhor literatura americana.



domingo, 16 de outubro de 2016

Kóblic


“Kóblic”- Idem, Espanha, Argentina, 2016
Direção: Sebastián Borenztein

Clima sombrio. Um homem, com ar pesado, olha por uma janela. Alguém o chama e ele caminha a passos largos para um hangar. Pessoas assustadas são levadas para um avião. O homem sobe à cabina. É o piloto. Para onde serão levadas aquelas pessoas?
Muitos filmes já foram feitos sobre a ditadura militar argentina que governou o país entre 1966 e 1973 e depois de um curto período, de 1976 a 1983, com mão de ferro e sem nenhuma piedade para com os opositores. Nesses filmes, há como que uma digestão lenta desse período amargo da História do país.
Ricardo Darín, 59 anos, o mais famoso ator de língua espanhola, protagonizou um dos mais comentados, “O Segredo dos Seus Olhos”, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 2009. Ele sempre escolhe muito bem os papéis que representa com sinceridade e talento.
Em “Kóblic”, Darín volta a ser dirigido por Sebastián Borenztein de “Um Conto Chinês” de 2011.
Estamos em 1977 e seu personagem é um homem que se debate para fugir de um passado do qual não se orgulha.
Tomás Kóblic, um homem que não sorri, fala pouco e usa uma máscara severa para olhar o mundo, está em permanente pesadelo. Atormentado por cenas assustadoras, tanto quando dorme como quando está acordado, ele não tem repouso.
Quando o vemos, está num vilarejo pobre e perdido, San Antonio de Areco no campo argentino, rebatizado de Colonia Elena no filme. Despede-se de uma mulher. Sem carinho. Ela parte de ônibus.
Guiando seu carro por uma estrada de terra, chega a um hangar onde vemos um aviãozinho de dois lugares, daqueles usados na pulverização das plantações locais. O horizonte é amplo nesse lugar plano, com nuvens espessas que não deixam ver o céu.
“- Sou amigo de dom Alberto. Espero aqui por ele”, diz Kóblic a Luis (Marcos Cartoy Diaz) o rapaz que trabalha no hangar.
Quando pousa um outro aviãozinho, o piloto corre para abraçar Kóblic:
“- Polaco querido! Que surpresa!”
Conversam e o amigo coloca o hangar à disposição de Tomás. Há roupa, comida e uma caminhonete para ele usar sem chamar a atenção com seu próprio carro. O principal é que é um esconderijo seguro. O amigo vai viajar por uns dias.
De noite, em meio a sonhos maus, escuta um barulho. De pronto, pega uma arma na cabeceira. Chove. Trovões e relâmpagos iluminam um cachorro ferido.
E vamos conhecer um Kóblic compassivo, que ama animais e não maltrata seus semelhantes. Fugiu de Buenos Aires porque não conseguia cumprir tarefas que iam além de seus limites éticos.
Mas Kóblic também não vai conseguir fugir do clima de terror da ditadura porque ele está presente em outros personagens no vilarejo, principalmente no odioso delegado Velarde (Oscar Martinez).
Vai haver o conflito que ele evitava.
E vai acontecer o amor, na pele da bela atriz espanhola Inma Cuesta, porque Kóblic anseia por liberdade e calor humano.
O final é antológico.

Outro ótimo filme de Ricardo Darín.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Último Tango


