terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Cisne Negro
“Cisne Negro”- “ Black Swan”, Estados Unidos, 2010
Direção: Darren Aronofsky
A luz sobre a bailarina mostra mais sua silhueta que seu rosto. Em tule branco, sapatos de ponta cor-de-rosa, ela faz piruetas. Um homem aparece e quer subjugá-la. Dançam juntos. Ele se transforma em algo monstruoso. Ela foge e dança só, vestida de plumas.
Esse sonho, no início do filme “Cisne Negro” que Nina, a bailarina, chama de “louco” quando acorda no dia seguinte, realiza o seu maior desejo, ser a rainha do “Lago dos Cisnes”, mas também pressagia algo sombrio. Um preço a pagar.
Mas por que? Nina não é o bebê de sua mãe, não dorme em edredons macios, cercada de bichos de pelúcia e ao som da caixinha de música onde rodopia uma boneca bailarina ao som de Tchaikowsky?
E ela é dedicada à arte que escolheu, a mesma de sua mãe, sempre vestida de preto (Barbara Hershey), que toma conta dela como se ela fosse um “bibelot”.
Mas que não se esquece de dizer com voz cortante:
“- Abandonei a minha carreira para ter você, Nina...”
E que ninguém se engane. A vida de bailarina é dura. Disciplina, repetição, força de vontade, dores. Tudo isso está por detrás da graça, leveza e suavidade do palco. Nada é fácil.
Seus sapatos de ponta tem que ser desmontados, quebrados, esmagados, para que possam ser úteis aos pés que martirizam. A dor é companheira inseparável.
Assim vive Nina. Segue os passos de Beth (Wynona Ryder), que foi a estrela da companhia. Era sempre dela o papel principal. Porém chega o dia em que é forçada a aposentar-se. É a chance de Nina.
Mas, para conseguir ser a Rainha dos Cisnes na nova produção, ela terá que se submeter a Thomas Leroy (Vincent Cassel), diretor e coreógrafo. Apesar de apreciá-la como o Cisne Branco, sente falta de vibração quando ela dança o Cisne Negro. E para forjá-la a seu gosto, ele vai quebrá-la.
“- Eu quero ser perfeita”, diz Nina.
“- Perfeição não é só controle, é também deixar-se levar. Surpreenda-se! Surpreenda o público!”, retruca ele.
Pobre menina...
Intuitivamente Nina se protege de excessos. Percebe, lá no fundo, que isso pode ser perigoso para ela. Ela é frágil. Infantil e imatura.
No bar onde vai com Lily (Mila Kunis), a novata que compete com ela, um rapaz pergunta sobre o “Lago dos Cisnes”:
“- É a história de uma menina que vira um cisne porque foi enfeitiçada. Só o amor verdadeiro pode salvá-la. Mas o príncipe se apaixona pela garota errada. E ela se mata...”, responde Nina.
A essas alturas, a divisão interna que o papel Odile /Odete impõe, parece que já se instalou definitivamente na pobre Nina, que está possuída pelo Cisne Negro, que a domina.
Ela não diferencia mais interpretação e vida, realidade e fantasia. Loucura...
Natalie Portman, atriz nascida em Israel que vive nos Estados Unidos, tem nesse papel seu grande momento. Recebeu até agora todos os prêmios de melhor atriz e ninguém duvida que é a preferida para o Oscar.
Se tal acontecer, subirá ao palco grávida. Apaixonou-se pelo bailarino Benjamin Millepied que dança com ela como o principe do "Lago dos Cisnes". Ele é o coreógrafo do filme.
Vestida pelas irmãs Kate e Laura Mullery, que assinam a grife Rodarte e que foram as responsáveis pelos figurinos de balé, Natalie está espetacular.
Até assusta, de tão expressiva, quando dança com a roupa de asas imensas do Cisne Negro, seu rosto envolto em um véu apertado, maquiado com arte por Judy Chin, como se usasse uma máscara.
O diretor Darren Aronofsky de “O Lutador”(2008), que devolveu Mickey Rourke às telas, cria com sua câmara um ritmo frenético que causa vertigem.
Pontuadas por uma música dissonante e arranjos tonitruantes do “Lago dos Cisnes” de Tchaikovsky, as cenas do final do filme mais parecem um circo de horrores.
Aronofsky escolheu ser intenso e exagerado. Há quem ache que ele perdeu-se em excessos no desenrolar da trama.
Seja como for, “Cisne Negro” merece ser visto porque o mundo do balé, mesmo quando enfocado por uma lente distorcida que quer mostrar a insanidade em cenas delirantes, traz sempre magia para a nossa contemplação.
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A direção de Aronosfsky, soberba, tipo “attack! Attack”!, rumorosa no movimento, na música, mesmo em momentos de leveza. Ouvindo e até sentindo o ruído das articulações dos pés bailarinos.
ResponderExcluirO volume visual e auditivo da pista movida pelo ecstasy, deu até vontade de entrar na dança e experimentar. Delirante e catársica.
Nicole Portman nunca me chamou tanta atenção quanto nessa interpretação também soberba, a ponto de me apaixonar - e olhe que ballet não é minha praia - e me fazer lembrar, em alguns momentos, silhuetas de isabella rosselini, fanny ardant, audry hepburn, - não me xinguem, - até mesmo débora secco, talvez por ter acabado de ver o trailer nacional da "Surfistinha".
Torcendo pela volta recuperada de Winona Ryder. Pessoal e Profissional/
Moral da minha história:
o excessivamente perfeito é chato. Não é a toa que até no registro ancestral do imaginário paraíso perfeito de Adão & Eva, se buscou o "relax & enjoy”. Algo intuitivo, solto, que perdemos em algum momento na evolução dessa nossa etapa humana.
A compulsão de perfeição traz mais prejuízos que vantagens. O Custo benefício, como se diz, não compensa. Nossa dimensão é imperfeita, não tem jeito, e a busca expontânea do melhor, do perfeito desejados, tem que sair dos trilhos da técnica, do rígido, do estabelecido, para fluir pelo se deixar levar, enfim, pela ALMA. Corpo sem alma, não tem VIDA.
A imagem de Nina, no apogeu do ato perfeito de seu balé, com uma lâmina perfurando-a, talvez tenha um simbolismo de que o perfeccionismo compulsivo, é nocivo , sem que “ela”, a personagem e a gente saibamos; mais nos machuca e as pessoas com as quais nos relacionamos, quando não "mata" até. Mais ainda quando originado de situações tão clássicas da psique humana sob a marca dos "cisnes negros", figuras tomadoras da ALMA.
Mas quem sou eu, pobre mortal, pra navegar por essas águas interpretativas, tão conhecedoras da autora psicanalista deste blog, que explorou tão bem, em seu texto, todos esses estados da ALMA.
Ser Amigo,
ResponderExcluirSeu comentário é brilhante.
Obrigada por postar tanta agudeza de espírito aqui no meu blog.
Sinto- me enriquecida e lisonjeada.
Volte sempre.
Bjs
Grato pelo comentário e incentivo, Eleonora.
ResponderExcluirEssas águas interpretativas a que me aventurei, foram-me motivadas pelo filme
e sobretudo inspiradas pelos seus textos conhecedores das dores, sabores
e amores da alma.
Impossível resistir aos "insights"!
"i WILl come back"; bjs