segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Um Conto Chinês
“Um Conto Chinês”- “Um Conto Chino”, Argentina/ Espanha, 2011
Direção: Sebastian Borensztein
Vacas caem do céu? Quão absurda e verídica pode ser a vida?
Na Argentina, quando se usa a expressão “un conto chino”, se quer dizer que alguém conta uma mentira ou delira.
É nessa fronteira estranha da insólita verdade que se move o novo filme de Ricardo Darin, o grande ator argentino, conhecido no mundo todo graças a seu talento em filmes de sucesso como “O Filho da Noiva”, “Nove Rainhas” e o oscarizado “O Segredo dos seus Olhos”.
Em “Um Conto Chinês”, Darin faz o papel de um solitário dono de uma lojinha de ferragens em Buenos Aires, em um lado decadente da cidade. Mal-humorado, zangado mesmo, deprimido e portanto cheio de raiva, homem maduro, ele vive sua vida insossa, contando obsessivamente parafusos, para ter mais uma razão de reclamar do mundo que o engana.
Coleciona histórias de mortes absurdas que saem como notícias nos jornais, para provar a si mesmo que tudo é aleatório, sem sentido, nessa vida.
A única certeza é a morte. E, por isso, tem um altar em casa, presidido pelo retrato da mãe, morta quando ele nasceu. Na velha cristaleira coleciona os presentes/oferendas que compra para a defunta: ” bibelots”de vidro, pássaros com asas de cristal, frágeis como ele.
O pai morreu também, em circunstâncias trágicas, quando ele tinha 19 anos. E assim, Roberto acumula culpas infantis inconfessáveis e inconscientes.
Leva flores para o túmulo de seus únicos entes queridos, lá no fundo igualmente detestados (porque o impedem de viver), toda a semana. E vocifera contra o mundo, impotente.
Veterano da Guerra das Malvinas, na qual a Argentina declarou guerra à Inglaterra e foi derrotada sem piedade, Roberto esconde muitas mágoas em seu coração. Pensa nelas cada vez que vai ao aeroporto ver os aviões pousando e decolando, enquanto almoça sentado numa cadeira, com a comida em cima do capô de sua velha Fiat.
E, justamente por estar ali, é que Roberto vai encontrar Jun (Ignácio Huang, ator chinês que vive na Argentina).
O orfão argentino fareja de longe o orfão chinês.
Jogado para fora do táxi porque não fala espanhol, o jovem chinesinho vai ser amparado por Roberto, à sua própria revelia.
Há uma compulsão em ajudar o desconhecido, já que Roberto não ajuda a si mesmo a viver uma vida melhor. Nisso, incluído está a simpática Mari (Muriel Santa Ana) que o adora com timidez e vê em Roberto “sentimento e nobreza”, como escreve na carta que enviou para ele.
“Um conto chinês” é uma comédia com elementos de humor negro e se baseia numa história verídica, por mais incrível que isso possa parecer. Se você tiver paciência e ficar até os créditos finais, vai ver a notícia que foi usada na adptação sendo divulgada pela TV russa.
O diretor e roteirista, Sebastian Borenzstein, toca o filme com delicadeza, fazendo com que o espectador deduza quase tudo do vinculo entre o argentino que não fala chinês e o chinês que não fala espanhol, através da mímica, das expressões faciais e linguagem corporal dos ótimos atores.
O choque cultural cede frente às carências dos personagens, porque falam mais alto.
Vá você também, como o fizeram mais de um milhão de argentinos, se emocionar com “Um Conto Chinês”.
Duvido que você não se envolva com esse filme.
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
Esses Amores
“Esses Amores” - “Ces Amours- là”, França, 2010
Direção: Claude Lelouch
Uábadábadá, uábadábadá...
Esse refrão ritmado de Francis Lai soa aos ouvidos de toda uma geração como uma recordação de romance e sofisticação.
Faz parte da trilha sonora de um dos filmes que mais marcou a carreira do cineasta Claude Lelouch, que nasceu em Paris em 1937, filho de um judeu da Argélia.