“O Último Tango”- Un Tango Más”, Argentina, Alemanha, 2015
Direção: German Kral

Ao som do bandoneón, o tango envolve os pares que dançam com agilidade e graça. A história de amor que vai ser contada nesse documentário de German  Kral, argentino que mora na Alemanha, é a do par mais famoso dessa dança, que brilhou em espetáculos na Argentina e até na Broadway e no Japão.
Maria Nieves e Juan Carlos Capes vão recordar a vida deles, contada pelos dois, cada um a seu modo, através de suas lembranças, fotos e filmes da época, de seus arquivos pessoais.
No início, lembra Maria, nenhum dos dois sabia dançar. Ela tinha 16 anos e ia ao Clube Maldonado para ver o baile. Até que se olharam e ele, com menos de 20 anos, tornou-se o centro da vida de Maria.
Ao ver o par jovem dançar, como se fossem ele dois no começo, ela repara:
“- É lindo o que vocês fazem. Mas eu dançava mais colada e fazia menos passos. E você não olhou para ela”, diz para o rapaz, “o olhar dos dois é muito importante”.
Hoje, aos 81 anos, ela diz:
“- Na vida, só há uma única vez em que nos apaixonamos por alguém. É o primeiro amor.”
E ele, aos 84 anos recorda:
“- Ela era linda, tinha 16, 17 anos e era o que eu buscava. Quando dancei com ela, percebi que eu tinha encontrado o meu Stradivarius.”
E, realmente, quando os vemos dançando nos filmezinhos da época, como eram belos aqueles dois, que sincronia daquele par que parecia flutuar pelo salão, olhos nos olhos.
No documentário, uma companhia de dança entrevista os dois em separado e tenta entender o que aconteceu com aquele amor, que gerou o par mais famoso do tango argentino.
Produzido por Wim Wenders que dirigiu “Pina” de 2013, inesquecível, eternizando Pina Bausch, o documentário alterna depoimentos de Maria, contando com naturalidade e emoção a vida dos dois, com danças de dois pares que são eles em épocas diferentes. Juan Carlos também é entrevistado, mas ele é menos expansivo que Maria.
Ela relembra com alegria mesclada de tristeza sua infância pobre, a chegada de Juan em sua vida, o sonho realizado de dançar em palcos estrangeiros, onde encantavam as plateias com o estilo Capes, inventado por Juan enlaçando o corpo perfeito de Maria.
Cinquenta anos juntos, dançaram no começo muito apaixonados como se fossem um só e depois, separados, voltaram a dançar numa mistura de paixão pelo tango, amor frustrado e também ódio. E nunca foram tão perfeitos como nesse época, em que não se olhavam nem se falavam, longe do palco.
Vê-los é maravilhar-se com a precisão e a desenvoltura daquele par que competia pelo olhar do público no palco, calados, mas nunca indiferentes um ao outro.

E, claro, muitos tangos na trilha sonora que embala esse caso de amor emocionante.


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Irmã


“Irmã”- “Little Sister”, Estados Unidos, 2016
Direção: Zach Clark

“Não aguenta ver a tragédia? Transforme-a em magia.”
Essa frase aparece na tela antes do filme. É atribuída a Marilyn Manson, o roqueiro que adotou o nome de sua banda, que mistura Marilyn Monroe, a diva do cinema, com Charles Manson, o líder da seita assassina. A banda vendeu, desde o começo dos anos 90 até hoje, 50 milhões de discos. E a frase é a essência de “Irmã”, sexto filme de Zach Clark.
Começa em Nova York, mostrando a noviça Colleen ( vivida com uma emoção sincera por Addison Timlin), recebendo um e-mail de sua mãe sobre seu irmão Jacob (Keith Poulson), avisando que ele voltou para casa.
Ela pede emprestado o carro da superiora e vai visitar a família, mais especificamente o irmão, que voltou da guerra do Iraque com o rosto deformado pela explosão de uma bomba.
Por que Colleen quer ser freira? Quando ficamos conhecendo sua família disfuncional, pai acovardado frente a uma mãe perturbada, viciada em drogas, com sérias crises de depressão que a levaram a uma tentativa de suicídio e um relacionamento problemático com a filha, entendemos Colleen.
Talvez haja muito de fuga na escolha que ela fez mas Colleen é virgem e essencialmente doce e generosa. E seu temperamento natural a leva a ajudar os que precisam. E mais. Ela sente-se feliz como freira.
Os filminhos domésticos da infância de Colleen e Jacob são mostrados na tela e vemos duas crianças brincando de monstros, zumbis, dráculas e bonecos assassinos, mas tudo isso vestidos de cor de rosa e alegrinhos.
Era a maneira dessas crianças traduzirem o que viam em casa e sua necessidade de transformar a tragédia em magia, em graça, como recomendava a frase do roqueiro preferido.
E é esse mundo de monstros de brincadeira da infância dos dois que ela quer mostrar novamente para o irmão, que se transformou num monstro de verdade e não quer que ninguém o veja.
Em seu negro quarto gótico de adolescente, ela pinta o cabelo de cor de rosa, coloca batom e esmalte preto e dubla para o irmão "Have you seen me?", sucesso da banda Gwar, enquanto “assassina” bonecos “ensanguentados” com gelatina de morango. E consegue que Jacob ria com ela.
“Irmã” é um retrato de uma família disfuncional e de como uma freirinha consegue fazer uma “mágica” e transformar a tragédia do irmão em algo mais aceitável por ele.
Já a mãe e o pai...bem... a mágica não funciona com todo mundo.
“Irmã”, sem ser um grande filme, encanta com a fábula da freirinha que mesmo sendo gótica, sempre foi boa, misturando humor e tristeza em doses certas.



