segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Histórias Cruzadas



“Histórias Cruzadas” – “The Help”, Estados Unidos, 2011

Direção: Tate Taylor



Um caderno com páginas em branco. Uma mão feminina escreve “The Help”.

Eugenia Phelan (Emma Stone), chamada ”Skeeter” por todos, branca e rica, volta à sua cidade natal, Jackson, no Mississipi. Acaba de se formar em jornalismo e quer ser escritora.

Relembrando sua infância, parece que acorda para o racismo, onipresente nas famílias que ela conhece, inclusive na sua própria.

As empregadas negras que sempre se dedicaram a cuidar da casa e dos filhos das donas da cidade são o material que escolhe para o seu livro. Mal pagas e tratadas sem um mínimo de respeito e gratidão, despertam na moça um sentimento de solidariedade. O título “The Help” que Skeeter escolhe se refere a elas.

Estamos nos anos 60 quando começam os movimentos em prol dos direitos civis, com Martin Luther King à frente.

Bem sabemos que o racismo, filho do preconceito, mora no fundo do coração humano, sustentado por um tremendo egoísmo e pelo comodismo. Sempre existiu e existirá porque, conscientizar-se dele depende de despir-se de idéias preconcebidas para analisá-las com frieza, o que é difícil, frente ao medo de mudança que todos temos e o hábito humano de aceitar o que reza a tradição.

Mas Skeeter é jovem e corajosa e consegue que Aibileen Clark (Viola Davis), empregada de uma de suas conhecidas a ajude.

Aibeleen é a protagonista do filme. Vai ajudar Skeeter lendo para ela as histórias que escreve há anos, contadas por sua avó escrava e sua mãe, também empregada doméstica.

O filme “Histórias Cruzadas” que tem o mérito de trazer à tona essa discussão, que nunca envelhece, tem direção de arte, cenários e figurinos perfeitos. Mas brilha mesmo através da atuação de suas atrizes, indicadas aos principais prêmios.

Viola Davis faz uma empregada dócil, babá carinhosa para os filhos de seus patrões, apesar de viver uma tragédia secreta. Foi indicada à melhor atriz no Oscar.

Octavia Spencer é Minny, engraçada e orgulhosa. São dela alguns dos melhores momentos do filme, contracenando com Brice Dallas Howard, a Hilly Hollbrook, patroa racista e má que posa de líder da comunidade.

Já Jessica Chastain, a inesquecível mãe de “Árvore da Vida”,(também indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), que é branca, loura e linda, é considerada cidadã de segunda categoria por suas origens sociais e é discriminada pelas pedantes donas da cidade.

Para vocês verem que preconceito não é só racismo.

“Histórias Cruzadas” é um filme honesto, bem feito, com excelentes atuações. Vale a pena ser visto.

Foi uma surpresa de bilheteria nos Estados Unidos e é um forte candidato ao Oscar de melhor filme do ano.



sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Precisamos Falar Sobre Kevin



“Precisamos Falar Sobre Kevin”- “We Need to Talk About Kevin”, Estados Unidos, 2011

Direção : Lynne Ramsay



Choque. Na tela, a câmara se aproxima por cima, de uma cena que nos parece, ao mesmo tempo, sensual e macabra. Orgia de sangue? Sacrifícios humanos? Uma moça é levantada por mãos anônimas e é jogada num líquido vermelho que tinge a todos na cena.

Mas não é o que parece.

E quando nosso coração se acalma e estamos esperando ver uma madona com sua criança, o que vem é um novo susto.

Uma alma penada arrasta o carrinho de um bebê que não pára de chorar.

Atordoada, procura as britadeiras, que furam com estrépito as entranhas da cidade, para no meio delas não escutar os gritos que não cessam.

O que pode ser mais aterrador para uma mãe do que um bebê que ela não pode ou não consegue acalmar?

Há algo muito estranho nessa dupla. Mas por que?

Quando o pai chega e pega o filho tranquilo nos braços, a mãe suada e jogada no sofá, balbucia:

“- Não faça isso... Acabei de conseguir colocá-lo para dormir... Não parou de chorar o dia inteiro...”

Estranhamente não há choro com o pai.

E a nossa primeira impressão é de que aquela mãe é no mínimo muito pouco maternal. Em nossas fantasias idealizadas só existem mães que amam os seus bebês, que as preferem a tudo no mundo. No escuro do inconsciente há o reverso da medalha, mas não queremos pensar nisso...