Ele ainda não tinha 30 anos quando dirigiu “Um homem e uma mulher”(“Un Homme, une Femme”), com Anouk Aimée e Jean-Louis Trintgnant. Um piloto de corrida e uma bela mulher, ambos viúvos, se encontram, por acaso, no colégio interno onde seus filhos estudam.
O uso da cor para mostrar as cenas do presente e o preto e branco para o passado dos personagens, era um charme a mais no filme que tinha uma música de Vinicius de Mores e Baden Powell, “Samba da benção”.
“Um Homem e Uma Mulher” fez tanto sucesso que ganhou dois Oscars em 1967: melhor filme estrangeiro e melhor roteiro original. Já tinha levado a Palma de Ouro em Cannes em 1966. E Anouk Aimée ganhou o Bafta inglês e o Globo de Ouro como melhor atriz.
Houve uma continuação de “Um Homem e Uma Mulher”, 20 anos depois, com os mesmos atores, que levou ao cinema quem tinha visto e se encantado com o filme de 1966.
Mas Lelouch é um diretor de outros grandes filmes, também sucessos de público como “Viver por Viver”(“Vivre pour Vivre”) de 1967 com Yves Montand, Annie Girardot e Candice Bergen e “Retratos da Vida”(“Les Uns et Les Autres”), de 1981 com um grande elenco liderado por Nicole Garcia, Geraldine Chaplin, Michel Piccoli, Fanny Ardant, com dança (Jorge Donn, inesquecível no Bolero de Ravel), música e guerra, em um grande painel que começa em 1936 e vai até os anos 80.
Ao completar 50 anos de carreira e já com 43 filmes no currículo, Claude Lelouch resolveu fazer de novo o que sabe fazer como ninguém: acompanhar os acontecimentos da história do Ocidente e fazer com que se misturem à vida dos personagens que ele cria.
Dessa vez ele conta os amores de Ilva (Audrey Dana), uma bela francesa, durante os anos que antecedem, durante e após a Segunda Guerra Mundial.
Romance, sexo e intriga contracenam na França tomada pelos nazistas, onde é mostrado o papel da resistência francesa, vê-se os judeus sendo exterminados nos campos de concentração e presencia-se a invasão da Normandia com a entrada dos americanos na guerra, decidindo a vitória dos aliados em 1944.
Lelouch homenageia o cinema em ”Esses Amores”, começando pelos irmãos Lumière e o primeiro filme falado, “O cantor de Jazz”, passando pelos diretores que ele ama, nos trechos de filmes que passam no cinema ”Palace” que é um dos cenários por onde transitam os personagens, até “closes”dos atores que trabalharam em seus filmes no final de “Esses Amores”.
Como sempre, a música é central na trama que vai contar histórias paralelas que depois se encontram. Ouvimos assim, “Que Reste-t-il de Nos Amours?” cantada por uma francesa acompanhada de um acordeão, “Stormy Wheater” no Cotton Club em New York e o Concerto n. 2 para Piano de Rachmaninoff que se ouve no campo de concentração tocado por um dos prisioneiros e que abre e fecha o filme.
Ilva, que muito amou, vai ser condenada por um crime que não cometeu? Como diz o advogado/ pianista judeu, será que houve um suicídio disfarçado em assassinato?
A história dessa mulher, mesclada aos dramas de uma guerra cruel e um pós-guerra difícil para todo mundo, são os temas que veremos nesse filme, transbordante talvez, atordoante, mas certamente a síntese da obra do grande Claude Lelouch.
Todos os elementos dos outros filmes aqui estão presentes, contados da maneira talentosa com que Lelouch sempre encantou as platéias numerosas de seus fãs.
Claude Lelouch é um homem apaixonado pelo romance. Como ele mesmo diz no fim do filme, pela boca de um personagem, cineasta como ele:
“- E foi por causa daquele beijo que eu filmei tantas histórias de amor nesses 50 anos”.
domingo, 21 de agosto de 2011
Onde Está a Felicidade?