sábado, 8 de outubro de 2016

No Fim do Túnel


“No Fim do Túnel”- “Al Final del Tunel”, Argentina, Espanha, 2015
Direção: Rodrigo Grande

A chuva e trovões molham e iluminam uma rua onde está uma casa antiga, escondida por um jardim que virou uma pequena selva descuidada.
Ouvimos uma voz de criança dizendo que está brincando com Casimiro:
“- O jantar está pronto!”diz quem parece ser a mãe.
Mas são vozes do passado porque naquela casa habita um homem só. Ele está numa cadeira de rodas. Casimiro, o cão velhinho, dorme numa almofada. Onde estão a menina e sua mãe?
Há um drama na vida de Joaquín (Leonardo Sbaraglia, ótimo), um homem ainda jovem, apesar do cabelo grisalho, bonito e tristíssimo. No porão da casa, ele trabalha no conserto de computadores. O acesso ao porão é através de um elevador para a cadeira de rodas.
Joaquín liga para o veterinário. Preocupa-se com Casimiro, que não consegue andar mais. Que fazer para que ele possa dormir para sempre sem sentir dor? Parece que o dono do cão também quer parar de sofrer.
Vemos que ele injeta o que poderia ser veneno em biscoitos para Casimiro.
Mas a campainha toca e uma mulher jovem e bonita entra casa adentro com sua filha pequena. Berta (Clara Lago) quer alugar o quarto com terraço do segundo andar da casa de Joaquín. Este mostra-se desconcertado e mesmo irritado com a entrada das duas. Fica sabendo que a menina não consegue falar. Ela logo aproxima-se de Casimiro, que mostra os dentes:
“- Ele é muito velhinho. Estranha as pessoas. Cuidado!” avisa Joaquín.
Mas a mãe da menina, falando muito, não dá chance a que Joaquín diga não a seu pedido de instalar-se imediatamente no quarto para alugar.
A intromissão na vida daquele homem recluso causa um certo desconforto também no espectador. Porque a identificação com o personagem é imediata.
Através de Berta, bisbilhoteira, ficamos conhecendo o que provavelmente prendeu Joaquín à cadeira de rodas e a existência de um luto pesado. Ele transpira uma culpa sem perdão.
No jardim selvagem, a moça vê restos de um escorregador e de um carro amassado e queimado. Numa caixa, fotos de Joaquín com uma mulher jovem e uma menina.
O convite para uma surpresa no terraço pega Joaquín desprevenido e ela dança, sensual e bela. Joaquín já se envolveu, contra sua vontade.
Enquanto isso acontece nos três andares da casa, que volta à vida com a presença das inquilinas, algo chama a atenção de Joaquín, que ouve vozes masculinas na casa ao lado. Usa um estetoscópio que cola à parede compartilhada e surpreende-se. Falam dele. Quem são esses homens?
Não é difícil para o espectador juntar o que já sabe ao túnel do título do filme. Mas não espere uma história morna e previsível. Há reviravoltas e acontecimentos inesperados.
Rodrigo Grande, diretor e roteirista, 42 anos, assina um filme de suspense e afetos. Em entrevista, disse que o assunto principal de “No Fim do Túnel” é a culpa:
“É sobre um homem que se reconstrói.”
O cinema argentino, mais uma vez, demonstra que um bom roteiro é a matéria prima de um bom filme. Quando os atores são ótimos e bem dirigidos, fica melhor ainda. Este é o caso de “No Fim do Túnel”, um filme que envolve o espectador de maneira eficaz.



