quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
Tomboy
“Tomboy” – França, 2011
Direção: Céline Sciamma
Quando eu era pequena, me lembro de uma página dupla de um livro que mostrava, de um lado um menino, de outro uma menina.
A menina, sentada num banco elegante de jardim, rodeada de flores, estava com um vestido de festa cor de rosa e borboletas e pássaros voavam ao seu redor.
O menino, sentado num banco tosco, vestido de camiseta e calça curta, ostentava vários arranhões e esparadrapos nas pernas nuas, estilingue no bolso e, ao seu redor, aranhas e lagartos passeavam num jardim mal cuidado.
Estranhamente, a página do menino chamava mais a minha atenção. Havia um ar de liberdade e vitória naquele queixinho provocador que me fascinava.
A menina era bonita e chata, o menino ia contra as regras. Um vitorioso, com muitas aventuras para contar, pensava eu.
E é claro que eu brincava de cowboy vestida de calça rancheira, cinturão com revólver, chapéu e estrela de xerife no peito. Isso é ser moleca, uma “tomboy” da minha época.
E lá se vão 50 anos. E eu não deixei de ser mulher por causa disso. Mas lutei minhas lutas com coragem.
Acho que é sobre esse tema que Céline Sciamma trabalha nesse filme delicado, sem dramas amargos mas com indagações e tentativas de escolha de papéis na sociedade.
Na Europa, onde a sexualidade das crianças não é estimulada precocemente, a escolha entre ser menino ou menina na pré-adolescência, é possível. Pode ser uma simples fase na vida.
Participar com músculos e coragem das lutas e jogos ou ser sómente uma admiradora que fica de fora, parece ser o dilema de Laure/Michael, a personagem título do filme.
Mas fica claro também que Laure não se afasta do universo feminino. Vide a sessão de maquiagem com Lisa. Ali aparece um prazer inesperado.
O mais importante é que o filme “Tomboy” não quer analisar nem prever o que vai acontecer com aquela criança. Quer no máximo mostrar, com grande talento, que a condição feminina pode assustar uma menina, principalmente se a mãe está grávida e tem que ficar na cama. E aí, ela pode querer fugir para o universo masculino que lhe parece mais atraente.
Talvez em alguns anos isso tenha ficado para trás, como diz o pai de Laure, muito afetivo e compreensivo.
Zoé Héran faz o papel de Laure/Michael com grande naturalidade e força emotiva. A irmãzinha também é um talento (Malonn Sévana).
Todo o elenco de crianças é dirigido e focalizado com graça e sem retoques pela diretora e roteirista.
É essa delicadeza, esse respeito pelo ser humano criança, o que mais encanta no filme “Tomboy”. Um filme que não levanta bandeiras nem faz apologias disso ou daquilo.
Simplesmente mostra e faz pensar.
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