“Onde Está a Felicidade? “- Brasil, Espanha, 2011
Direção: Carlos Alberto Ricelli
Todo mundo já se acostumou a ver o rosto bonito, os olhos turquesa e ouvir a fala mansa de Bruna Lombardi na TV e no cinema. Ela fez muitas mini-séries e novelas, a primeira delas em 1977, “Sem Lenço nem Documento”, de Mário Prata.
Mas sua estréia foi como modelo, em 1967.
É poeta e romancista e o primeiro de seus oito livros, todos esgotados nas livrarias, é de 1976, “No Ritmo Dessa Festa”.
Com 59 anos bem vividos, Bruna não parece ter mais que 45. Inteligente, não foi atrás da moda de preenchimentos estranhos e exibe um corpo de garota.
E o mais impressionante de tudo isso é que consegue manter um casamento com o primeiro marido, Carlos Alberto Ricelli, há décadas, num meio conhecido pelos romances “flash”.
Aliás, em “Onde Está a Felicidade”, o filme que ela estrela, roteiriza e produz, enquanto seu marido a dirige, abram alas para Kim, filho do casal, que herdou a beleza dos pais e tem carisma na tela, que dá para perceber, mesmo na pequena ponta que ele faz. O gato promete.
Nessa produção familiar, que aproveita a moda das comédias brasileiras, que estão lotando cinema, o roteiro bem escrito por Bruna Lombardi faz o público se divertir.
A história gira em torno de Teodora, a Teo, que tem um programa de culinária afrodisíaca na TV, chamado de “A Receita do Amor”, onde ela aparece vestida, maquiada e penteada como uma “paquita” brega.
Ela é casada com Nando (um ótimo Bruno Garcia), comentarista de futebol na TV, que está traindo Teo pela internet.
Quando ela descobre, entra numa crise depressiva daquelas.
Até que a sua maquiadora argentina (Maria Pujalte, excelente), apresenta-lhe as pílulas coloridas, que ela pensa ser a sua salvação.
É hilariante a cena em que Teo, completamente chapada, faz uma das receitas afrodisíacas em seu programa, trocando as pernas, cambaleando, sem noção do que está acontecendo.
Mas, o destino é cruel e seu programa é cancelado...
A maquiadora vem outra vez em seu auxílio, comentando que a sobrinha espanhola Milena, vai fazer o Caminho de São Tiago.
“- É disso que eu preciso. Vou me espiritualizar. Ficar magérrima e arranjar um amante”, diz Teo, engolindo uma pílula verde.
E o diretor do programa dela (Marcelo Airoldi), também sem trabalho, resolve aproveitar a idéia e fazer um programa de TV com Teo e Milena (a atraente Marta Larraldi), como peregrinas fazendo o Caminho de Santiago de Compostela.
É claro que as intenções são ótimas, mas a força de vontade para andar quase 800 kilometros...
Bem, as aventuras do trio no caminho para Santiago de Compostela são o filme.
Paisagens lindas da Galicia, cidades medievais, dormitórios coletivos e um portunhol de arrepiar, são o recheio do filme, que tem momentos divertidíssimos.
Tanto é assim, que o público do último Festival de Paulínia, deu a “Onde Está a Felicidade? “o prêmio de melhor filme.
Na sessão de pré-estréia em que eu estava, aconteceu uma coisa inesperada. De repente, durante uma cena em um hotel, com muitos figurantes, o público do cinema ouve um grito:
“- Apareci! Apareci! Sou eu! Não acredito!”
Quando as luzes se acenderam, uma simpática e sorridente senhora explicou:
“- Foi a primeira vez que eu apareci num filme! Já tinha feito figuração em outros e nada. Mas neste, eu finalmente apareci.”
Rachel Worek estava feliz e realizada. Seu sacrifício de acordar de madrugada e esperar horas pela filmagem, fora recompensado afinal.
E eu pensei:
“O que seria do cinema sem esse espírito que anima os figurantes?”
A atração pelo cinema se materializa de formas diferentes.
E uma delas é essa: aparecer na tela grande a qualquer preço.
