terça-feira, 19 de julho de 2011
Lola
“Lola”- “Lola”, França/ Filipinas, 2009
Direção: Brillante Mendoza
“Lola” é um filme na contramão. Raro.
Realizado pelo diretor filipino de 49 anos, Brillante Mendoza, em 10 dias, filmado com câmaras digitais na ilha de Luzon, a mais populosa das Filipinas, “Lola” se afasta, em tudo, dos filmes “main stream”, aqueles que são distribuídos pelo mundo todo.
Tanto é assim, que Mendoza teve que ser premiado como melhor diretor em Cannes em 2009, para conseguir realizar “Lola”, um projeto que parecia impossível de ser filmado, apesar do diretor admirar o roteiro de Linda Casimiro:
“- Para muitos, um roteiro envolvendo duas velhinhas não parecia atraente comercialmente”, comentou o diretor em São Luis, Maranhão, na abertura do I Festival Internacional Lume de Cinema.
É seu primeiro filme que vemos no Brasil.
Quando apresentou “Lola” em pré-estréia no CineSesc em São Paulo, disse Brillante Mendoza:
“- Esse é um filme muito próximo do meu coração. É um tributo não só às avós das Filipinas mas a todas as pessoas idosas do mundo inteiro.”
Em “taglog”, idioma das Filipinas, “Lola”quer dizer “Avó”.
Vamos assistir a um filme que valoriza duas personagens magrinhas, cabelos brancos, roupas simples mas que se mostram pessoas valentes e determinadas na hora de defender a família.
Ninguém nos conta o nome delas mas vamos, pouco a pouco, conhecendo sua fibra ao tentar de tudo para conseguirem seus objetivos.
As duas se encontram em uma situação difícil: parece que o neto de uma delas assassinou o outro por causa de um celular. E foi preso.
Enquanto uma delas enfrenta as chuvas e os ventos para acender uma vela no lugar do assassinato, encontrar o corpo e tentar comprar um caixão para o neto morto, a outra visita e alimenta o neto na prisão e vai à luta para conseguir dinheiro para sua fiança, tendo que vencer a mesma chuva e vento implacáveis.
A água é quase um personagem no filme. Além de fustigar a todos, em meio à pobreza local, ela inunda as ruas onde mora a avó que perdeu o neto.
Barcos toscos a remo são o meio de transporte, as casas são construídas sobre palafitas. Parece que, desde sempre, as águas invadem aquele bairro, esquecido pelas autoridades locais.
Ninguém reclama mas tudo é injusto nesse cenário inundado.
O que não impede que a avó Serpa (Anita Linda), durante o velório do neto, anime toda a família com uma descoberta. Ela vislumbra peixes nadando no porão da casinha inundada.
É grande a alegria com a oferta do alimento grátis, entre pessoas que mal tem como se sustentar. Mas que, mesmo na penúria, vão ter sua procissão de barcos levando ao cemitério o menino morto em seu caixão branco. Tudo graças à avó.
Já do lado da avó Puning (Rustica Carpio), muitos são os estratagemas para conseguir o dinheiro que, ao invés de pagar a fiança, poderá ser oferecido como forma de reparação à família do morto, libertando assim seu neto.
Nas Filipinas, a justiça, tal como as águas das chuvas de verão, segue um curso estranho para nós, mas conhecido e aceito pela população. Ninguém discute se é certo ou errado alguém pagar com dinheiro por um crime e sair livre.
“Lola” tem cara de documentário. Esquecemos que as avós são atrizes tarimbadas e nos envolvemos na história com o coração apertado.
A cena bem humorada que reune as duas avós para a transação final, parece que apresenta duas amigas que falam sobre seus achaques devido à idade e trocam receitas de como lidar com esses males. Uma lição importante. Porque é a aceitação da passagem do tempo sem dramas e, bem ao contrário, aqui transparecendo a vontade de assumir um papel de sabedoria e força justamente por causa da idade. São matriarcas respeitadas.
Assim deveria ser cá como lá.
Se você consegue assistir a um filme fora dos parâmetros geralmente aceitos, vai se emocionar com “Lola”. E aprender algo com as duas velhinhas.
Afinal, na melhor das hipóteses, todos seremos como elas um dia.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Olá, Eleonora
ResponderExcluirAcompanhei este extraordinário filme com o mesmo cenho franzido dos personagens.
A representação do filme protagonizada muitas vezes pela chuva, portas estreitas, os alagados, o guarda chuva capenga.. e o resultado disso, a dificuldade, a triste miséria. A tremula camera de mão percorre os labirintos desse sublime filme Franco Filipino impiedosamente mostrando para nós a trajetória dessas duas mulheres desesperadas em busca de alguma solução para dar de alguma maneira a dignidade em suas vidas e o sofrido luto.
Curioso o código penal desse país, que "resolve" a questão do homicídio com apenas a decisão moral de ambas as partes. A questão jurídica em si, não prescreve, me parece, no código Flipino.
As dificuldades encontradas na repartições públicas é outra denúncia feita pelo excelente diretor desse filme que nos choca. Lamentavelmente encontrei algumas semelhanças aqui no nosso continente brasileiro.
A senhora Imelda Marcos bem que poderia ter calçado melhor a sua gente, as suas Lolas....!
Pergunto:- Até quando vai a flagrante miséria latina?
Bjs,
Sonia Clara
Eleonora,
ResponderExcluirSeus textos me emocionam, tanto pela escolha dos filmes a serem comentados, como pelo seu próprio comentário.
A maneira que seu olhar pousa sobre algumas passagens é o que me envolve é o que faz a diferença de seus textos.
Enquanto todos se fixam nas péssimas condições da população das Filipinas você consegue enxergar “momentos”. como a beleza na velhice, a alegria de uma descoberta ou na força da maturidade.
Tocante esta forma de ver,
Roseli
Roseli querida,
ResponderExcluirSeja bem-vinda ao time de comentaristas do blog. Adorei seu texto sensato e delicado. Aqueceu meu coração.
Obrigada e volte sempre.
Bjs
Copio aqui o comentário de Sylvia Manzano:
ResponderExcluirSônia Clara
A "flagrante miséria brasileira" já diminuiu mto com o governo Lula e certamente será zerada ao término do governo Dilma.
O continente brasileiro vai mto bem, obrigada.
O Brasil pagou a dívida externa e hj quem nos deve é o FMI, mas certamente estamos falando de países diferentes, acho.
O Brasil que você vê é é o mesmo que eu via há tempos atrás.
O Brasil mudou, mas tem muita gente que não viu, ou como diz o Chico: "A banda passou na janela, só Carolina não viu."
Sylvia
Sylvia
ResponderExcluirDe fato, o Brasil mudou desde o governo Fernando Henrique. De fato, o Brasil mudou muito desde a implantação do Plano Real contra o qual o Lula se insurgiu. De fato, vejo a banda passar com a saúde brasileira em coma, a educação precária, a infra-estrutura incipiente.
De fato, o Brasil mudou com a consolidação democrática feita pelo Fernando Henrique sem quaisquer resquícios de autoritarismo. De fato, a miséria diminuiu, mas infelizmente zerá-la é uma ingênua utopia. De fato, o continente brasileiro não vai tão bem como eu e tantos outros gostariam.
Sonia Clara
Sonia Clara querida,
ResponderExcluirDe fato vejo que suas opiniões são apaixonadas assim como as da Sylvia.
Fico contente que haja lugar aqui no blog para que seja um espaço democrático.
Precisamos mais do que nunca aprender a conviver com o diferente e se enriquecer na defesa de nossos ideais.
Todos ganhamos com isso.
Obrigada às duas amigas.
Bjs