Como no início do filme, nada é o que parece ser.

Naquela dupla, existe a repulsa, o amor aparece como medo e tortura e nos encolhemos quando vemos, com o passar dos anos, o quanto aquela mãe vai sofrer.

Ela é Eva, interpretada com brilho por essa magnífica atriz, Tilda Swinton.

Aliás, “Precisamos Falar Sobre Kevin” é a injustiça maior do Oscar desse ano. Não indicar para o prêmio essa atriz que não tem medo de nenhum papel e cuja entrega a eles é sempre total, é o cúmulo da falta de sensibilidade dos membros da Academia.

E por que excluir das indicações o jovem Ezra Miller que faz o psicopata Kevin com perfeição?

Para não falar também de John C. Reilly, o pai, contraponto essencial que faz tudo ser tão impressionante nesse filme?

Grandes atores. Talentosa diretora, a escocesa Lynne Ramsay, premiada em Cannes por seus curtas “Small Deaths” e “Kill the Day”.

Pesadelo que não se perde em explicações indisponíveis,“Precisamos Falar Sobre Kevin” merece ser visto por quem gosta de um cinema de nível excepcional.



quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Os Descendentes












“Os Descendentes” – “The Descendants”, Estados Unidos, 2011

Direção : Alexandre Payne



Já se tornou um bordão falar que, de perto, ninguém é normal. Acrescente-se a isso a descrença na existência do paraíso terrestre e temos “Os Descendentes”, o último filme de Alexandre Payne, diretor do apreciado e oscarizado “Sideways” de 2004.

Vendo o filme concluímos que o Havaí pode ser o Haití em termos de natureza humana, se bem que em belas paisagens.

O que seria do Havaí se ainda fosse a terra do surf em grandes pranchas de madeira, princesas coroadas com flores e respeito à tradição? Nunca saberemos.

A natureza intocada do arquipélago em questão não ficou na mão dos havaianos e caiu nos dentes de empresários que erigiram construções, nem sempre bonitas, onde antes era o cenário natural.

Por que os descendentes dos donos originais da terra venderam suas propriedades? Ambição, claro. Que mais?

A última pristina praia branca, cercada por matas tropicais e um belo mar azul, corre perigo.

Esse é um dos temas de “Os Descendentes”,

adaptação do primeiro livro de uma havaiana,

Kui Hart Hemmings, editado no Brasil pela Alfaguara.

O diretor Alexandre Payne, que escreveu o roteiro, diz que respeitou a história mas que acrescentou uns toques de humor (negro, na minha opinião), para que o filme não caísse no pieguismo.

O protagonista Mattew King ou Matt (George Clooney), um cinquentão narcisista, é o narrador e um dos descendentes de uma princesa havaiana e um inglês de quem a família herdou a praia intocada.

A primeira coisa que ele fala é que todo mundo pensa que ele é feliz, já que vive em um paraíso e aí começa a narrativa de suas desgraças. Nada melhor do que culpar o mundo (mais exatamente sua mulher, em coma no hospital) pelos seus fracassos como pai e marido.

“Os Descendentes” é, principalmente, um veiculo para George Clooney, que aparece em todas as cenas. Ele já ganhou o Globo de Ouro, assim como o filme e não seria um espanto se ele ganhasse o Oscar. “Os Descendentes” foi indicado para cinco deles.

Todos esses holofotes em cima de George Clooney fazem ficar na sombra os bons atores juvenis coadjuvantes, Shailene Woodley, que faz Alexandra, a filha de 17 anos de Matt, o namorado antipático Sid, papel de Nicki Krause e a surpreendente Amara Miller que faz Scottie, a responsável pelo melhor momento do filme. São solenemente esquecidos pelo Oscar.

Diga-se de passagem, que convencem mais que Clooney, com suas expressões monocromáticas, eivadas de um único sentimento, ou seja, esforçar-se para ser um bom ator.

Além do final previsível, o filme é raso nas soluções de questões psicológicas e há um evidente endosso a uma maneira egoísta de ser.

Bem, pode ser que vocês gostem. Para mim foi uma decepção.


quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra



“Cavalo de Guerra” – “War Horse”, Estados Unidos, 2011

Direção: Steven Spielberg


Quando a tela mostra um potrinho recém-nascido, com as pernas trêmulas e focinho molhado e logo o vemos trotando ao lado da mãe, lindo como só os filhotes podem ser, estamos fisgados.