Quanta paixão!
domingo, 14 de agosto de 2011
Um Sonho de Amor
“Um Sonho de Amor”- “Io Sono l’Amore”, Itália, 2009
Direção: Luca Guadagnino
Os letreiros são à moda antiga e as primeiras imagens mostram Milão sob a neve.
A fachada de uma vila que parece um palácio enche a tela.
Um alto pórtico de madeira e cristal permite que a luz e o olhar devassem o ambiente de entrada.
Na cozinha, a criadagem e a patroa Emma (Tilda Swinton) lustram a prataria.
Um jantar de aniversário para o patriarca da família está sendo montado na casa de seu filho Tancredi, casado com Emma, que depois da prataria, faz o “placement” dos convidados. São dezesseis na mesa ovalada onde brilham cristais, velas e porcelanas.
Naquela noite, Edoardo Recchi (Gabriele Ferzetti, 86 anos) vai anunciar seu sucessor na indústria têxtil que leva o nome e a tradição da família:
“- A empresa Recchi vai permanecer para sempre. Mas chegou o momento de eu me retirar e designar meu sucessor.”
Vira-se para o filho:
“- Decidi deixar tudo em suas mãos, Tancredi e nas de seu filho Edoardo. Porque serão necessários dois homens para me substituir.”
Emma beija as mãos do sogro, agradecida.
Após o brinde, deixam a mesa e passam ao living da casa.
Madeiras nobres, janelas amplas com cortinas de tecidos pesados, objetos preciosos, quadros de mestres e um jardim de cactus aos pés da escadaria majestosa, com painéis de rádica, adornam os ambientes da casa palaciana que exibe, assim, um luxo com estilo.
Mas alguém chega inesperadamente. É Antonio (Edoardo Gabriellini), amigo de Edoardo, primogênito de Emma e Tancredi. Traz uma torta que fez especialmente para a mãe do amigo. Juntos querem abrir um restaurante.
“- Mamma! Apresento-lhe Antonio.”
É a primeira vez que se cruzam.
Quando Emma entrevê a partida de Antonio pela janela de seu quarto, sentimos que algo está para acontecer.
“Um Sonho de Amor” é a história de um romance. Mas, mais que isso, mostra como o amor pode levar alguém a descobrir-se.
Ao longo do filme, ficamos sabendo que Emma foi trazida da Rússia por Tancredi que, menos que uma esposa, precisava de um adorno que funcionasse perfeitamente na engrenagem da casa dele. Chamou-a Emma, desconsiderando seu nome verdadeiro e disse para a mãe Allegra (Marisa Berenson, ainda bela):
“- Mamma! Vou me casar com uma mulher mais bonita que você! “
Écos de um Édipo antigo ressoam ainda na geração dos filhos de Tancredi: Edoardo é apegado à mãe e prefere a companhia do amigo Antonio à da noiva. Elizabetta, a filha, busca uma identidade sexual.
E é através deles, jovens e bem nascidos, que Emma vai sentir o primeiro impacto do amor. Sua imagem pensativa entre os adornos do teto do Duomo de Milão, depois de uma conversa com a filha, mostra que algo está mudando nela.
Luca Guadagnino, diretor e co-roteirista do filme lembra a estética de Visconti quando retrata o “way of life” dos personagens da família. Cenários e figurinos elegantes formam um todo harmonioso.
Mas as cenas filmadas em Milão na Villa Necchi Campiglio, construída em 1930, além de passar uma idéia de bom gosto, mostram também como aquela casa presta-se a parecer “um palácio que é metade museu, metade prisão”, nas palavras de Tilda Swinton.
E é Emma que vai concentrar em si, a imagem de toda uma sensualidade nascente, que a câmara de Guadagnino vai mostrar com perfeição. Tilda Swinton, com seu rosto expressivo, vestida de vermelho, tem a luz focada em cima dela. Mais precisamente, em sua boca deliciada, que mastiga e saboreia o prato feito por Antonio com um prazer quase erótico.