domingo, 2 de outubro de 2016

O Lar das Crianças Peculiares


“O Lar das Crianças Peculiares”- “Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children”, Inglaterra, Estados Unidos, Bélgica, 2016
Direção: Tim Burton

Jake (Asa Butterfield) é um adolescente que adora as histórias que o avô (Terence Stamp, 78 anos e ainda belo) conta para ele desde que era pequeno. Ele as conhece de cor mas pede sempre para ouvir de novo.
O avô tinha fugido da Polonia quando era jovem, perseguido por monstros terríveis, dizia ele, e antes de chegar na América, vivera num orfanato numa ilha no País de Gales, dirigido pela senhorita Peregrine (Eva Green, a nova musa de Tim Robins).
Quando Jake levava para a escola as fotos que o avô guardava, todos riam muito e achavam que eram montagens. Tudo que Jake contava era inacreditável. Seria ele tão louco como o avô? Perguntavam uns aos outros, caçoando dele.
Como era possível existir uma menina que flutuava? E aquela então que tinha uma boca enorme, cheia de dentes na nuca, escondida atrás do cabelo? Para não falar do menino invisível que andava nú, da outra garota pequena que tinha a força de dez homens, do garoto que abria a boca e dela saiam abelhas, da que punha fogo em tudo que tocava e da diretora que virava um falcão peregrino.Quanta mentira! Quanta fantasia!
Mas no dia em que o avô liga para o neto na escola e pede que não venha cuidar dele depois das aulas, porque poderia ser perigoso, Jake correu para lá. Ele acreditava no avô dele e não queria que nada de mal acontecesse a ele.
A professora que dá uma carona para ele pergunta se o avô sofre de Alzheimer e Jake responde como o pai diz, mesmo sem acreditar nisso:
“- Demência...”
E, quando chegam lá e quase atropelam um estranho tipo com olhos brancos (Samuel L. Jackson) na frente da casa, Jake vê as coisas do avô reviradas e um enorme rombo na cerca de arame no jardim. Ele procura o avô e o encontra no chão, fora da casa, quase morto:
“- Você tem que ir para a ilha... Procure Emerson... 3 de setembro de 1943... sei que pensam que estou louco... eu devia ter te contado tudo há muito tempo...”
“- Vovô? Me contar o quê?”
Tarde demais.O avô olhava para ele sem olhos nas órbitas.
Jake apavorado olha para a professora que chega para ajudar. Atrás dela, um monstro enorme sem olhos, muitos dentes, braços e pernas afiados como grandes facas, prepara-se para atacá-la.
Esse começo eletrizante do novo filme de Tim Robins, baseado no livro de mesmo nome de Ransom Riggs, que é um bestseller para a juventude, com roteiro de Jane Goldman, intriga e envolve a atenção da plateia.
Mas o melhor ainda está por vir quando conhecemos o orfanato das histórias do avô de Jake. Tim Burton nos encanta com as imagens surreais das crianças “peculiares”, com os detalhes da casa vitoriana que as abriga, com as cores intensas que tem o cenário maravilhoso do jardim inglês com árvores centenárias e as falésias que despencam para o mar azul, lá embaixo.
Ali é sempre o dia 3 de setembro de 1943, véspera da tragédia, que a fenda no tempo não deixa acontecer, protegendo as crianças “peculiares”, que por isso não envelhecem.
É a Segunda Guerra e a história é uma fantasia sobre o Holocausto. As crianças “peculiares” são os judeus perseguidos pelos monstros nazistas.
Tim Burton assina um belo filme, com tudo que ele gosta de mostrar para seus fãs, apesar da história ser às vezes muito condensada, já que se baseia em uma trilogia e não em um só livro.

Não é um filme para crianças mas para jovens e adultos que gostam de se encantar com imagens impossíveis.