O mago Spielberg, que já encantou gerações contando histórias emocionantes, volta ao filão mais precioso: conquistar corações através do amor, da amizade e da lealdade, valores eternos que mexem com a nossa vontade de ser como os heróis são.

Tendo como cenário o campo inglês do começo do século XX, uma fazendola onde vivem Emily Watson a mãe, Peter Mulan o pai e o estreante Jeremy Irvine que faz o filho deles, Albert Narracott, tem o cavalo Joey como o protagonista.

Um puro sangue, pernas finas e postura nobre, vai trabalhar no campo por amor a Albert, que o cria e treina com carinho.

Quando entra em cena a Primeira Guerra, os fazendeiros arruinados são obrigados a vender o bem mais precioso de Albert, seu querido Joey.

E, o cavalo puro sangue, que nunca pisou em pistas de corrida mas trabalhou na lavoura, vai agora enfrentar o desatino dos homens que vão à luta em uma guerra sangrenta.

Claro que Albert vai atrás. Alista-se na cavalaria britânica e anseia por encontrar de novo o seu amigo.

Spielberg ilumina a tela com cenas de arrepiar.

A fotografia magnífica de Janusz Kaminski, cores fortes, céus imensos e campos abertos do início do filme, contrasta com os tons sombrios e avermelhados da guerra. Na luz pálida da manhã, cavalaria inglesa contra cavalaria alemã, no embate corpo a corpo, vigoroso e cruel.

Tudo isso ao som da música empolgante do famoso John Williams.

Uma cena ficará para sempre em nossas retinas. Na terra de ninguém, os inimigos fazem trégua para libertar Joey da morte certa. E nossos olhos assustados ficam marejados, mesmo sem querer.

Foi bom ler que nenhum animal se feriu durante o filme. Os mais de 100 cavalos que participaram das cenas de batalha, saíram ilesos.

E quatorze cavalos, devidamente maquiados para ser iguais a ele, interpretam Joey nas diferentes fases de sua vida.

Spielberg faz, em “Cavalo de Guerra”, uma homenagem ao grande cinema do passado que nos deu “National Velvet” com Liz Taylor em seu pônei e o “O Vento Levou” com campo e guerra, Vivien Leigh e Clark Gable.

Só que, com Spielberg, é o cavalo Joey que é o astro principal. Inspirado no livro do inglês Michael Murpurgo, o diretor coloca no centro da cena o cavalo e os campos onde ele galopa.

“Cavalo de Guerra” foi indicado a seis Oscars, entre os quais o de melhor filme, direção de arte, fotografia e música. Ficou faltando o de direção para Spielberg...

Mas não importam os prêmios. Quem gostar de tudo isso que eu contei, vai adorar o filme, um Spielberg que vai para a lista das obras primas do diretor.





sábado, 21 de janeiro de 2012

A Separação





“A Separação” – “Jodaeiye Nader az Simin” Irã, 2011

Direção: Asghar Farhadi





Letras que parecem desenhos enfeitam a tela. Não conseguimos lê-las mas vemos sua beleza. Há uma sensação de estarmos entrando em um país longínquo, muito diferente do que estamos habituados a ver.

Engano. As imagens seguintes mostram um casal, Simin (Leila Hatami) e Nader (Peyman Moadi), frente a um juiz. Ela pleiteia o divórcio porque quer sair do país, que não considera seguro para a filha de 11 anos, Termeh (Sarina Farhadi). Ele nega-se a abandonar o pai, que sofre de Alzheimer e não concorda com o divórcio. Os dois brigam pela custódia da filha.

“Separação”, do iraniano Asghar Farhadi, que também escreveu o roteiro, é assim: estamos no Irã, precisamente em Teerã, mas podia ser qualquer lugar no mundo.

Sim, ela usa véu e o juiz parece não entender a sua necessidade de sair do país mas o que vamos ver é humano, muito humano.

Claro, há uma leitura política porque o Irã nos faz pensar em um país que vive sob uma ditadura cruel que persegue intelectuais, principalmente cineastas. Além disso, há a religião muçulmana com seus ditames rígidos e a colocação da mulher em um lugar inferior ao do homem.