Transportada para um outro mundo, o sabor dos camarões descortinam para Emma tudo que palpita e quer viver em suas entranhas.
Uma tragédia vai apressar o tempo e o destino dos personagens.
E nós, na platéia ficamos silentes. Compreendemos aquilo que já sabíamos: o amor é uma força poderosa que dá coragem e ensina o ser humano a mudar o rumo, ou melhor, a encontrar o rumo para a sua vida.
terça-feira, 9 de agosto de 2011
A Árvore da Vida
“A Árvore da Vida”- “The tree of Life”, Estados Unidos, 2011
Direção : Terrence Malick
O diretor de cinema e roteirista Terrence Malick, que é filósofo formado em Harvard, filmou apenas cinco longas em sua carreira iniciada nos anos 60. E são todos obras primas.
Em Cannes, ganhou o prêmio de melhor direção por “Cinzas no Paraiso” de 1978, e foi lá que ele deu sua última entrevista sobre cinema.
Perfeccionista, brilhou em Berlim em 1999 com o seu “Além da Linha Vermelha”, um libelo definitivo contra a guerra, que ganhou o Urso de Ouro.
Uma lenda viva, considerado um tímido porque não fala sobre seus filmes, esperando que o público descubra por si mesmo o seu cinema, ele não apareceu em Cannes esse ano para receber a Palma de Ouro para “A Árvore da Vida”.
A beleza do filme é impactante e envolve o espectador em um clima de poesia e metafísica que seguimos, quase sem respirar, como se estivéssemos numa catedral.
Esse estado de espírito nos prepara para as reflexões de Malick sobre o ser humano, através da vida de uma família comum, nos anos 50 do século XX, no Texas, onde o diretor nasceu, até os nossos dias em New York.
O diferencial será a maneira como é narrado o filme, sem muitos diálogos, com um ir e vir no tempo e frases ditas em “off”, em quase sussuros, que é a marca registrada de Malick.
Além disso, ele consegue atuações memoráveis de seus atores Brad Pitt, Jessica Chastain, Sean Penn e do jovem Hunter McCracken.
O filme começa com uma colocação intrigante e ao redor da qual vai girar a trama simples do filme:
“Existem dois caminhos na vida: a maneira da Natureza e a maneira da Graça. Nós temos que escolher qual deles seguir.”
A familia, que tem Brad Pitt como o pai de temperamento duro e a mãe, Jessica Chastain, suave e doce, amante da vida e da alegria, vai ser mostrada primeiramente em um momento de perda e luto. Um dos três filhos morreu.
Preparem-se. Porque mais que um filme, “A Árvore da Vida” é uma experiência única, se você se deixar envolver pela proposta de Terrence Malick.
O diretor nos convida a pensar nos nossos começos. E para isso, nos coloca para ver o seu “big bang”, o começo de tudo no universo.
Fogo, água, ar e terra, os elementos fundamentais dos antigos, fazem-se presentes.
Belissimas imagens de visitas a mundos longínquos antecedem a chegada ao nosso planeta. A tela é invadida por fotografias e montagens tão maravilhosas quanto assustadoras, se imaginarmos a dimensão do ser humano frente às forças do universo.
Tudo isso com uma trilha sonora não menos espetacular que traz trechos de Smetana ( The Muldau), Bach, Brahms, Mahler, Berlioz, Mussorgsky, Mozart (Lacrimosa) e muitos mais.
Os efeitos especiais são de Douglas Trumbull de “2001- Uma Odisséia no Espaço”, amigo de Malick, que lhe pediu para não usar imagens geradas por computador. Assim, foram utilizados os mais diversos materiais para recriar o universo, desde pinturas, corantes, fumaça, até chamas, pratos giratórios, luzes e fotografia em alta velocidade. O resultado é mágico.
Aqui na Terra, o primeiro mundo que é visitado é o microcosmo, de onde surgiu o elemento gerador da vida, essa combinação misteriosa de forças e circunstâncias únicas.
E de repente, sem que a gente espere por isso, hipnotizados que estamos por aquelas paisagens do mundo invisível, Terrence Malick faz-se nosso guia para uma viagem extraordinária, que nos leva em um salto no tempo/espaço até os dinossauros.
E quão comovente é esse contato com o animal primevo que já contém em si a experiência afetiva da maternidade!
Nas praias do começo do mundo, os elos sagrados entre mãe e filhote, fazem sentir a sua presença.
E, quando o olho do feto se abandona ao escrutínio da câmara, sabemos que estamos em território conhecido: já é o nosso mundo.
Os elementos dos antigos continuam conosco na bela natureza que se oferece aos nossos olhos nos vulcões, rios de lava, desertos de areia, o sol se pondo em horizontes carregados de nuvens e água que cai em torrentes ou em tímidos pingos sobre paredes de musgo que escoram os meandros de um rio.
E compreendemos que a viagem está chegando ao seu ponto alto. Aproximamo-nos do humano em toda a sua grandeza, falhas e complexidade.
Aqui, as forças cósmicas estarão presentes de uma maneira diferente mas não menos produtora de embates conflitivos:o pai e a mãe, a casa, os irmãos. O mundo no qual gravitam pessoas em torno de pessoas.
Malick nos faz aterrissar nos Estados Unidos, Texas, anos 50, para viver os pequenos e grandes dramas de uma família.
A história de um homem (Sean Penn), vai ser contada em episódios que nos fazem revisitar a nossa própria vida.
Amores e ódios, tristeza e alegria.
Na saga dos três irmãos, o mais velho e o do meio vão dramatizar o ciúme e a inveja, bem como uma adoração e fidelidade total à mãe. O pai será desafiado...
Terrence Malik escolheu o Livro de Jó da Bíblia, como epígrafe para o seu filme. Assim, a fé e o perdão são os elementos para a compreensão de tudo que vamos ver acontecer.
E Malick pergunta:
“Será que a desilusão e a desgraça são castigos de Deus para os maus? Ou pura casualidade?”
É um filme surpreendente que coloca mais interrogações do que respostas.
Uma delas aflige a todos os seres humanos quando descobrem o poder acachapante da culpa:
“Desejos matam?”
E aí vamos nos lembrar da criança que fomos um dia.
A fotografia deslumbrante de Emmanuel Lubezki, que usa apenas luz natural, combina bem com esse diretor que não acredita em pessimismo mas sim na esperança e no perdão, como força redentora do ser humano.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Melancolia
“Melancolia”- “Melancholia”, Dinamarca, Suécia, França, Alemanha, 2011
Direção : Lars Von Trier
O décimo quarto filme do talentoso e polêmico diretor dinamarquês, Lars Von Trier, 55 anos, pode ser visto como uma ficção científica, um filme-desastre sobre o fim do mundo ou como um drama psicológico.
No início, antes mesmo do nome do filme e diretor, belíssimas imagens de pesadelo invadem a tela em câmara lenta.
O rosto sombrio e pesado de Kirsten Dunst nos olha sem vida, enquanto pássaros mortos caem do céu, atrás dela.
Começamos a ouvir o prelúdio de Tristão e Isolda, de Richard Wagner, uma das músicas mais românticas e tristes de que se tem notícia.
Um jardim renascentista cerca um relógio de sol de tamanho desproporcional. Uma silhueta de mulher é percebida ao longe, no cenário noturno.
Um planeta negro e outro azul gravitam no espaço interestelar.
Outra mulher (Charlotte Gainsbourg), corre em pânico, com uma criança no colo. Do que ela foge?
Um cavalo negro cai num campo ressecado enquanto Kirsten Dunst está de braços abertos, em meio a uma sinfonia de borboletas e folhas rodopiando.
Na frente de uma mansão escura, estáticos, um menino entre duas mulheres.
Kirsten Dunst solenemente ergue as mãos e observa filamentos que saem dançando de seus dedos.
Uma noiva corre por uma floresta. Seus pés e seu vestido se emaranham em fios cinzentos.
A conjunção fatal dos planetas se aproxima do seu apogeu.