Mas o filme “Separação”, com seu roteiro inteligente, que tem uma arquitetura que permite uma visão realista e metafórica ao mesmo tempo, serve para falar da família, do quarteirão onde moram, da cidade onde vivem, do país que habitam e da humanidade à qual pertencem.

Porque os conflitos que vamos presenciar, entre marido e mulher, pais e filhos, vizinhos, parentes, gente que convive por causa do trabalho, nos envolvem. Alí nos reconhecemos também. O já conhecido “narcisismo das pequenas diferenças”.

E, essa qualidade universal que “Separação” exala ajudou a conquistar para o filme alguns prêmos muito

importantes: Urso de Ouro em Berlim, dois Ursos de Prata para os atores protagonistas e acaba de ser escolhido como o melhor filme estrangeiro do ano no Globo de Ouro, em Los Angeles, Estados Unidos. É forte candidato ao Oscar.

O diretor Farhadi, ao receber o Globo de Ouro, disse apenas: “Meu povo é um povo que ama a paz.” Mas, fiel aos costumes muçulmanos, não apertou a mão de Madona que lhe entregou o prêmio.

Farhadi, que tem 39 anos e que já conhecemos por seu filme de 2009, “Procurando Elly” ( Urso de Prata para o diretor em Berlim) , foi criticado pelas autoridades de seu país por mostrar o que acharam que eram as misérias do povo iraniano e não seus feitos notáveis.

Mas, se você for assistir ao filme, vai concordar comigo que “Separação” vai muito além da política. Fala sobre os homens e mulheres do planeta Terra, como são feitos e quais são seus pequenos dramas.

É simples e universal.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Tomboy





“Tomboy” – França, 2011

Direção: Céline Sciamma





Quando eu era pequena, me lembro de uma página dupla de um livro que mostrava, de um lado um menino, de outro uma menina.

A menina, sentada num banco elegante de jardim, rodeada de flores, estava com um vestido de festa cor de rosa e borboletas e pássaros voavam ao seu redor.

O menino, sentado num banco tosco, vestido de camiseta e calça curta, ostentava vários arranhões e esparadrapos nas pernas nuas, estilingue no bolso e, ao seu redor, aranhas e lagartos passeavam num jardim mal cuidado.

Estranhamente, a página do menino chamava mais a minha atenção. Havia um ar de liberdade e vitória naquele queixinho provocador que me fascinava.

A menina era bonita e chata, o menino ia contra as regras. Um vitorioso, com muitas aventuras para contar, pensava eu.

E é claro que eu brincava de cowboy vestida de calça rancheira, cinturão com revólver, chapéu e estrela de xerife no peito. Isso é ser moleca, uma “tomboy” da minha época.

E lá se vão 50 anos. E eu não deixei de ser mulher por causa disso. Mas lutei minhas lutas com coragem.

Acho que é sobre esse tema que Céline Sciamma trabalha nesse filme delicado, sem dramas amargos mas com indagações e tentativas de escolha de papéis na sociedade.

Na Europa, onde a sexualidade das crianças não é estimulada precocemente, a escolha entre ser menino ou menina na pré-adolescência, é possível. Pode ser uma simples fase na vida.

Participar com músculos e coragem das lutas e jogos ou ser sómente uma admiradora que fica de fora, parece ser o dilema de Laure/Michael, a personagem título do filme.

Mas fica claro também que Laure não se afasta do universo feminino. Vide a sessão de maquiagem com Lisa. Ali aparece um prazer inesperado.

O mais importante é que o filme “Tomboy” não quer analisar nem prever o que vai acontecer com aquela criança. Quer no máximo mostrar, com grande talento, que a condição feminina pode assustar uma menina, principalmente se a mãe está grávida e tem que ficar na cama. E aí, ela pode querer fugir para o universo masculino que lhe parece mais atraente.

Talvez em alguns anos isso tenha ficado para trás, como diz o pai de Laure, muito afetivo e compreensivo.

Zoé Héran faz o papel de Laure/Michael com grande naturalidade e força emotiva. A irmãzinha também é um talento (Malonn Sévana).

Todo o elenco de crianças é dirigido e focalizado com graça e sem retoques pela diretora e roteirista.

É essa delicadeza, esse respeito pelo ser humano criança, o que mais encanta no filme “Tomboy”. Um filme que não levanta bandeiras nem faz apologias disso ou daquilo.

Simplesmente mostra e faz pensar.