Numa cena que lembra o suicídio de Ofélia em Hamlet, de Shakespeare, a noiva é levada como um corpo morto, pela correnteza de um riacho, com seu buquê nas mãos sobre o peito.
O menino descasca um longo graveto, observado por Kirsten Dunst. Ele olha o céu, buscando os planetas, apreensivo.
O gigante azul engole o planeta menor. Colisão.
Ouve-se um rumor surdo e profundo.
Poeira de planetas preenche o ar na explosão que se segue.
Esse prólogo do filme resume a história do planeta Terra destruído por Melancholia.
O próprio Lars Von Trier diz, em entrevista, que escolheu essa maneira de contar a história porque o importante não é o que acontece, mas sim ver como tudo acontece, não só no mundo externo mas dentro das pessoas.
E esse vai ser o assunto do filme, dividido em duas partes: Justine e Claire, o nome das duas irmãs.
Justine, a noiva relutante, que oscila entre a mania e sinais de uma depressão grave e a irmã Claire, que cuida dela, do marido (Kiefer Shuterland) e do filho. Mais saudável que Justine, Claire vai, aos poucos, trocando de estado mental com a irmã.
Quando a dança da morte dos planetas se impõe e a vida na Terra é ameaçada, Claire entra em pânico porque tem muito a perder e Justine aceita o fim como se fosse uma benção, melancólica mas curada de sua depressão grave.
Em uma entrevista em Cannes, Lars Von Trier falou sobre a possibilidade das duas irmãs serem lados diferentes da mesma pessoa, ora deprimida/maníaca, ora saudável. E acrescenta que suas experiências pessoais o levaram a escrever a história do filme:
“-Meu alter-ego é sempre feminino nos meus filmes. Dessa vez tenho dois, duas mulheres”.
No fim de “Melancholia”, dentro da “caverna mágica” (bela metáfora sobre a sala de cinema), a tela nos mostra a união entre a criança e as duas mulheres, de mãos dadas, enfrentando o desconhecido, a destruição da ordem anterior e a aniquilação da vida.
“Melancholia”, aqui, é o nome de um planeta mas também de um estado de alma.
Lars Von Trier não adota o sentido dado por Freud à melancolia que seria um estado de depressão grave, devido a um luto impossível pelo ser amado e odiado, ao mesmo tempo, por causa do abandono.
Para o diretor e roteirista, a depressão seria o estado doentio que pode até ser tratado com remédios. É Justine na primeira parte do filme. Já a melancolia é para ele um sentimento de vazio, mais existencial, do qual ninguém se cura, porque a vida inclue, necessáriamente, a morte.
Para ele, então, a melancolia “é um tipo de vitamina que todos precisamos”. É Justine banhando-se à luz de “Melancholia”, toda nua sobre o rochedo.
Certamente, pensar na morte é valorizar a vida e procurar viver sem se entregar a defesas incapacitantes. É abrir mão da felicidade maníaca para poder viver momentos felizes. É fugir da depressão mortal e abrir espaço para a tristeza, que pode levar ao pensamento libertador. É aceitar a humanidade em nós.
Lars Von Trier, que não esconde de ninguém que sofreu crises depressivas e tentou refugiar-se no alcoolismo, foi considerado “persona non grata”no festival de Cannes, onde participava da competição, após declarações infelizes e inaceitáveis sobre o nazismo e Hitler.
Desculpou-se no dia seguinte mas o estrago já tinha sido feito. Mas seu filme continuou na competição e Kirsten Dunst foi escolhida como a melhor atriz.
Lars Von Trier, o fundador do movimento Dogma, continua com sua câmara na mão balançando e acompanhando de perto os personagens e suas aflições. Ao mesmo tempo, herdeiro de Bergman e Visconti, deslumbra a todos nós com cenas grandiosas e cenários de arrepiar.
O prelúdio de Wagner vai ser ouvido apenas nos momentos de maior emoção, contrapondo-se ao silêncio musical das outras cenas, o que torna tudo muito mais pungente.
A obra, no caso de Lars Von Trier, fala mais alto e melhor que seu criador.
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